Câmera de segurança

Essa caminhada no crime me ensinou que tudo na vida tem um começo, um meio e um foda-se bem grande. Quando chega na parte do foda-se, ao invés de dar uma última chance, eu dou uma corda. Uns usam pra fazer um laço, e outros se enforcam. 

Já faz a porra de um mês que esse morro tá na decadência porque vagabundo fica fazendo graça com trampo sério. Não é culpa do Samuel, por mais que ele esteja ficando mais em casa com a mulher grávida do que na boca, pelo menos têm cuidado dos negócios. 

O problema é os filha da puta que querem dar uma de grande é na hora não sustenta pipoco. Como esse agora na minha frente. Tatuagem de palhaço, carpa e o caralho a quatro espalhado na pele, mas não é porra nenhuma. Nem no meu olho tem coragem de olhar.

— Os três porquinhos perderam a porra da língua?

Os três se entreolham. Samuel, Gabriel, Bernardo e o saco de pancada tão em pé, espalhados pelo cômodo, e eu tô sentado na cadeira de sempre. A boca tá do mesmo jeito que deixei, minha mesa, os maços de cigarro escondido na gaveta porque vez ou outra ela brigava quando me via fumando e eu dava um jeito de esconder.

Mais que caralho, tudo lembra ela vai se fuder.

— Satisfação, Alemão.

O da esquerda, com vulgo de bigode, tem a coragem de falar com queixo erguido. Filho da puta.

— Satisfação o caralho. Cadê as demanda do trampo? 

Explodo sem paciência e ah… Aquele olhar. No segundo em que ele olha na minha direção, tenho uma sensação estranhamente boa e perturbadora. 

O jeito como os três se comportam, cabeça baixa, as mãos procurando alguma coisa pra se apoiar, garganta subindo e descendo e a voz tremendo formam um combo de denúncia. Eles fizeram o que não era pra fazer e sabem que vão pagar.

A sensação de ver um ser humano na tua frente, com medo do que tu vai fazer, temendo a morte é a mais saborosa que tem. É como se eu fosse o próprio diabo vendo três pecadores na minha frente. 

É medo. Eles estão com medo. Medo de mim. Puro medo.

O gosto é doce.

Eu tenho o poder de matar, rasgar, dilacerar, fazer o que eu quiser com eles e ninguém aqui irá contra a minha vontade. Eu posso mandar que cortem cada membro dos três na minha frente e, discordando ou não, assim será feito.

Em poucos segundos algo parecido com êxtase explode com tudo na minha cabeça. Como se eu estivesse livre de alguma coisa que me prendia e a certeza me agarra com tudo. Eu posso fazer a porra desse lugar queimar e ninguém vai me impedir de nada. A única que tinha esse poder, se foi. Agora não resta nada.

Não tem mais nada. Não sobrou mais nada.

— Deu B.O eu…

Antes dele terminar de falar, o barulho alto corta no ar, de bala e osso se chocando. Sangue espirra no chão.

— Puta que pariu, caralho!

A mariquinha morena do lado de Bernardo se assusta. Ninguém faz um barulho sequer. 

— Leva eles e marca. Daqui a pouco termino de desenrolar essa fita.

Aponto pra grego, que entende o recado e pega os dois que restaram, tirando eles da sala. 

— Cara tu tem que…

— Eu não tenho que fazer caralho nenhum. —Corto Samuel antes que ele complete o discursinho de merda. — Sempre foi assim aqui e vai continuar sendo. A ordem tem que vir de mim. Vacilou, vai pedir arrego pro diabo no inferno. 

Ele fica calado. Samuel e Gustavo foram os únicos que falaram alguma coisa até agora. Os outros dois, tão quietos desde que cheguei. Gabriel nem parece que tá vivo, mas essa palhaçada vai acabar, eu não saí daquele barraco pra ficar dando uma de psicólogo.

— Cadê o computador que eu mandei pegar? — Pergunto, olhando diretamente pra Gabriel.

 Ele ainda tá com atadura presa em volta do ombro e peito. Sem demora o aparelho tá em cima da minha mesa, aberto e desbloqueado. Os quatro vêm pra mesa olhar de perto e Gustavo coloca um cabo USB na entrada do celular, logo em seguida conecta no computador.

Uma espécie de círculo começa a girar na tela. Um vídeo sendo carregado.

— Às gravações iniciaram quando colocaram ela no quarto. — Bernardo começa. — Parece até que ele planejou isso. 

