Cap 10 : Som Que Acalma

Após terminar o banho, me sentei na cama e fiquei olhando o moletom que o senhor Ramon havia me emprestado para dormir. Senti um misto de vergonha e desconforto, mas sabia que não podia vestir minha roupa suja, e ficar de roupão a noite toda não era uma opção. Sem mais enrolação, vesti o moletom. Ficou enorme em mim, mas era melhor do que nada.

Fui tomar a sopa. O sabor estava delicioso, e me pegou de surpresa a lembrança da minha mãe, que sempre fazia sopa. Ela adorava, e em meio às lágrimas, continuei tomando, sentindo a mistura do caldo quente com as lágrimas que escorriam pelo meu rosto.

Quando terminei, decidi pegar minhas roupas sujas para lavá-las e poder usá-las no dia seguinte, quando fosse embora. Desci as escadas em passos leves, fui até a cozinha para deixar a tigela na pia, e depois segui em busca da lavanderia para colocar as roupas na máquina.

Ao entrar na cozinha, tomei um susto ao ver Ramon sentado, comendo sorvete direto do pote. Ele me olhou e sorriu, um sorriso gentil que me fez hesitar por um segundo. Ele se levantou e veio na minha direção, pegou a tigela da minha mão e fez menção de pegar também as roupas. No entanto, eu as agarrei com firmeza, sem querer passar por mais constrangimento.

— Senhor... Ramon, pode deixar que eu mesma coloco minha roupa para lavar — tentei falar de maneira firme, mas a timidez estava evidente na minha voz.

— Não, pode ficar aí. Eu mesmo faço — ele respondeu com tranquilidade, puxando as roupas de minhas mãos.

No momento em que ele puxou, algumas peças caíram no chão, e eu me abaixei rapidamente para pegar. Ele fez o mesmo, e nossos olhares se cruzaram por um breve instante.

— Não, eu insisto. Deixa que eu faço — falei, agora mais aflita, me levantando de imediato.

— Por que não quer que eu leve suas roupas? — ele perguntou, com uma curiosidade genuína.

Senti que não tinha escolha. Suspirei profundamente antes de responder.

— Minhas roupas íntimas... Tenho vergonha — confessei, tentando não parecer ainda mais constrangida.

Foi quando ele se levantou, segurando meu conjunto de renda preto. Quis desaparecer naquele momento.

— Esse conjunto aqui? — ele provocou, com um sorriso nos lábios.

Meu corpo ficou tenso quando ele se aproximou, seus passos lentos e seguros. Ele ergueu minha cabeça gentilmente ao segurar meu queixo, me obrigando a encará-lo. Meu coração disparou.

— Não precisa ter vergonha de mim — ele sussurrou, com um tom suave que me deixou ainda mais nervosa.

O olhar dele desceu até minha boca, e, sem aviso, ele passou o dedo suavemente no canto dos meus lábios. No instante em que senti seu toque, fechei os olhos, tentando conter o turbilhão de sensações que tomava conta de mim.

— Tinha um restinho de caldo no cantinho da sua boca — ele disse com um leve sorriso. Senti meu coração acelerar tanto que parecia que ia saltar do peito.

Fico ali parada, sem reação. Ele tira as roupas das minhas mãos e me dá um beijo suave no rosto antes de sair da cozinha.

— Vai descansar ou prefere que eu te coloque para dormir? — diz ele, num tom de brincadeira. Viro-me e tenho a visão de suas costas, os músculos visivelmente desenhados por baixo do tecido fino da camisa.

A passos largos, volto para o quarto e me enfio debaixo do cobertor. No silêncio, sozinha, as lembranças da minha mãezinha me invadem. Não sei se essa dor tem prazo de validade, se a gente se acostuma a conviver com ela. Fazem apenas algumas horas que enterrei um pedaço do meu coração. Nunca imaginei passar por um momento assim, sentir uma dor tão profunda que parece rasgar o peito.

Viro de um lado para o outro, mas o sono não vem. Simplesmente, minhas lágrimas parecem ter secado. A dor é imensa, mas elas estão presas, o que é ainda pior. Sinto-me sufocada. Então, uma música melancólica começa a ecoar pela casa, de algum modo acalmando meu espírito inquieto. Levanto-me da cama e sigo o som, sem realmente pensar, apenas querendo fugir do aperto no peito. Olho o relógio na parede; já passa das três horas da manhã.

