No dia seguinte, o silêncio da madrugada foi quebrado apenas pelo som da água fria batendo no meu rosto. Eram 4h em ponto. Vesti-me rapidamente e segui em direção ao pátio de treinamento, o corpo ainda pesado da noite anterior.
Ao chegar, fui recebida por um olhar severo.
— Está atrasada. Era pra estar aqui às 4h. Já se passaram vinte minutos — disse o conde com a voz cortante.
— Acordei às 4h como o senhor ordenou... — tentei justificar.
— Ainda responde? Parece que está com energia para treinar mesmo. — retrucou ele, com desprezo.
Fiquei em silêncio, mas mantive o olhar firme. Não iria recuar. Foi então que o conde fez sinal, e um homem surgiu das sombras. Alto, com uma cicatriz rasgando o rosto, e uma presença que parecia esmagar o ar ao redor.
— Este é Paulo. Ele será seu instrutor.
O olhar de Paulo era afiado como a lâmina que ele carregava. Mas mesmo diante daquela figura intimidadora, não desviei os olhos. Eu era uma assassina treinada em minha vida passada. O medo não me dominava.
O conde me observava com atenção, talvez esperando que eu implorasse para fugir daquele inferno. Em vez disso, endireitei a postura.
— Vamos começar — disse Paulo, com uma voz rouca e firme. — Hoje vou te ensinar o básico com a espada. Amanhã, se sobreviver, se juntará aos outros garotos.
Espadas... algo bem diferente das armas de fogo modernas que dominava. Ainda assim, absorvia cada movimento com concentração.
Paulo corrigia minha postura com impaciência. Usava uma vara para me acertar cada vez que eu errava. E eu errava muito. Mas não caía. Não reclamava. Suava, sangrava nos dedos, mas mantinha-me em pé.
À distância, o conde nos observava em silêncio. A cada golpe, esperava que eu desabasse. Não lhe dei esse prazer.
— Ela até que não é ruim nisso... — mUrmurou Paulo, quase admirado.
Na pausa para o almoço, sentei exausta, coberta de suor e poeira. Paulo se aproximou.
— Você tem talento. Mas é fraca. Não tem músculos. Vai ter que compensar com velocidade.
Assenti. Eu já sabia disso. — Existe alguma forma de treinar a agilidade?
Ele sorriu de lado. — Coloque isso — disse, jogando-me pesos para os braços e pernas. — Quando conseguir lutar normalmente com eles, será uma sombra sem eles.
Voltei ao treino ainda mais sobrecarregada. Ao fim do dia, meu corpo gritava de dor. Apenas tomei banho e desmaiei na cama.
No dia seguinte, Paulo me levou ao campo de treinamento oficial, uma clareira ampla nos arredores da mansão.
— A partir de agora, é aqui que vai treinar. Não se atrase nunca. — disse ele com rigidez.
O campo estava cheio de garotos. Eu era a única menina. Quando me juntei à fila, senti todos os olhares sobre mim.
— O que uma garota tá fazendo aqui...? — sussurravam entre si.
Paulo, como sempre direto, se adiantou.
— Estão curiosos? Esta é a senhorita Daiana, filha do conde. Vai treinar com vocês a partir de hoje. E se alguém tiver problema com isso, pode vir falar comigo.
O murmúrio cessou. Mas os olhares não. Durante o treino, os garotos evitavam-me. E eu preferia assim. Focava em meus movimentos, respirava fundo e mantinha os pesos nos braços e pernas, mesmo quando minhas pernas ameaçavam ceder.
— Aquela ali vai cair na primeira luta... — riam alguns.
Paulo, então, anunciou: — Vamos testar suas habilidades em combate corpo a corpo!
Um leve sorriso surgiu em meus lábios. Até que enfim algo em que sou boa.
Fomos divididos em duplas. Meu parceiro, visivelmente contrariado, não teve escolha. Os outros se preparavam para ver minha humilhação. Mas mal o combate começou, em segundos, derrubei e imobilizei o garoto no chão com uma técnica precisa.
Silêncio. Depois, um murmúrio de espanto.
— Mas o que foi isso...?
Desde então, os olhares mudaram. Durante as refeições, os meninos se aproximavam, curiosos. Apesar de ser incomum ver uma dama da nobreza em meio a guerreiros, mulheres na tropa não eram novidade. Mas uma senhorita da alta sociedade? Isso sim, era impensável.
Meses se passaram. Treinava todos os dias, minha força e agilidade cresciam. Paulo, embora rígido, já não escondia o respeito que havia conquistado. E curiosamente, durante esse tempo, Ana e Alana mantiveram-se em silêncio.
Isso me preocupava ainda mais.
Foi então que descobri: Alana estava tendo aulas de etiqueta, moda e administração da casa. Enquanto eu empunhava uma espada, ela moldava o futuro social da família.
Aquilo... poderia ser minha ruína.
Meu pai, atolado em compromissos, mal percebia o rumo das minhas atividades. Decidi agir. Em alguns dias, fingia estar doente para escapar dos treinos.
Usando uma das passagens secretas que havia mapeado, infiltrava-me na sala de estudos onde Alana recebia suas aulas. Escondida atrás de tapeçarias ou dentro de armários, observava cada lição. E nos momentos livres, praticava sozinha.
A cada dia, aprendia um pouco mais sobre postura, etiqueta, influência, domínio do olhar, o poder das palavras silenciosas.
Eu estava me forjando por dentro e por fora.
Eles acham que me mandaram para o exílio.
Mas, sem saber... estavam alimentando a fera.
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Atualizado até capítulo 42
Comments
Donny Chandra
Já tô fisgada.
2024-08-30
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