Jogos Do Coração
A noite avança, já são quase meia-noite e meu sono foge de mim. Meu quarto está totalmente no escuro, assim como meus próprios pensamentos.
O volume máximo dos fones de ouvido estoura meus tímpanos, numa tentativa desesperada de abafar os ruídos que ecoam do quarto ao lado.
A escolha da música foi um terrível equívoco, apenas acentuando meu sofrimento. Pulo para a próxima faixa, que é ainda mais deprimente. Que belo feito, montei uma playlist para trilhar os caminhos da minha angústia. Realmente, devo ser uma grande idiota.
Removo os fones e atiro o celular em um canto da cama, caminhando apressadamente até a sacada do meu quarto. Fecho a porta e permito-me respirar a brisa noturna. A cidade se ilumina com as luzes dos postes, e ao longe, latidos de cachorro alcançam meus ouvidos.
Meus olhos se voltam para o céu, onde a lua cheia captura minha atenção. Ela está belíssima, maravilhosa e perfeita. Oferece a todos um espetáculo encantador.
As estrelas, a lua, o céu me acalmam, mesmo com todo o caos, todas as dúvidas, medos, receios e arrependimentos. Ainda assim, consigo ter um breve momento de paz.
Sorrio diante dessa imagem radiante. Funciona como válvula de escape, é como se desse para escapar, pelo menos por um momento, da minha tosca realidade.
Levo as mãos ao rosto, meus dedos escorregam pela testa, pressionando as têmporas, tentando conter uma dor crescente.
Meus olhos cansados e ardendo se fecharam sob a pressão das minhas palmas. Um suspiro profundo escapou dos meus lábios, carregado de uma mistura de exaustão e frustração. Enquanto me sinto vazia e perdida.
Volto para o quarto e agradeço aos céus pelo silêncio que enfim se instala. Ninguém merece ouvir o irmão mais velho em seus momentos íntimos.
Deito na cama com uma esperança tênue de que finalmente vou conseguir dormir, mas, quando fecho os olhos, meu estômago ronca em protesto.
Deixando claro que eu não deveria ter recusado o jantar. Afinal, que mal teria em jantar com eles?
Claro, jantar com meu irmão, enquanto ele e sua namorada trocam beijos furtivos como um casal apaixonado, compartilhando confidências e carícias. Certamente, isso não seria uma boa ideia.
Primeiro, provavelmente teria uma indigestão. E, em segundo lugar, seria uma tortura. Sim, eu sei, nunca é uma boa ideia se apaixonar por alguém que já tem alguém.
E é uma ideia ainda pior se apaixonar pela namorada do seu irmão mais velho.
Falando assim, posso parecer uma pessoa terrível, sem escrúpulos, uma canalha. Afinal, quem em sã consciência nutriria sentimentos por alguém que jamais corresponderá a eles?
Em minha defesa, me apaixonei por Júlia antes mesmo de ela conhecer Ricardo. Na verdade, Ricardo só a conheceu porque essa idiota aqui os apresentou.
Sou apaixonada por Júlia desde o 9º ano. Ela era nova na escola, tinha acabado de se mudar. Nos esbarramos no corredor. Eu, como sempre, estava atrasada, pois minha relação com o despertador não é das melhores. Enfim, eu estava correndo pelo corredor, mesmo sabendo que não deveria. Acabei colidindo com uma garota ruiva, de olhos verdes e algumas sardas no rosto. O impacto foi suficiente para nos derrubar no chão.
A garota me xingou muito, mas a única coisa que prestei atenção foi que, mesmo após a queda, seus cachos ruivos se mantiveram perfeitamente moldados. E, mais do que isso, seus lábios pareciam incrivelmente convidativos.
Enquanto ela me xingava, tudo o que eu pensava era em como seria bom beijá-los. Quando ela finalmente parou de me xingar, me ofereci para ajudá-la a encontrar sua sala.
Curiosamente, era a mesma que a minha. Para evitar uma bronca da professora, inventei que estava mostrando o colégio para a novata, a pedido da coordenadora. A garota me lançou um olhar furioso e, durante o intervalo, apareceu na minha frente e me fez passar todo o recreio mostrando o colégio para ela. Naquela época, ainda não sabia como lidar com meus sentimentos, estava na fase de autodescoberta.