Desço as escadas, e o som se torna mais presente, como se fosse uma chamada irresistível. Quando chego à sala, vejo o Sr. Ramon tocando piano. Um copo de uísque repousa sobre o instrumento, e seus dedos deslizam pelas teclas pretas e brancas, como se estivessem dançando. O piano de madeira parece brilhar sob a pouca luz, tornando a cena ainda mais melancólica e íntima.

Paro ao pé da escada, observando-o por alguns instantes, enquanto a música penetra no meu coração de uma maneira que palavras nunca conseguiriam. A melodia carrega uma tristeza silenciosa, que ressoa com a minha própria dor. Eu me aproximo devagar, hesitante, sem querer quebrar o momento, mas precisando sentir essa conexão.

Ele percebe minha presença, sem desviar os olhos das teclas.

— Não consegue dormir? — pergunta, com a voz rouca, ainda envolta na música.

— Não... — sussurro, abraçando a mim mesma. — E você?

Ele suspira, seus dedos nunca deixando de tocar. — O sono me abandonou há muito tempo. Só a música me faz companhia.

Dou mais alguns passos até ficar ao lado do piano, minhas mãos tocando levemente a madeira. O som das teclas parece preencher o vazio dentro de mim, como se as notas pudessem falar o que eu não consigo expressar.

— Essa dor... — minha voz falha. — Ela nunca vai embora, vai?

Ele para de tocar por um momento. Suas mãos repousam nas teclas, e ele finalmente levanta o olhar para mim. Seus olhos cansados, porém compreensivos, encontram os meus. Há uma tristeza profunda ali, uma dor semelhante à minha.

— Não — responde ele, com um sorriso triste. — Mas com o tempo, ela muda. Não desaparece, mas aprendemos a carregá-la. Como uma cicatriz.

Me sento ao lado do piano, refletindo sobre suas palavras. Elas fazem sentido, mas ainda parece impossível imaginar uma vida em que essa dor não me esmague. Ele volta a tocar, uma melodia mais suave agora, e por um breve instante, o som me acalma. Faz-me sentir menos sozinha.

— Minha mãe amava música — murmuro, a lembrança dela aquecendo meu coração, apesar da dor. — Ela dizia que algumas melodias podiam curar o coração.

Sr. Ramon não responde de imediato, mas sinto que ele entende. As notas continuam a fluir, como uma conversa silenciosa entre nós. Talvez essa música seja para mim. Talvez seja para ela.

Fico ali, envolta no som do piano, deixando a melodia fazer o que as palavras não conseguem: preencher o vazio, lembrar-me que, apesar da dor, a vida continua. Mesmo que seja apenas em momentos pequenos e belos, como este.

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Comments

Fatima Maria

Fatima Maria

É UMA DOR SÓ QUEM JÁ PASSOU SENTE ISSO. É COMO UMA CICATRIZ QUE VOCÊ NÃO PODE TIRAR MAIS. ATÉ HOJE EU ME LEMBRO DE MEUS PAIS E PRINCIPALMENTE DA MINHA MÃE. E MUITAS DAS VEZES ME PEGO LEMBRANDO DO SEUS CONSELHOS E EU DIGO PORQUE EU NÃO ESCUTEI.

2025-02-20

7

Angela

Angela

a dor vai virando saudade...
uma saudade que dói por sabermos que vai demorar para reencontrar uma mãe preciosa ❤️
é Fátima você tá certa...
só consegue compreender quem sente falta da mãe que se foi...
🥰🙏🏼🥰

2025-03-04

0

Maria Aparecida Gonçalves da Silva

Maria Aparecida Gonçalves da Silva

Hoje essa dor se acalma quando as recordações de alguns momentos nós fazem sorrir e a dor deixa de ser tristeza para se tornar saudades

