Aviso

Eu não tenho paciência. Nunca tive. No lugar do que era pra ser paciência, tem raiva acumulada. Raiva que escurece tudo ao ponto de eu ter saído da boca e não lembrar de nada no caminho. Só lembro dele levantando o vestido dela…

Segurei o cabo de ferro com força e o peso do martelo diminui à medida que aproximei meu polegar da alfeça. Eu tava pronto pra martelar a mão dele a qualquer hora, mas o martelo é pra X9, é regra e eu tava torcendo pra ele ser um.

— Escolhe. — A mudança de tom na minha voz, qualquer um consegue perceber. — Três segundos ou um dedo cortado?

Ele tá mal respirando. Se fosse o sorteio de buceta que essas porra fazem no cabaré ele era o primeiro a falar alguma coisa. 

Tem malandro achando que tomou o meu lugar. E é desses que eu gosto. Dos que andam trajado de bandido mal, mas, na verdade, não são nada. Eu dei a chance a cada um deles de ter uma vida boa com os trampo do movimento. E eu posso tirar.

O cara na minha frente, estando numa cadeira de escola e com a mão pra frente em cima da mesa é um dos dois que mandei Grego marcar. Eles sabiam o que ia acontecer, porque, quando a ordem é essa, o barraco do sufoco é a única coisa que espera eles.

Mas tinham que ter medo na hora de não fazer a porra do trabalho deles. Caralho, o que custa se manter na ativa? Eles recebem o branco todo mês pra cumprir justamente com a obrigação.

Suspiro e Pascoal. Além de terem retido mercadoria e atrasado os malote, eram os dois que tavam na contenção no dia que levaram ela. Eu não sabia disso, fui saber agora. Porque nego só abre o cacete da boca quando entra no caixão.

— Eu não sei de nada, não siow, eu tô dizendo pelo amor de Deus, eu tenho família patrão.

Eu ia abrir a boca pra dizer que por ele ter família, ele no mínimo tinha que facilitar as coisas por ele e pra família. Mas como ele mesmo disse, eu sou o patrão.

— O mindinho.

Grego tava segurando o braço dele, quando o Cavera se virou e pegou o alicate e posicionou no anelar. Eu me certifique de focar bem a minha atenção no rosto que ele vai fazer quando o osso for amassado ao invés de simplesmente arrancado fora. O alicate não tá afiado, de propósito, óbvio. A lâmina encostou na pele e…

— EU FALO CARALHO! EU FALO, EU FALO, EU FALO!

Xeque-mate. 

— Vai falar o que porra! Bora! Diz! — Grego instiga alto e o magrelo na cadeira engole desesperado.

— Pas-Pascal que mandou essa fita pra mim, foi ele, porra, foi ele! — Me inclino na cadeira —Eu tava no cabaré da tia, me preparando pra ir na contenção e ele chegou lá cás ideia de nois passar num bar, só que eu não lembro de nada chefe, eles me drogaram.

— Eles quem

— Eu não sei, mas tinha mais um com nois, eu não sei de mais nada, pelo amor de Deus, eu vacilei cá patroa, mas na humildade, irmão, desenrola aí…

Olhei pra Grego, que virou pra mim no mesmo instante. Ele sabia o proceder. Pascoal é o namorado de Juliana a amiga de Bianca.

— Tem mais alguém pra confirmar essa tua história aí? — Grego perguntou.

— Só a dona Firmina lá do cabaré que viu eu saindo com eles.

— E seu Gerônimo? Cês tava no bar dele, não tava? Porque que ele não pode confirmar. — Grego continua perguntando, mesmo sabendo a resposta.

— Seu Gerônimo né do fechamento não irmão, se melar ele tá junto com eles aí.

Pior do que ter os cu azul querendo tomar rocinha, é ter gente daqui de dentro mesmo, querendo tomar a rocinha. Mas a diferença é que os que tão aqui dentro o caminho é mais difícil. Eles são os ratos da casa. Uma casa cheia de ratoeira.

— Leva ele pra outra sala, mas deixa na mira. E traz o Pascoal pra cá, é a vez dele.

____________

Pascoal era do movimento desde moleque, ele tem mãe que trabalha, mas quis entrar pra manter a casa a uns anos atrás. Depois, ele conheceu Juliana, não sei o rolo deles, mas volta e meia eles se separam e tão junto de novo. 

Quando um vagabundo no meio de uma tortura resolve abrir o bico, de duas uma, ou o que ele disse foi uma meia verdade, ou foi a verdade que salvou a vida dele.

— É o seguinte, tu sabe do proceder. Então abre o bico que nois já tem metade da história no ouvido.

Grego disse, antes de se ficar de frente pro vagabundo que nem tremia o olho. Sujeito homem conhece filho da puta só pela postura, quem trama no aberto, faz pior no calado. 

— Eu recebi umas proposta aí, tá ligado. O Márcio chegou junto lá comigo, passou o proceder, valia grana e eu só fiz pô. Não sabia que eles iam levar ela. Só me disseram que era pra seguir o esquema, tirar os cara lá de frente da porta e da contenç…

Não vi a hora que eu me levantei, mas na hora que minha mão fechada bateu no osso da cara dele eu senti, ao mesmo tempo que ouvi um estalo. A cabeça dele girou pro lado e se eu tivesse colocado mais força ele quebrava o pescoço.

Mas no lugar do pescoço, foi o nariz. Jorro de sangue desceu pela boca dele, quando ele gritou.

— Tu é a porra de um animal, caralho? Que desgraça da na tua cabeça de sair acatando ordem de vagabundo porra?!

O filho da puta deixou a minha mulher sem proteção por causa da porra do dinheiro. 

— Disseram que tu ia cair Alemão! —Ele grita.—Que teus dias tavam tudo contado, eu tive que me garantir né, porra! — Pascoal era diferente do outro, ele não tem medo de mim. E isso me irrita pra cacete. — E sabe de uma coisa? Eles tavam certo, tu caiu Alemão, foi só aquele velho rico te oferecer a buceta da filha dele que tu caiu e levou o morro todo junto contigo.

Um sorriso pela primeira vez em um mês apareceu na minha boca. Eu me abaixei na altura dele e eu tenho a porra da certeza de que a cara a dele fechou. Mas ainda não era medo, eu queria medo.

— Então bora mandar um aviso pra eles. — Olhei pro Cavera e depois pra Grego que tavam sem entender nada, assustados.— Mete uma castração nesse filho da puta e manda o alerta pra geral nessa porra, Alemão tá de volta.

Grego fez que sim com a cabeça e antes de eu falar mais alguma coisa, meu celular vibrou no bolso, sem parar. Era uma ligação. 

Levantei o dedo indicador avisando que ia sair da sala e quando vi a tela o nome do contato me tirou dois segundos de dúvida. Bianca.

— Fala. — Abaixei o tom de voz. Da última vez que a gente se falou eu acabei saindo do controle, ainda tenho que resolver essa parada com ela. 

Bianca não responde. No lugar de um “oi” eu escuto um barulho de choro e meu corpo fica em alerta vermelho.

— Que caralho foi Bian…

—Ele mentiu pra mim, Henrique. — Um soluço —Samuel tem um filho com outra mulher.

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