Pensei que aquele friozinho na barriga fosse apenas nervosismo, mas, quanto mais o tempo passava, mais esse sentimento me apavorava. No segundo ano, planejei minha incrível festa de aniversário, que seria o momento perfeito para me declarar para Júlia.
Porém, durante a festa, ela desapareceu e, como a idiota que sou, decidi procurá-la. A encontrei no corredor, bem em frente ao meu quarto, aos beijos com meu irmão. Foi a primeira vez que chorei por causa deles, mas definitivamente não seria a última.
Balanço a cabeça, afastando essas dolorosas lembranças, e desço até a cozinha. Já estava de madrugada e a cozinha estava imersa em uma quietude quase reconfortante. Acendo apenas a lâmpada da cozinha, abro a geladeira em busca de algo rápido para preparar. Por sorte, encontrei diversos ingredientes que posso usar no meu sanduíche. Pego tudo o que preciso, além de uma latinha de cerveja.
Aquele silêncio reconfortante foi quebrado apenas pelo som suave da cerveja sendo aberta e o sutil farfalhar dos ingredientes enquanto eu preparava meu sanduíche.
Meus movimentos eram quase mecânicos, numa tentativa de acalmar aquela inquietação que habitava meu peito. Cada passo e cada gesto tinham um propósito, uma rotina que ajudava a manter os pensamentos sombrios à distância.
Enquanto estava finalizando meu sanduíche, a luz do corredor se acende e ouço passos e risadas se aproximando. Meu coração dispara instantaneamente. Os sons ficam cada vez mais próximos, reconheço instantaneamente a voz do meu irmão, e a voz melodiosa da namorada dele, Júlia.
Minhas mãos, antes firmes, agora tremem levemente, e uma leve sensação de desconforto em meu estômago me deixa em alerta. Reviro os olhos e tomo um gole generoso da cerveja, que desce queimando minha garganta. Uma sensação de calor sobe pelo meu pescoço até as bochechas, misturando-se ao frio do medo que aperta meu estômago.
Respiro fundo, tentando manter a calma, mas é impossível ignorar a mistura de nervosismo e receio que se instala em mim. Olho para a porta da cozinha, meu corpo tenso, esperando que eles passem direto. Mas os passos diminuem o ritmo e a sombra das figuras se aproxima cada vez mais.
Minha mente se divide entre o desejo secreto e a culpa esmagadora. Sei que meu irmão é apaixonado por Júlia, e o pensamento de nutrir sentimentos por ela me faz me sentir pior.
Quando eles finalmente entram na cozinha, seguro a respiração e, por um momento, tudo parece parar. Júlia sorri ao me ver, aquele sorriso que sempre derretia minhas defesas e me deixava desconcertada.
Meu irmão está abraçado ao corpo da Júlia com as mãos em volta da cintura dela de forma possessiva. Meu irmão está vestindo apenas uma calça de moletom, sem camisa, exibindo seu corpo atlético. A blusa que, imagino, compor seu conjunto está no corpo da ruiva, que o abraça. A blusa parece um vestido, de tão comprida que está em seu corpo. Tenho certeza de que uma das minhas blusas se encaixaria bem melhor no corpo dela. Engulo em seco e balanço a cabeça levemente, tentando afastar aqueles malditos pensamentos.
Tento focar no sanduíche, mas meus dedos ficam desajeitados, deixando cair uma fatia de queijo no chão.
Graças ao meu descuido, tenho dois pares de olhos me encarando de forma curiosa, o que faz minhas bochechas esquentarem imediatamente. Abaixo a cabeça e seguro a latinha de cerveja.
Dou mais um gole na cerveja e tento encontrar um ponto de equilíbrio.
— Você não deveria beber tanto assim. Nesse ritmo você vai acabar se tornando uma alcoólatra — Ricardo falou, e eu respiro profundamente.
Que bom , assim terei uma desculpa para as minhas decisões ruins.
Pensei, mas não tive coragem de expressar os meus pensamentos em voz alta.
— Ric, tem mais cerveja na geladeira. Se você quiser, é só pedir — falei, mordendo meu sanduíche.
— Eu dispenso a cerveja, mas, se você puder fazer um sanduíche pra mim e outro pra Júlia, agradeço. Estou cheio de fome — Ricardo falou, sorrindo de forma cúmplice para a ruiva, que abaixou a cabeça e mordeu os lábios inferiores. Não sei dizer se ela estava envergonhada ou se estava se lembrando do que aconteceu naquele maldito quarto.
