Após terminar o banho, me sentei na cama e fiquei olhando o moletom que o senhor Ramon havia me emprestado para dormir. Senti um misto de vergonha e desconforto, mas sabia que não podia vestir minha roupa suja, e ficar de roupão a noite toda não era uma opção. Sem mais enrolação, vesti o moletom. Ficou enorme em mim, mas era melhor do que nada.
Fui tomar a sopa. O sabor estava delicioso, e me pegou de surpresa a lembrança da minha mãe, que sempre fazia sopa. Ela adorava, e em meio às lágrimas, continuei tomando, sentindo a mistura do caldo quente com as lágrimas que escorriam pelo meu rosto.
Quando terminei, decidi pegar minhas roupas sujas para lavá-las e poder usá-las no dia seguinte, quando fosse embora. Desci as escadas em passos leves, fui até a cozinha para deixar a tigela na pia, e depois segui em busca da lavanderia para colocar as roupas na máquina.
Ao entrar na cozinha, tomei um susto ao ver Ramon sentado, comendo sorvete direto do pote. Ele me olhou e sorriu, um sorriso gentil que me fez hesitar por um segundo. Ele se levantou e veio na minha direção, pegou a tigela da minha mão e fez menção de pegar também as roupas. No entanto, eu as agarrei com firmeza, sem querer passar por mais constrangimento.
— Senhor... Ramon, pode deixar que eu mesma coloco minha roupa para lavar — tentei falar de maneira firme, mas a timidez estava evidente na minha voz.
— Não, pode ficar aí. Eu mesmo faço — ele respondeu com tranquilidade, puxando as roupas de minhas mãos.
No momento em que ele puxou, algumas peças caíram no chão, e eu me abaixei rapidamente para pegar. Ele fez o mesmo, e nossos olhares se cruzaram por um breve instante.
— Não, eu insisto. Deixa que eu faço — falei, agora mais aflita, me levantando de imediato.
— Por que não quer que eu leve suas roupas? — ele perguntou, com uma curiosidade genuína.
Senti que não tinha escolha. Suspirei profundamente antes de responder.
— Minhas roupas íntimas... Tenho vergonha — confessei, tentando não parecer ainda mais constrangida.
Foi quando ele se levantou, segurando meu conjunto de renda preto. Quis desaparecer naquele momento.
— Esse conjunto aqui? — ele provocou, com um sorriso nos lábios.
Meu corpo ficou tenso quando ele se aproximou, seus passos lentos e seguros. Ele ergueu minha cabeça gentilmente ao segurar meu queixo, me obrigando a encará-lo. Meu coração disparou.
— Não precisa ter vergonha de mim — ele sussurrou, com um tom suave que me deixou ainda mais nervosa.
O olhar dele desceu até minha boca, e, sem aviso, ele passou o dedo suavemente no canto dos meus lábios. No instante em que senti seu toque, fechei os olhos, tentando conter o turbilhão de sensações que tomava conta de mim.
— Tinha um restinho de caldo no cantinho da sua boca — ele disse com um leve sorriso. Senti meu coração acelerar tanto que parecia que ia saltar do peito.
Fico ali parada, sem reação. Ele tira as roupas das minhas mãos e me dá um beijo suave no rosto antes de sair da cozinha.
— Vai descansar ou prefere que eu te coloque para dormir? — diz ele, num tom de brincadeira. Viro-me e tenho a visão de suas costas, os músculos visivelmente desenhados por baixo do tecido fino da camisa.
A passos largos, volto para o quarto e me enfio debaixo do cobertor. No silêncio, sozinha, as lembranças da minha mãezinha me invadem. Não sei se essa dor tem prazo de validade, se a gente se acostuma a conviver com ela. Fazem apenas algumas horas que enterrei um pedaço do meu coração. Nunca imaginei passar por um momento assim, sentir uma dor tão profunda que parece rasgar o peito.
