Maria Elois- A caçadora

Quem cruzasse a Quarta Avenida e andasse mais uns dois quilômetros se depararia com uma rua de casas antigas de Londres. A arquitetura vitoriana, com fachadas de tijolos envelhecidos e portas de madeira escuras, parecia absorver a luz do dia, criando uma atmosfera quase fantasmal. As árvores ao longo da rua, já sem folhas na época do ano, estendiam seus galhos tortuosos como dedos esqueléticos, sombrios e silenciosos. Ali, havia várias lojas de artefatos antigos, museus e objetos raros, como se o tempo tivesse parado naquele lugar. Algumas vitrines exibiam objetos curvos e desgastados, peças que pareciam ter sido esquecidas por gerações, enquanto outras, mais misteriosas, ostentavam símbolos e runas que remetiam a um passado distante, oculto e mágico. Esse era o tipo de lugar onde, se você olhasse para os cantos certos, podia jurar ver algo se movendo na penumbra.

Criaturas sobrenaturais... eram o que os caçadores procuravam e eliminavam. No entanto, como o número de tais seres havia diminuído drasticamente, a cidade de Londres parecia ter se transformado em uma linha tênue entre o mundano e o oculto. A maioria das criaturas que haviam restado preferia os cantos mais sombrios e isolados, longe do centro movimentado da cidade, onde o Instituto de Caça Sobrenatural tinha sua sede. A sede do instituto, localizada em um edifício grande e imponente, ficava na parte norte de Londres. Sua estrutura, uma mistura de arquitetura gótica e moderna, contrastava com a tranquilidade do bairro ao seu redor. Cercado por uma muralha de ferro forjado, o instituto parecia uma fortaleza.

Maria Elois era uma caçadora que se distinguia não apenas pela habilidade e competência, mas também pela intensidade com que carregava seus princípios e crenças. Sua infância foi marcada por treinamento rigoroso, solidão e um distanciamento quase completo do mundo "normal" ao seu redor. Desde muito cedo, Maria foi imersa em uma disciplina que a ensinou que o "bem" e o "mal" não eram conceitos relativos, mas categorias absolutas e inquestionáveis. Criada para enxergar as criaturas sobrenaturais como aberrações, ela passou a acreditar que seu destino era erradicar essas ameaças, restaurando a pureza e a ordem ao mundo dos humanos.

O treinamento de Maria foi árduo. Quando era criança, seu corpo pequeno era forçado a se adaptar a rotinas físicas intensas, desde escaladas em terrenos traiçoeiros até combates com armas de fogo e lâminas. No entanto, seu treinamento não se limitava ao físico. O Instituto de Caça Sobrenatural também investiu pesado na formação mental de seus caçadores, e Maria passou anos estudando rituais, mitologia, história das criaturas e até psicologia de combate. Sua mente, afiada como uma lâmina, conseguia detectar padrões onde outros viam apenas caos. Sua memória era prodigiosa, permitindo-lhe recordar até os menores detalhes de suas missões e dos seres que caçava. Esse conhecimento enciclopédico, aliado ao treinamento físico, a transformou em uma caçadora excepcional, com habilidades de rastreamento e estratégia invejáveis.

Contudo, essa formação fez com que Maria perdesse a capacidade de se conectar com os outros de uma forma genuína. Ela via as relações humanas como desnecessárias e frágeis, um reflexo da ineficiência e da decadência que tanto desprezava nas outras raças. Sua lealdade estava exclusivamente ao Instituto e à missão. Embora fosse respeitada por seus colegas, raramente se aproximava deles de forma pessoal, preferindo manter uma distância emocional. Para ela, a amizade era um luxo que não tinha tempo de cultivar. E o amor? Um conceito tão distante quanto a ideia de fraqueza, algo que ela tinha aprendido a reprimir desde cedo.

Maria via as criaturas sobrenaturais com uma mistura de nojo e desprezo. Vampiros, em particular, eram a sua grande obsessão. Para ela, a presença deles era uma afronta ao equilíbrio do mundo humano. Considerava-os não apenas uma ameaça física, mas uma distorção da ordem natural das coisas. Sua visão de mundo era profundamente simplista e rígida: os humanos eram superiores, os únicos capazes de restaurar a paz ao mundo, e qualquer ser sobrenatural que ousasse desafiar isso deveria ser destruído. Essa visão estava tão enraizada nela que ela começava a perder a capacidade de distinguir entre o que era realmente uma ameaça e o que era apenas uma diferença de existência. Para Maria, todos os monstros deveriam ser erradicados, sem exceção.