Arnaldo era um desgraçado inteligente, fazia merda na mesma medida que lucrava com elas.

— Tinha medo desse cara, ainda bem que já tá morto. Deus é mais.

O saco de pancadas diz, antes de dar início ao vídeo e todo mundo ficar em silêncio, com total atenção na tela.

O vídeo inicia e os primeiros minutos fazem meu coração bater de um jeito estranho. Ela deitada, dormindo numa cama de hospital, com monitores ao lado, a perna enfaixada. A porra do tiro que a mulher falou ter ouvido aquela dia, foi na perna dela. 

Algo se revira no meu estômago. 

Uma mulher entra no quarto, parece ser a enfermeira e começa a mexer nela, arrumando a postura, o travesseiro. Só depois começa a chamar por ela. A câmera deveria ser das que, além da imagem, também consiga captar o áudio.

— Senhora. Pode me ouvir?

Ela parece acordar aos poucos, os olhos se abrem e minha atenção na tela aumenta quando ela levanta rápido e vomita do lado da cama.

— Respire querida.

Ela tava assustada, isso é nítido. E fica ainda mais quando a porta é aberta e o filho da puta entra no quarto. 

— Finalmente acordou. 

Ela fala. Ouvir o som da voz “feliz” dele, me deixa mais irritado. Eu já sabia que tinha dedo dele nisso, mas não gostei de saber que ele já morreu. Porque, deveria ser eu quem mataria ele.

— Está sentindo algum enjoo, senhora?— A enfermeira pergunta.

— Não. 

Merda, a voz dela. A voz fraca dela quase me faz desligar o computador, mas não me mexo. A enfermeira arruma os fios da máquina e só depois olha pra ela.

Geralmente quando um médico olha assim pra alguém, alguma merda tá acontecendo. Lilliana tinha algum problema?

— Enjoos, tonturas e a cólica forte que está sentido, são reações normais do corpo após um aborto espontâneo. Senhora perdeu muito sangue e mesmo…

Eu paro de ouvir a mulher falando quando o chão some debaixo de mim. 

— Ela disse aborto? — Bernardo, que parecia tão fudido quanto eu, pergunta. — Volta essa porra aí Gustavo.

O vídeo é voltado e a mulher falar mais uma vez:

— … são reações normais do corpo após um aborto espontâneo. A senhora perdeu muito sangue e mesmo com a anestesia…

— Espera, o quê? Impossível…

— Para o vídeo. 

Peço com a voz baixa e olho pra janela semiaberta. Sem acreditar no que escutei. A notícia me pegou de surpresa, mas ela também não parece acreditar nisso.

— Puta que pariu… —A voz falha de Gabriel é a única coisa que se escuta na sala. — Mas vocês não tavam junto? Porque ela disse que é impossível?

Eu não respondo a pergunta dele porque parece que entrei em um transe.

Um filho. Ela tinha uma criança na barriga. Um filho. Eu ia ter um filho com ela. Uma criança. 

Alguém passa a mão na minha frente e volta com o vídeo. Ela tá em choque, parece até que era realmente impossível. Mas não era. Não depois daquele dia na cozinha.

— Impossível a senhora perder o bebê ou…

— Os exames estão errados. Faça-os novamente, pode ser algo mais grave. Uma pedra nos rins, um cisto ou até mesmo um câncer e…

— Nos deixe a sós, Madalena.

Não vejo a tela, só escuto as vozes do desgraçado e a dela de quem tá quase chorando.

— Diga para ela que precisa fazer outros exames, isso pode ser uma doença mais séria. A não ser que queira me enterrar mais cedo do que o planejado.

— Os exames estão corretos, ela não precisa fazer nada.

A vontade que tenho é de arrancar a minha pele, rasgar ela aqui e agora, pra ver se a dor substitui a decepção de não ter conseguido ajudar ela e nem a criança. Meu filho, nosso filho.

— Como diabos estão corretos? Você mesmo disse que… Pare com isso, pare de… Pare de me usar desse jeito. De me manipular.

— Não estou lhe usando. Os exames não estão errados, você perdeu um…

— Cale a boca! Você me disse, com diagnósticos em mãos, que eu era infértil. Médicos me disseram o mesmo. Durante todos esses malditos anos você afirmou para mim que eu não nasci com o dom de gerar vida alguma porque eu não merecia! Então não venha encher minha cabeça mais uma vez com suas mentiras. Eu estou cansada, cacete!

Mas então, eu olho pro computador com a mesma rapidez que Bernardo se levanta. Que porra é essa? Ela não podia ter?

