Hoje, doismeses depois...
O divórcio saiu há poucas semanas. Agora a casa respira silêncio; só eu e a Alice.
No começo, foi estranho. Um espaço vazio na mesa, outro no sofá. A toalha dele que não some mais do banheiro. Mas com o tempo o corpo acostuma. A mente também; ou finge.
Alice ficou do meu lado desde o primeiro instante. A decepção com o pai foi imediata, feroz. Ela ainda fala com ele às vezes, por obrigação, mas o olhar muda de tom toda vez que o nome dele aparece. Eu entendo. Ela tem dezesseis anos, mas já conhece a dor das rachaduras.
Hoje é o primeiro dia de aula dela e o meu retorno à universidade.
Acordo uma hora antes. O despertador toca e ecoa pelo quarto, mas aposto que Alice ainda dorme como se o mundo estivesse em pausa.
Tomo banho, escovo os dentes, visto uma calça social preta e uma blusa leve, prendo o cabelo num coque rápido. Na cozinha, o cheiro do café se mistura ao som distante dos passarinhos e ao vazio que ele deixou.
Por mais que eu tente ser racional, ainda sinto falta.
Falta do barulho dele pela manhã, da xícara esquecida na pia, do toque distraído no meu ombro antes de sair. São detalhes, mas são esses detalhes que costuram os dias.
Não sei se ainda o amo; talvez só me falte o costume da ausência. Mas pensar nele ainda dói, e essa dor insiste em aparecer nas horas mais banais.
Subo as escadas com uma caneca de café na mão. No quarto de Alice, o despertador toca estridente ao lado da cabeça dela, e ela dorme como se não houvesse som algum.
Desligo o aparelho e me aproximo, encostando de leve no ombro da menina.
— Alice, filha… acorda.
— Hm… mãe… — ela resmunga, sem abrir os olhos.
— Como você consegue não ouvir o despertador nessa altura, hein?
— Ele tocou? — pergunta, a voz rouca de sono.
— Tocou! Vamos, levanta, toma café. É o primeiro dia, não vai se atrasar!
— Tá…
Ela se senta na cama devagar, os cabelos bagunçados, o rosto ainda meio escondido entre as mãos.
— Bom dia, filha.
— Bom dia, mãe. Você vai me levar?
— Vou sim. Se arruma e desce pra tomar café, tá? Eu não posso me atrasar também.
— Tá bom, já vou.
Dou um beijo na testa dela e deixo o quarto.
Pego minha bolsa e o computador, volto pra cozinha e reviso uns arquivos enquanto espero. Quase meia hora depois, Alice desce, já desperta e com o uniforme arrumado.
— Pronta?
— Pronta!
Tomamos café juntas, e depois seguimos pro carro.
— Mãe, dá pra pegar a Bárbara e o Jonathan? Eles estão esperando lá na casa dela. Falei que íamos juntos.
— Tá bem, pegamos os dois.
Bárbara e Jonathan são inseparáveis dela desde o oitavo ano; uma trindade barulhenta e doce. Agora, começando o ensino médio, parecem adultos de mentira, cheios de sonhos e playlists.
Paramos em frente à casa de Bárbara. Os dois já esperam na calçada, mochilas nas costas e sorrisos largos.
Jonathan, 17 anos( amigo de Alice)
Bárbara, 16 anos( Amiga de Alice)
— Oi, tia! — gritam em coro.
— Oi, meus queridos! Ansiosos?
— Um pouco! Primeiro dia, né...
— Imagino! Entrem logo, vamos antes que o trânsito acorde.
Assim que entram, Jonathan se inclina pra frente, animado.
— Coloca uma música, tia Madison!
— Já falei pra vocês que ela não gosta que chamem de tia — brinca Alice.
— Ah, mas de vocês eu gosto — digo rindo. — Me acostumei! Vai, DJ, o que quer ouvir hoje?
— Katy Perry, claro! “The Part of Me”! E se puder, aumenta o volume!
— Pedido aceito!
A voz da Katy invade o carro, e logo os três começam a cantar, desafinados e felizes. Eu me junto a eles, batendo os dedos no volante, sentindo o ar leve.