— Não se preocupe, Bianca. Eu faço o nosso sanduíche — Júlia falou, se afastando do meu irmão e se aproximando da bancada onde eu estava.
Enquanto ela se aproximava de mim para pegar os ingredientes, pude sentir o cheiro do aroma pós-banho e me segurei o máximo possível para não olhar pra ela. Foquei o olhar no meu irmão, enquanto ele mexia distraidamente no celular.
— Vou ver se tá passando algo de bom na TV. Quando o sanduíche estiver pronto, me chama, por favor — Ricardo disse, e Júlia concordou, meneando a cabeça.
Ricardo deu a volta na bancada e se aproximou de Júlia com aquele sorriso de sempre. Meus olhos, quase contra a minha vontade, se voltaram para eles, acompanhando cada movimento.
Ele envolveu Júlia em um abraço que parecia tão natural e aconchegante. Meu coração apertou, e uma sensação de vazio tomou conta do meu peito. Antes que pudesse desviar o olhar, vi Ricardo se inclinar para frente e, em um gesto que parecia ensaiado e perfeito, beijar Júlia.
O beijo foi lento e cheio de ternura. Meus dedos, apertando a borda da bancada, ficaram brancos de tanto esforço. Era como se todo o ar tivesse sido sugado da sala.
A cena era uma tortura, um lembrete cruel do que eu jamais poderia ter. Cada segundo daquele beijo parecia um golpe direto e certeiro ao meu coração.
Aquela cena me fazia sentir invisível, uma mera espectadora de um mundo, de uma felicidade que nunca seria minha.
A culpa se misturava à frustração, criando um nó de emoções indigestas. Sabia que não deveria sentir isso, mas o ciúme queimava como ácido.
Queria sair correndo dali, mas meus pés estavam plantados no chão. Tudo o que consegui fazer foi respirar profundamente, tentando manter a fachada intacta enquanto meu mundo desmoronava.
Quando eles se separaram, Júlia lançou um olhar carinhoso para Ricardo e, depois, casualmente, para mim.
Meu sorriso forçado doía mais do que qualquer outra coisa.
Agradeci internamente quando meu irmão finalmente se afastou de Júlia e, quando ele passou por mim, deixou um leve aperto em meu ombro e um sorriso gentil. Isso foi o suficiente para me deixar péssima.
A que ponto eu cheguei!
Ele saiu da cozinha, e meu olhar acompanhou cada movimento dele até ele sumir pelo corredor.
— Tá tudo bem? — Júlia questionou, colocando a mão esquerda levemente sobre meu braço. A mão dela estava gelada, e isso fez com que eu sentisse um arrepio suave.
Abaixei meu olhar, olhando para onde a mão dela estava, e ela também acompanhou meu movimento. Quando percebeu para onde eu olhava, rapidamente tirou a mão do meu braço de um jeito apressado. Ela levou as mãos ao cabelo, ajeitando algumas mechas. Ela parecia envergonhada.
— Tá tudo ótimo — respondi sem muito bom humor e ergui a latinha de cerveja na intenção de beber mais um pouco, mas Júlia tomou a cerveja da minha mão e, por um breve momento, nossos dedos se tocaram. Eu permiti que ela pegasse minha cerveja.
— Ah, Júlia... — protestei, mas me calei quando ela levou a latinha até os lábios entreabertos e bebeu um pouco da cerveja.
— Obrigada — disse, devolvendo a latinha, que, a essas alturas, estava praticamente vazia. — Eu estava com sede — acrescentou e piscou para mim, me oferecendo um breve sorriso.
Bebi o resto da cerveja, joguei a latinha no lixo, peguei meu sanduíche e subi de volta para o meu quarto, me sentindo ainda mais idiota por coisas tão bobas quanto essas me desestabilizarem.
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Atualizado até capítulo 96
Comments
rihanna 👞
ela fala cm se tivesse morrendo vey... tô até sentindo a sensação e oq ela está sentindo os seus sentimentos
2024-10-21
1
desocupad-
Início: sexta, 27 de Setembro de 2024 -38°/°
2024-09-28
0
Marcela Rodrigues
a gata ainda bebeu o resto, QUE NOJO o irmão dela acabou de beijar, que nojooooooooo
2024-09-19
0