Nos dias que se seguiram, uma névoa seria povoava os céus de Eclipsis, refletindo a turbulência que se agitava sob os telhados pontiagudos do castelo de pedra. O clima era uma mistura de silêncio abafado e tensão, como se a própria natureza se contorcesse em antecipação aos eventos que se desenrolavam nos salões silenciosos e escuros.
No jardim que circundava o castelo, o orvalho da manhã cintilava sobre as pontas das folhas verdes como lágrimas de prata, enquanto sinistras sombras se moviam ocultas pela bruma matutina. As rosas de inverno, indiferentes às conspirações e doenças dos homens, desabrochavam em manchas de vermelho e branco, uma réstia de beleza entre segredos e venenos.
Dentro das paredes de Eclipsis, Bella caminhava pelo corredor que levava ao seu aposento, a luz suave das tochas lançando um brilho dourado sobre os estandartes ornamentados que pendiam das paredes. Ela havia decidido que a noite seguinte seria o momento para uma pequena reunião secreta com alguns dos outros conselheiros leais ao rei. Se havia traição entre eles, era hora de revelar.
Bella se sentava frente a um pequeno fogo na lareira de pedra de seu quarto, as chamas refletindo nos seus olhos cansados, quando um leve bater na porta a tirou de seus pensamentos sombrios.
“Entre”, disse ela, endireitando-se na cadeira.
Era Sir Carlow, um dos Cavaleiros Guardiões do Rei, cuja lealdade jamais fora questionada.
“Minha senhora”, começou ele, “a atmosfera na corte está… pesada. Há murmúrios que não posso ignorar.”
Bella acenou com a cabeça. “Fale, seremos todos ouvidos esta noite.”
Sir Carlow se aproximou. “Sobre a doença do rei… nem todos acreditam que seja natural. E eles questionam o silêncio da rainha e de Lord Alistair.”
Bella suspirou profundamente. “Nem eu, Carlow. Nem eu.”
Enquanto isso, em seus aposentos luxuosamente enfeitados, a rainha Seraphina recebia a visita secreta de Lord Alistair. As cortinas estavam fechadas, o olor do incenso preenchia o ar, e as palavras sussurradas entre eles entrelaçavam-se com o fumo que serpentava no ambiente.
“A paciência é uma virtude que talvez não possamos mais nos dar ao luxo, querida Seraphina”, murmurou Alistair, enquanto seus dedos brincavam com uma mecha do cabelo dela.
“Você fala como se não tivesse um império inteiro a ganhar”, respondeu a rainha com um riso baixo. “Gareth está pronto e o rei não durará a estação.”
“E quanto a Bella?” Alistair perguntou. “Ela não é tola; está desconfiada.”
“Aquela garota é um incômodo”, resmungou a rainha, batendo o copo de vinho na mesa com mais força do que pretendia. “Ela tem o amor do povo e a confiança do rei. Não pode ser subestimada.”
“Então devemos agir”, concordou Alistair, “antes que ela descubra nosso segredo.”
Do lado de fora, longe dos segredos sibilados e das ambições reprimidas, o tocador de sinos do campanário preparava-se para o cair da noite. A lua novamente lançava seu olhar prateado sobre o castelo, das altas torres às mais profundas masmorras, e as sombras alongavam-se como dedos inquisidores, procurando desvendar as verdades ocultas nas entranhas do poder.
Na calada da noite, Bella encontrou-se nas sombras do grande salão, onde os ecos dos passos dos guardas noturnos mal perturbavam o silêncio sepulcral. Ela aguardava a chegada dos membros mais confiáveis do conselho, os únicos em quem ainda confiava para discutir os rumores venenosos que começavam a se espalhar.
Um a um, chegaram, suas silhuetas
agigantando-se na luz instável das tochas. Sir Carlow, a Madam Ivorine, mestre em artes alquímicas, e os irmãos Vannis, peritos em estratégias de guerra. Todos ostentavam expressões graves que refletiam a crise que se abatia sobre Eclipsis.
“Agradeço por atenderem ao meu chamado,” começou Bella, sua voz baixa mas firme cortando a quietude com precisão. “O Rei Auranos definha antes de nossos olhos e, temo, não por causas naturais.”
Madam Ivorine avançou. “Difícil é separar a verdade de falácias em tempos como esses. Mas minha ciência detectou vestígios de Belladona nas bebidas oferecidas ao rei.” Um murmúrio de choque perpassou o grupo.
“Então, é veneno,” concluiu Bella, os músculos de seu rosto tensionados pela fúria contida. “A Rainha e Lord Alistair. Tenho observado seus movimentos, os sussurros em corredores escuros. Algo se trama, e temo que Gareth seja a chave de sua ascensão ao trono.”
"Os irmãos Vannis acenaram, seus olhos duros como pedra. “Eclipsis não pode cair em mãos temerárias. As fronteiras já estão abertas a rumores de guerra, não podemos permitir uma guerra civil.”
“Que ação propõem?” questionou Sir Carlow, sua mão sempre no punho da espada.
Bella tomou fôlego, seu olhar fixo em cada um de seus aliados. “Devemos agir com cautela e rapidez. Ivorine, continue sua investigação do veneno. Carlow, nos Campos de Treinamento, busque sinais de lealdade vacilante entre nossos soldados. E vocês, irmãos Vannis, preparem um plano. Se não podemos impedir a morte do rei, precisamos garantir a segurança da sucessão.”