Por mais que estivesse completamente dedicada à sua missão, havia uma ferida profunda dentro de Maria, algo que ela raramente reconhecia, mas que, de vez em quando, surgia como uma sombra em sua mente. Maria foi forçada a sobreviver sozinha, e isso a moldou de maneiras que nem ela mesma compreendia completamente.

Sua visão de mundo se limitava a uma linha rígida entre "certo" e "errado", e qualquer coisa que escapasse dessa linha era considerado um alvo a ser eliminado. Seu envolvimento com o Instituto e a incessante busca por sua própria ideia de "ordem" faziam-na perder de vista o fato de que nem tudo no mundo poderia ser resolvido com violência ou eliminação.

Na noite anterior, ela havia encontrado algo extremamente incomum durante suas rondas: uma gota de sangue brilhante. Ela descobriu isso em um beco escuro. O beco, que cheirava a mofo e a terra úmida, parecia isolado do restante da cidade. As paredes, cobertas de grafites e cartazes rasgados, abafavam os sons da rua movimentada, criando uma sensação de desconexão com o mundo lá fora. A gota de sangue era como uma pequena joia, iluminada pela luz fraca da lanterna que Maria carregava. A cor vibrante e intensa da gota a fez hesitar por um momento, como se algo muito maior do que ela estivesse envolvido. Ela sabia que se aquilo fosse uma pista, poderia ser algo muito mais perigoso do que imaginava.

O laboratório do instituto, onde ela levou a amostra, era uma sala de paredes de pedra, cheia de equipamentos científicos antigos e modernos. O cheiro de produtos químicos misturava-se com o ar pesado, enquanto máquinas de alta tecnologia assobiavam suavemente em segundo plano, analisando o sangue, a amostra que Maria trouxera. Mesas de trabalho estavam espalhadas com papéis, frascos e frascos de vidro cheios de substâncias misteriosas, enquanto no canto, uma estante abarrotada de livros sobre o oculto e o paranormal parecia testemunhar séculos de estudo e pesquisa. Antony, o cientista do instituto, estava em seu laboratório pessoal, um local onde passava mais tempo do que em qualquer outro lugar. Ele havia sido o responsável por criar diversos equipamentos usados pelos caçadores, mas, naquele momento, o ambiente estava mais tenso do que o habitual. A descoberta de uma criatura rara como aquela poderia mudar o curso das coisas, não apenas para o instituto, mas para todo o mundo.

— Bom dia, Antony! Conseguiu analisar o meu achado? — A curiosidade de Maria era palpável. Ela havia perdido o sono, refletindo sobre as possibilidades daquilo ser uma pista verdadeira ou uma armadilha. A tensão no ar era quase elétrica.

— Sim. — O cientista do instituto estava visivelmente tenso. Ele parecia inquieto, os olhos, normalmente tranquilos e analíticos, agora estavam um tanto desesperados.

— Pode me falar de que criatura é essa amostra?

— Você sabe, Maria. Todos nós sabemos. Mesmo que quiséssemos negar... — Antony hesitou, com uma expressão que refletia o peso da revelação. — Eu até preferia que fosse uma pegadinha de um duende. Mesmo sabendo que eles não são tão astutos.

— Uma criatura dessas aqui em Londres?! — Maria ergueu uma sobrancelha, como se fosse inconcebível que algo tão grandioso e perigoso pudesse estar nas ruas da cidade. Ela não acreditava no que ouvia, mas sua expressão de ceticismo se misturava com um toque de excitação. O desafio estava à sua porta.

— Sim. Não restam dúvidas. — Antony deu um suspiro profundo, como se a resposta estivesse lhe consumindo por dentro. O cientista, que geralmente mantinha a calma, estava claramente assustado. Ele sabia o que Maria ignorava: aquele sangue não era apenas raro, mas sinal de algo ainda mais perigoso. Algo que poderia mudar a dinâmica de poder entre humanos e seres sobrenaturais.

— Ora, ora... — Maria abriu um sorriso sanguinário, os olhos brilhando com uma fome de ação. Enfim, uma missão de verdade. O olhar no rosto dela era de pura satisfação, como se estivesse prestes a se envolver em um combate épico, o tipo de caçada que ela sempre desejara.

— Você não tem ideia do que está lidando. — Antony se levantou, seu tom de voz carregado de preocupação. - Freud está viajando. Acho que devemos esperar ele chegar com os demais antes de tomar alguma atitude. Nenhum de nós tem grandes experiências em campo de batalha com algo dessa magnitude.

