Por volta das duas e meia da manhã, percebi que Alícia estava lutando contra o sono. Ela tentava manter a cabeça erguida, mas seus olhos pesavam. Com delicadeza, me aproximei e a apoiei em meu ombro. Quando finalmente cedeu ao cansaço, deitei sua cabeça no meu colo. Fiquei ali, em silêncio, admirando cada detalhe do seu rosto—os lábios delicados, os cílios longos e curvados, os cabelos macios, e o perfume suave que parecia envolvê-la.
— Estou perdido — murmurei para mim mesmo, percebendo o quanto estava vulnerável aos sentimentos que essa mulher despertava em mim. Ela, adormecida sobre o meu colo, era tudo o que eu não podia ter, mas tudo o que eu desejava.
Alguns minutos se passaram até que o médico apareceu. Pelo olhar cansado dele, soube imediatamente o que viria. Meu coração acelerou e perguntei baixinho:
— Ela… não resistiu, não é?
Ele balançou a cabeça lentamente, com um olhar triste.
— Infelizmente, não. Fizemos tudo o que podíamos.
— Deixe que eu conto a ela — respondi. Ele assentiu, parecendo aliviado por não ter que carregar o peso de mais essa notícia. O cansaço estava estampado no rosto dele, um reflexo da batalha que ele havia travado pela vida da mãe de Alícia.
Meu peito apertou com a dor antecipada. Sabia o quanto Alícia lutou pela mãe, o quanto se dedicou para lhe dar o melhor tratamento. Agora, tudo havia acabado. Ela não merecia isso, e meu instinto foi protegê-la, ainda que por mais alguns minutos. Decidi deixá-la dormir um pouco mais. Não havia urgência em acordá-la; o sofrimento logo chegaria.
Algum tempo depois, ela despertou. Seus olhos encontraram os meus, e ela se mexeu rapidamente, visivelmente constrangida.
— Eu... dormi no seu colo? Que vergonha... — disse, tentando compor-se.
— Você estava exausta. Não se preocupe, foi só um gesto de cuidado — respondi com um sorriso suave, tentando tranquilizá-la.
— A enfermeira já veio? — perguntou, ansiosa, e eu senti o peso do momento se aproximando.
— Ela já veio? — repetiu, mais firme.
Eu respirei fundo antes de responder.
— Sim, Alícia. Ela veio.
Ela se levantou rapidamente, apressando-se em direção à porta.
— Preciso saber como minha mãe está. Por que ninguém me acordou?
Antes que ela pudesse sair, segurei seu braço delicadamente.
— Alícia... — comecei, sentindo o nó se formar em minha garganta. — Sinto muito, mas sua mãe... ela não resistiu à cirurgia.
Os olhos dela se arregalaram, e o choque a atingiu com força.
— Não... não pode ser... — a voz dela falhou, as lágrimas já começando a escorrer por seu rosto. — Isso é mentira! Minha mãe não pode ter me deixado!
Ela desabou em meus braços, o choro profundo e descontrolado rompendo o silêncio da noite. Apertei-a contra mim, oferecendo o único conforto que podia.
— Chore, meu anjo... vai te ajudar — sussurrei, lembrando da dor que eu mesmo carregava, de quando encontrei meus pais mortos. O sangue, as balas... A cena ainda me atormentava. Eu havia sobrevivido, mas uma parte de mim tinha morrido com eles.
— Quero ver minha mãe — ela pediu entre soluços.
— Logo, Alícia... logo você poderá vê-la. — Minha voz era baixa, tentando acalmá-la.
— Eu estou sozinha agora — ela sussurrou, a dor na voz dela me perfurando. — Minha mãe era tudo para mim. O que vou fazer sem ela?
Eu queria desesperadamente dizer que ela não estava sozinha, que eu estava aqui, que ela sempre teria a mim. Mas sabia que não podia prometer isso. Meu mundo era perigoso demais, e eu jamais a colocaria em risco. Ficar perto dela seria condená-la a um destino que ela não merecia.
Pedi à enfermeira que trouxesse um calmante para Alícia, e com muita dificuldade, consegui convencê-la a tomar.
— Eu quero ver a minha mãe — ela repetia, angustiada.
Segurei seu rosto com delicadeza, tentando passar segurança. Seus olhos, vermelhos e inchados de tanto chorar, me encararam.
— Olha para mim — pedi. — Não pode ver sua mãe agora. Vou te levar para casa e, não se preocupe, cuidarei de tudo. Quando sua mãe estiver devidamente arrumada, você poderá vê-la, tudo bem? — perguntei, e ela, com um leve aceno, concordou.
Entramos no carro, e Alícia se encolheu no banco, chorando sem parar. Aquela cena me destruía por dentro. Quando chegamos ao seu bairro, o dia começava a clarear. Alguns vizinhos, curiosos, se aproximaram para saber o que havia acontecido.