Viro de um lado para o outro, mas o sono não vem. Simplesmente, minhas lágrimas parecem ter secado. A dor é imensa, mas elas estão presas, o que é ainda pior. Sinto-me sufocada. Então, uma música melancólica começa a ecoar pela casa, de algum modo acalmando meu espírito inquieto. Levanto-me da cama e sigo o som, sem realmente pensar, apenas querendo fugir do aperto no peito. Olho o relógio na parede; já passa das três horas da manhã.
Desço as escadas, e o som se torna mais presente, como se fosse uma chamada irresistível. Quando chego à sala, vejo o Sr. Ramon tocando piano. Um copo de uísque repousa sobre o instrumento, e seus dedos deslizam pelas teclas pretas e brancas, como se estivessem dançando. O piano de madeira parece brilhar sob a pouca luz, tornando a cena ainda mais melancólica e íntima.
Paro ao pé da escada, observando-o por alguns instantes, enquanto a música penetra no meu coração de uma maneira que palavras nunca conseguiriam. A melodia carrega uma tristeza silenciosa, que ressoa com a minha própria dor. Eu me aproximo devagar, hesitante, sem querer quebrar o momento, mas precisando sentir essa conexão.
Ele percebe minha presença, sem desviar os olhos das teclas.
— Não consegue dormir? — pergunta, com a voz rouca, ainda envolta na música.
— Não... — sussurro, abraçando a mim mesma. — E você?
Ele suspira, seus dedos nunca deixando de tocar. — O sono me abandonou há muito tempo. Só a música me faz companhia.
Dou mais alguns passos até ficar ao lado do piano, minhas mãos tocando levemente a madeira. O som das teclas parece preencher o vazio dentro de mim, como se as notas pudessem falar o que eu não consigo expressar.
— Essa dor... — minha voz falha. — Ela nunca vai embora, vai?
Ele para de tocar por um momento. Suas mãos repousam nas teclas, e ele finalmente levanta o olhar para mim. Seus olhos cansados, porém compreensivos, encontram os meus. Há uma tristeza profunda ali, uma dor semelhante à minha.
— Não — responde ele, com um sorriso triste. — Mas com o tempo, ela muda. Não desaparece, mas aprendemos a carregá-la. Como uma cicatriz.
Me sento ao lado do piano, refletindo sobre suas palavras. Elas fazem sentido, mas ainda parece impossível imaginar uma vida em que essa dor não me esmague. Ele volta a tocar, uma melodia mais suave agora, e por um breve instante, o som me acalma. Faz-me sentir menos sozinha.
— Minha mãe amava música — murmuro, a lembrança dela aquecendo meu coração, apesar da dor. — Ela dizia que algumas melodias podiam curar o coração.
Sr. Ramon não responde de imediato, mas sinto que ele entende. As notas continuam a fluir, como uma conversa silenciosa entre nós. Talvez essa música seja para mim. Talvez seja para ela.
Fico ali, envolta no som do piano, deixando a melodia fazer o que as palavras não conseguem: preencher o vazio, lembrar-me que, apesar da dor, a vida continua. Mesmo que seja apenas em momentos pequenos e belos, como este.
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Atualizado até capítulo 49
Comments
Fatima Maria
É UMA DOR SÓ QUEM JÁ PASSOU SENTE ISSO. É COMO UMA CICATRIZ QUE VOCÊ NÃO PODE TIRAR MAIS. ATÉ HOJE EU ME LEMBRO DE MEUS PAIS E PRINCIPALMENTE DA MINHA MÃE. E MUITAS DAS VEZES ME PEGO LEMBRANDO DO SEUS CONSELHOS E EU DIGO PORQUE EU NÃO ESCUTEI.
2025-02-20
7
Angela
a dor vai virando saudade...
uma saudade que dói por sabermos que vai demorar para reencontrar uma mãe preciosa ❤️
é Fátima você tá certa...
só consegue compreender quem sente falta da mãe que se foi...
🥰🙏🏼🥰
2025-03-04
0
Maria Aparecida Gonçalves da Silva
Hoje essa dor se acalma quando as recordações de alguns momentos nós fazem sorrir e a dor deixa de ser tristeza para se tornar saudades
2025-03-02
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