— Não seja tolo, Antony! — Maria retrucou, com a frieza que sempre a acompanhava, como se não existisse um desafio que não fosse capaz de enfrentar. -Treinei anos para isso. Chegou a hora de mostrar para que todo aquele trabalho besta me serviu. Foi o próprio Freud quem me treinou. Sei muito bem o que precisa ser feito. -Ela falava com uma confiança tão imensa que parecia que não havia sequer uma possibilidade de falha. - Estudei todo o material sobre o assunto quando ainda estava fazendo o meu treinamento.

Vingança, pureza... Tudo se mesclava em sua mente. Ela acreditava que a caça era sua única razão de existir, e não permitiria que nada a desviasse de seu objetivo. Não importava o perigo; ela estava disposta a enfrentá-lo.

— Você pode morrer! É um perigo real! São seres sanguinários e de uma força e destreza descomunal. — Antony olhou-a nos olhos, tentando transmitir a seriedade do que ela estava prestes a enfrentar. Mas Maria estava além de qualquer preocupação. A dúvida não a atingia. Ela sentia uma necessidade visceral de eliminar qualquer ameaça.

— Eu também sou forte e habilidosa, nunca perdi para nenhuma criatura nojenta. Não é agora que irei perder. — Maria falava com a certeza de quem já havia vivido batalhas intensas e sobrevivido, mas, no fundo, sua arrogância estava começando a cobrir o que poderia ser uma vulnerabilidade. -A nova geração é bem mais forte e astuta que as anteriores. Não precisamos de tantos anos de treinamento para ficarmos muito fortes.

Antony ficou em silêncio, desconfortável. Ele sabia que, embora Maria fosse forte, ninguém estava realmente preparado para o que ela poderia encontrar. Mas ele não podia impedir a decisão dela, não quando ela já estava tão focada em sua missão.

— Senhor... Mas como você pretende achar esse ser? A essa altura, ele já deve estar bem escondido ou até saído da cidade. Eles nunca procurariam confronto direto com o instituto.

— Não. — Maria foi direta, com um olhar determinado. -Eles não costumam deixar escapar uma gota de sangue. Ele deve estar ferido para isso ter acontecido. Deve haver mais gotas por aí e ele deve estar escondido até se recuperar. É o momento perfeito para coletar mais informações. Não esqueça que eu sempre fui especialista em rastreamento. -Ela não estava apenas apostando nas suas habilidades físicas, mas também na sua mente afiada. Ela confiava na sua capacidade de ler os sinais, de perceber onde algo tinha ficado para trás, de descobrir o que não era visível aos olhos comuns.

— Ok, faça o que quiser. Mas vou comunicar aos superiores. Caso aconteça algo, não quero lidar com a situação sozinho. — Antony bufou, frustrado, mas resignado. Ele sabia que não conseguiria mudar a decisão de Maria.

— Você é medroso. — Maria riu, um som seco e sem humor. -O que tem demais em derrotar um simples vampiro? -Ela falou isso com um tom irônico, enquanto Antony sentia sua espinha arrepiar apenas em citar as palavras. Ele sabia que os vampiros eram uma das criaturas mais perigosas, quase mitológicas, e que estavam praticamente extintos. Mas o fato de um ter surgido em Londres, na mesma cidade onde o Instituto mantinha sua sede, era algo que mexia com a ordem natural das coisas.

Vampiros eram uma das criaturas mais raras e poderosas do mundo sobrenatural. Sua força, velocidade e inteligência os tornavam imbatíveis para os caçadores mais experientes. Embora a maioria dos vampiros tivesse sido erradicada ao longo dos séculos, aqueles que restaram eram conhecidos por sua astúcia e habilidade em se esconder. Fazia quase meio século desde que o último vampiro apareceu em Londres, e esse, aparentemente, surgiu justamente na ronda dos novatos. O que isso significava? Algo grande estava por trás de tudo isso. Maria sabia que esse era um desafio como nenhum outro, mas para ela, isso só tornava a missão mais emocionante.

Maria, segurando sua bolsa e seu chicote, assobiou. O som cortou a noite, e logo seu tigre de caça, Bartise, se posicionou ao seu lado. A besta enorme, com pelagem cinza e olhos ferozes, parecia quase parte de seu corpo. Maria e Bartise formavam uma dupla letal. Ali, com sua habilidade afiada, suas armas e seu imenso companheiro, ela estava pronta para enfrentar qualquer obstáculo que cruzasse seu caminho. Sua confiança era inabalável. A caçada estava prestes a começar, e ela estava mais do que pronta para ir atrás da sua presa.

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