2025-03-02

0

Ver todos
Capítulos
1 Cap 01 : Um Anjo Entre Demônios
2 Cap 02: Esperança
3 Cap 03: Emoção no Controle
4 Cap 04 : Calcanhar De Aquiles
5 Capítulo 05 Encontro inesperado
6 Cap 06 : A Dor Dela é A Minha
7 Cap 07:Sala de Espera
8 Cap 08: Peso de Uma Má Notícia
9 Cap 09 : Cuidando do Meu Anjo
10 Cap 10 : Som Que Acalma
11 Cap 11 : Tempestade
12 Cap 12: Romântico Incurável
13 Cap 13 : Sou Sua
14 Cap 14: Vou Embora
15 Cap 15 : Senhor Ramon
16 Cap 16 : Revivendo o Passado
17 Cap 17 : Mafioso
18 Cap 18 : A Verdade Dói
19 Cap 19 : Esvaziando-se da Dor
20 Cap 20: Parte 1 Irmãos Martínez
21 Cap 21 : Part 2 Lutando Contra a Morte
22 Cap 22 : Estou de Volta
23 Cap 23: Treinamento e Prazer
24 Cap 24 : Mudando os planos
25 Cap 25 : Reencontro
26 Cap 26 : Blindado
27 Cap 27: Acerto de contas
28 Cap 28 : O Inferno te Espera
29 Cap 29 : Espera Angustiante
30 Cap 30 : Segredo Entre Sogro e Genro
31 Cap 31 : Grávida?
32 Cap 32 : Encontro inesperado
33 Cap 33: Café da Manhã em Família
34 Cap 34 : Confronto com a Verdade
35 Cap 35 : Esconderijo na Fazenda
36 Cap 36 : Despedidas
37 Cap 37 : Momentos de Angustia
38 Cap 38 : Lexis
39 Cap 39 : Atrás do Inimigo
40 Cap 40 : Jogo de Manipulação
41 Cap 41 : Sedução da Morte
42 Cap 42 : Contra-ataque
43 Cap 43 : Festa Da Morte
44 Cap 44: Fogo ardente
45 Cap 45 : Casamento
46 Cap 46: Núpcias com Surpresa
47 Cap 47 : Isabella
48 Epílogo
49 Maravilhosas
Capítulos

Atualizado até capítulo 49

1
Cap 01 : Um Anjo Entre Demônios
2
Cap 02: Esperança
3
Cap 03: Emoção no Controle
4
Cap 04 : Calcanhar De Aquiles
5
Capítulo 05 Encontro inesperado
6
Cap 06 : A Dor Dela é A Minha
7
Cap 07:Sala de Espera
8
Cap 08: Peso de Uma Má Notícia
9
Cap 09 : Cuidando do Meu Anjo
10
Cap 10 : Som Que Acalma
11
Cap 11 : Tempestade
12
Cap 12: Romântico Incurável
13
Cap 13 : Sou Sua
14
Cap 14: Vou Embora
15
Cap 15 : Senhor Ramon
16
Cap 16 : Revivendo o Passado
17
Cap 17 : Mafioso
18
Cap 18 : A Verdade Dói
19
Cap 19 : Esvaziando-se da Dor
20
Cap 20: Parte 1 Irmãos Martínez
21
Cap 21 : Part 2 Lutando Contra a Morte
22
Cap 22 : Estou de Volta
23
Cap 23: Treinamento e Prazer
24
Cap 24 : Mudando os planos
25
Cap 25 : Reencontro
26
Cap 26 : Blindado
27
Cap 27: Acerto de contas
28
Cap 28 : O Inferno te Espera
29
Cap 29 : Espera Angustiante
30
Cap 30 : Segredo Entre Sogro e Genro
31
Cap 31 : Grávida?
32
Cap 32 : Encontro inesperado
33
Cap 33: Café da Manhã em Família
34
Cap 34 : Confronto com a Verdade
35
Cap 35 : Esconderijo na Fazenda
36
Cap 36 : Despedidas
37
Cap 37 : Momentos de Angustia
38
Cap 38 : Lexis
39
Cap 39 : Atrás do Inimigo
40
Cap 40 : Jogo de Manipulação
41
Cap 41 : Sedução da Morte
42
Cap 42 : Contra-ataque
43
Cap 43 : Festa Da Morte
44
Cap 44: Fogo ardente
45
Cap 45 : Casamento
46
Cap 46: Núpcias com Surpresa
47
Cap 47 : Isabella
48
Epílogo
49
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