— Minha mãe morreu — Alícia respondeu, quase sem forças.
— Por favor, nos deem licença, ela precisa descansar — pedi, ajudando-a a sair do carro e parando em frente a uma pequena casa.
Assim que entramos, Alícia desabou em lágrimas novamente. Parecia que as lembranças da mãe estavam em cada canto daquele lugar. Logo, ouvi batidas na porta. Ao atender, vi Lucena e Santos. Eles abraçaram Alícia e choraram junto com ela.
— Alícia, preciso de documentos seus e da sua mãe para resolver os trâmites do funeral — falei, tentando ser prático.
— Não precisa, senhor Ramon — ela disse entre lágrimas.
— Não precisa, nós daremos um jeito. Não precisa se incomodar, senhor — Santos acrescentou, e isso me irritou profundamente. Ignorei-o e voltei minha atenção para Alícia.
— Por favor, deixe-me ajudá-la. Não quero que você se preocupe com essas coisas. Deixe-me fazer isso por você — pedi, segurando sua mão com firmeza.
— Ele tem razão, minha filha. Deixe que ele resolva tudo isso. É muito doloroso ter que lidar com esses trâmites — Lucena disse, e imediatamente gostei dela.
— Tudo bem — Alícia concordou, com um suspiro de rendição.
Santos me olhou, claramente incomodado comigo, mas não me importei. O que importava agora era Alícia.
Despedir-me dela foi doloroso; meu coração doía ao deixá-la sozinha. Voltei ao hospital e fiz algumas ligações para adiantar todo o processo. Na funerária, escolhi o caixão mais caro e dei o endereço onde Rosana seria velada. Estava voltando para a casa de Alícia quando Cristóvão me ligou.
— Chefe, até que enfim atendeu! Pensei que tivesse acontecido algo; você desapareceu — ele disparou.
— Vai chorar é? Diga logo o que quer — respondi, impaciente.
— Prenderam nossa carga que estava indo para o Brasil — ele disse, a voz num tom de preocupação.
— Resolva isso. Agora estou ocupado — falei, irritado.
— Eu já tentei. Você vai ter que ligar para o tubarão; só ele para resolver — ele disse, e então percebi que a coisa estava séria.
— Ok! Onde você está? — perguntei.
— Na sua casa — ele respondeu.
— Já chego aí.
Fiz o retorno e fui para casa. Quando cheguei, Cristóvão me encarava enquanto eu caminhava para o meu escritório.
— Onde você estava? — ele perguntou.
— Não que seja da sua conta, mas a mãe da Alícia morreu, e eu estava cuidando dela — respondi, frio.
— Ramon, chefe, fique longe dessa moça. Ela não é para você. O que acha que ela vai fazer quando descobrir que você é um mafioso sem coração? Ela vai fugir, e você vai sofrer. E pode ser ainda pior: seus inimigos podem descobrir e fazer mal a ela. Você quer mesmo arriscar a vida dela? — ele disparou, suas palavras me irritando, mas no fundo, sabia que ele tinha razão. Talvez fosse melhor manter distância e ajudá-la no anonimato.
No meu escritório, sentei na cadeira, o celular em cima da mesa, ligado no viva-voz. A tensão no ar era palpável enquanto eu negociava com o filho da puta do desembargador.
— Vai ficar fazendo manha, porra? — falo irritado, a raiva borbulhando dentro de mim.
— Trinta por cento do lucro da carga ou nada? — insistiu ele do outro lado, a voz desdenhosa.
Minha paciência estava se esgotando, e o tempo corria contra mim.
— Eu não estou pedindo, Tubarão. Estou informando. Se você não me ajudar, isso pode acabar muito mal para nós dois — minha voz ressoava grave e intimidadora, quase como um aviso. Ele ri, como se não se importasse.
— Tudo bem, pela paz entre nós dois, vou aceitar os quinze por cento que você me propôs. Mas um conselho: fique mais calmo, rapaz. Você é jovem demais para morrer de infarto — ele diz, ironicamente, e a vontade que tenho é de atravessar o telefone e pegá-lo pela garganta.
— Você tem uma hora para liberar minha carga — falo, cortando a ligação com um clique seco, a fúria pulsando em minhas veias.
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Atualizado até capítulo 49
Comments
Ana Lúcia De Oliveira
Quantos mafiosos casaram com meninas que não tinham nada a ver com a máfia, e não sabiam que eram mafiosos, e muitas depois de ficarem sabendo viraram até mafiosas, já leram as damas da noite?
2025-02-16
10
Andréa Debossan
Ele ser mafioso é só um detalhe, ela se torna uma mafiosa tbm como em vários livros que lê, eles são ótimas pessoas só acabam com quem não presta
2025-02-23
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Neide Lima
pelo menos Ela vai ver que a mãe não morreu sem antes alguém ajudá-la para salvala , 😢
2025-02-21
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