— Filho da puta! Filho da puta! — Ele grita— Esse desgraçado foi tão miserável ao ponto de enganar ela vida toda! — Bernardo olha pra mim — Tu sabia dessa merda?

— Não. — Respondi sem emoção alguma.

— Ela não te conto…

— Se tivesse contado eu não tava com essa cara pro computador, cacete. — Rebato a pergunta imbecil de Samuel.

Ela não disse, mas eu tinha que ter estranhado a confiança dela, quando eu não usei camisinha. O único que ficou preocupado, não com a possibilidade de ter um filho, mas sim dela ficar grávida e piorar a situação, fui eu.

Puta merda.

Apoio meus dois cotovelos na mesa, passando a mão pelo rosto. Como se isso fosse mandar embora a vontade demoníaca de sair acabando com tudo.

Se controla, porra.

O vídeo continua rolando, ela gritando com o pai, jogando uma prancheta de exames na direção dele, mas sem acertar. Pai não, resto de aborto. Esse desgraçado mexeu com a cabeça dela por anos, se eu fosse ela tinha jogado a prancheta bem na cabeça dele.

Gustavo acelera um pouco e passa na parte em que a porta é aberta.

— Aí. Para aí. — Bernardo pede. — Nessa hora o Playboy achou eles na mansão. Era pro Arnaldo ter saído do Brasil bem antes disso, mas como ela tinha levado um tiro bem na perna, ele teve que mudar o plano.

— Quem deu o tiro? — Gabriel pergunta e Bernardo aponta pra um magrelo de camisa na tela do computador. 

— Márcio. Ele era um dos nossos. — Samuel responde— A gente tem que reforçar essa contenção de quem entra e sai do movimento. Fiquei sabendo de uns crias aí, que ele já tinha ameaçado ela desde o dia que ela chegou na favela. Márcio foi colocado aqui dentro e não foi só ele, deve ter mais.

Segurei a quina da mesa com força. Suor escorreu pela minha testa à medida que eu tentava me controlar. Eu vou explodir e tá difícil segurar. É como se a raiva fosse tão grande a ponto de eu precisar descontar ela em alguém. Não só quebrando as coisas, mas usando alguém. Matando.

Gustavo volta o vídeo e assisto em silêncio. Eles invadem o quarto, atiram no velho e fazem ela ver a cena mais suja. Ver ela chorando e não poder fazer nada é o mesmo que enfiar uma faca no peito.

Na hora em que ela consegue escapar e correr em direção à porta pra sair, minha ansiedade dá um pulo. Ela não conseguiu, era óbvio que não ia conseguir, uma mulher do tamanho dela contra três vagabundo daqueles… Não tinha como.

O arrombado puxa ela pelo cabelo, coloca ela no chão e os gritos dela aumentam. Um zumbido invade meu ouvido quando vejo a pior cena de toda a minha vida.

Ele levantou o vestido e se enfiou dentro dela. Ele levantou o vestido e se enfiou dentro dela. Ele levantou o vestido e se enfiou dentro dela. Ele levantou o vestido e se enfiou dentro dela. Ele levantou o vestido e se enfiou dentro dela. Ele levantou o vestido e se enfiou dentro dela. Ele levantou o vestido e se enfiou dentro dela. Ele levantou o vestido e se enfiou dentro dela. Ele levantou o vestido e se enfiou dentro dela. Ele levantou o vestido e se enfiou dentro dela. Ele levantou o vestido e se enfiou dentro dela. Ele levantou o vestido e se enfiou dentro dela. Ele levantou o vestido e se enfiou dentro dela.

A imagem ficou se repetindo na mina cabeça e não vai sair dela tão cedo.

Ninguém disse nada na sala. Em algum momento Bernardo deve ter saído do meu lado, só vi a hora que ele chegou na janela e vomitou pro lado de fora. A Minha cabeça tava girando. Eu não conseguia ver mais nada. 

Sai da cadeira onde estava sentado e com a visão completamente embaçada só vi sangue em minha frente.

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Comments

Leydiane Cristina Aprinio Gonçaves

Leydiane Cristina Aprinio Gonçaves

se foi terrível para eles assistir o vídeo dela sendo e******** imagine para ela que passou por isso na pele eu não achei justo ela ter morrido sem ter a oportunidade de se vingar desses vagabundos cretinos

2024-09-07

3

Geovanna Fernandes

Geovanna Fernandes

tadinha da Lili 😪😭

2024-09-04

1

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