Por alguns minutos, esqueço tudo. Só existe aquele refrão e o riso da minha filha.
Quando estaciono em frente à escola, eles ainda cantam.
— Chegamos, jovens estrelas!
— Obrigada, mãe. — Alice se inclina e me dá um beijo rápido.
— Valeu, tia! — dizem os dois rindo.
— Boa aula, meus amores!
Dou um último sorriso, observo-os correrem até o portão e sigo direto pra universidade, ainda com a música repetindo.
Katy Perry cantando sobre recomeços. E eu, tentando acreditar que o meu também começou.
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...ADRIAN:...
Faz um mês que me mudei pra cá. Nova cidade, novas pessoas, o mesmo vazio.
Moro com meu pai adotivo, Vicente; o homem que me tirou do orfanato quando eu tinha sete anos. Nunca conheci meus pais biológicos; minha mãe era dependente química, meu pai, um mistério que ninguém quis resolver. Vicente sempre fez de tudo pra preencher esse espaço, e, de certa forma, conseguiu. Hoje ele é casado com a Juliana, médica, paciente, bonita, um equilíbrio ambulante pro caos dele; e o meu.
É o meu primeiro dia na universidade nova. Segundo ano. Pra ser honesto, eu nem queria estar aqui. Estudo por ele, pra dar orgulho. Vicente sempre repetiu que eu tinha “um potencial enorme”, e que “um diploma abriria todas as portas”. Eu só queria abrir as minhas próprias, no meu tempo.
O despertador toca e eu levanto na primeira badalada. Banho rápido, roupa jeans, jaqueta preta. Desço pro café e encontro os dois já na mesa.
Vicente, 43 anos( Pai adotivo de Adrian)
Juliana, 42 anos( Madrasta de Adrian)
— Bom dia, filho.
— Bom dia, pai. Bom dia, Juliana.
— Bom dia, querido. Come alguma coisa, não vai querer passar o dia só com café.
Sento e tomo um gole, fingindo fome. A rotina deles é calma, quase ensaiada; ele lendo o jornal, ela mexendo no celular, os dois trocando sorrisos mornos.
Depois, saímos. Cada um pro seu caminho. Pego o carro, coloco uma playlist qualquer e enfrento o trânsito infernal. Claro que chego atrasado.
Corro pelos corredores da universidade, procurando a sala. Quando finalmente acho, bato à porta; e ela se abre.
Por um segundo, o mundo se apaga.
A mulher que me encara tem olhos intensos e uma postura serena. Cabelos presos, expressão firme. Linda pra cacete. Deve ser a professora.
— Desculpe, cheguei um pouco atrasado. O trânsito tava impossível.
— Tudo bem — responde ela, com a voz calma e segura. — Entre, escolha um lugar pra se sentar.
Entro. Sento logo na frente. O perfume dela ainda flutua no ar, doce e discreto.
— Bom, todos já se apresentaram. Você, o rapaz que chegou atrasado; pode se levantar e dizer seu nome e idade?
Levanto, ajustando a mochila no ombro.
— Adrian. Tenho vinte e dois anos.
— Prazer, Adrian. Sou a professora Madison, e vou orientar vocês em Ciências da Natureza e suas Tecnologias.
Ela fala com convicção. O tipo de mulher que segura uma sala só com o olhar.
A aula começa; eu não entendo nada do que ela diz e, pra ser sincero, nem quero. Estou ocupado demais observando o jeito que os lábios dela se movem, o brilho discreto nos olhos, a voz que parece feita pra me distrair. Mulher madura. Trinta e poucos, talvez. Do jeito que eu gosto.
Tô vendo que essa professora vai ser o meu novo problema.
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Atualizado até capítulo 68
Comments
!!Nakysun!!
Ôh autora,é sério que tu colocou inteligência artificial???Não tinha uma pessoa em espécie humana não?🤣🤣🤣
2025-10-26
0
Vanessa Costa
ele estuda o que? não entendi, ele está na universidade com uma das áreas do Enem.
2025-03-06
3
Isabel Esteves Lima
O aluno que se apaixona pela professora interessante leitura.
2024-08-21
5