Os conselheiros conspirativos concordaram em silêncio, cada um sabendo a tarefa que tinham pela frente. Com um aceno de cabeça que selava seu pacto clandestino, dispersaram-se nas sombras, desaparecendo como se jamais tivessem existido.
Nas semanas seguintes, Bella aproveitava cada momento sozinha para aprender mais sobre os segredos do castelo, sobre passagens escondidas e sobre os movimentos de Seraphina e Alistair. Ela seguia pela visão periférica enquanto os dois sussurravam em recantos escuros ou quando Seraphina se recolhia a sua sala privada para encontrar-se com amantes menos nobres do que o título de Rainha exigiria.
Certa tarde, uma tempestade furiosa abateu-se sobre Eclipsis, os céus cinzentos desabando sobre a terra em veios de chuva espessa. Bella observava das altas janelas do seu aperento, os pensamentos tão tumultuosos quanto o mundo lá fora. Foi então que ela viu: na sala, a fria Rainha Seraphina encontrava-se com Lord Alistair, a dança íntima de traição e desejo mal oculta pelas gotas que escorriam pelo vidro.
Era uma revelação e uma condenação, mas também uma oportunidade. Bella sabia que precisava agir.
Enquanto as chuvas implacáveis assolavam Eclipsis e desenhavam cortinas úmidas no horizonte, Bella convocara uma réstia de esperança em seu coração atormentado. Gareth, o jovem príncipe, permanecia uma incógnita, um inocente em um jogo de xadrez letal onde ele era nada mais do que um peão.
Com a revelação ardente do escândalo da Rainha e Lord Alistair vívida em sua mente, Bella sabia que teria de intervir na educação e influências do garoto. Se o pior acontecesse e o Rei Auranos sucumbisse, era imperativo que Gareth estivesse preparado para reinar com sabedoria e justiça, para não ser manipulado pelas sibilinas articulações de sua mãe e seu amante insidioso.
Enquanto ponderava essas angústias, Bella foi chamada à presença de Esperus, o mago real, cujos talentos misteriosos haviam servido ao trono de Eclipsis por inúmeras luas. Sua figura se destacava na passagem secreta que dava acesso ao seu santuário, iluminado pela luz tremeluzente de velas mágicas que queimavam sem cera.
“Minha cara Bella,” murmurou Esperus, sua voz tão enigmática quanto os segredos que ele protegia. “Pressinto uma confluência de destinos. O tecido do nosso reino está sendo puxado em direções perigosas.”
“Esperus, é verdade,” respondeu Bella, bracejando de ansiedade. “A Rainha e Alistair… eles estão envenenando o Rei e não sei quanto tempo teremos antes de…”
“Eles têm um plano e irão executá-lo ao menor sinal de nossa descoberta,” interrompeu o mago, os olhos faiscando com um conhecimento que ultrapassava os reinos do comum. “Mas há forças em jogo que ainda podem ser moldadas. A lealdade do povo está com Você, Bella. E a chave para nosso futuro descansa nas mãos de Gareth.”
Bella assentiu gravemente. “Preciso chegar até o príncipe, protegê-lo da influência venenosa de sua mãe e de Alistair.”
“E eu lhe ajudarei,” ofereceu Esperus, estendendo-lhe um medalhão enigmático. “Este amuleto irá protegê-la das energias que Lord Alistair tece nos corredores do castelo. Mas cuidado, sua proteção tem limites. Mesmo a magia mais antiga tem suas falhas.”
Bella aceitou o amuleto com um aceno solene, sentindo o peso da responsabilidade que se assentava em seus ombros como uma armadura invisível. Com o Rei Auranos debilitado e a conspiração se desenrolando nas sombras, cabia a ela restaurar a honra do trono e assegurar o direito de seu verdadeiro herdeiro.
Nas semanas seguintes, a presença de Bella em torno de Gareth tornou-se mais frequente. Ela iniciou conversas disfarçadas com o príncipe sob o pretexto de lições de estado, semear o questionamento e incentivar a busca pelo conhecimento, armas que ela esperava seriam mais fortes do que qualquer espada ou veneno.
Em um crepúsculo particularmente sombrio, quando a penumbra jogava seu manto sobre os vastos terrenos do castelo, Bella e Gareth passeavam pelos jardins, discutindo a história de Eclipsis. O príncipe ouvia atentamente enquanto Bella tecia histórias de reis e rainhas antigos, deixando implícita a mensagem de que a virtude e a sabedoria deveriam sempre prevalecer sobre o engano e a ganância.
Contudo, era preciso cuidado; olhos e ouvidos estavam por toda parte, e a Rainha Seraphina não era mulher de subestimar. Bella tinha de jogar o jogo da corte com precisão e astúcia, enquanto o destino de Eclipsis pendia em um fio de seda, pronto para se rasgar ao mais leve toque de traição.
Dia passam e em um jantar, o castelo ressonava com os murmúrios que acompanhavam qualquer reunião da nobreza. Dentre eles, a discussão sobre a linha de sucessão era uma melodia repetida, exacerbada pela doença do Rei Auranos. A complicação na sucessão era clara: a Rainha Seraphina havia escolhido o jovem Gareth por seus próprios motivos, palmilhando um caminho perigoso longe de suas verdadeiras intenções, que não incluíam Lord Darian nem Lady Elara.
Lord Darian, com seu temperamento guerreiro e espírito impulsivo, era visto como instável demais para carregar a coroa. A Rainha temia que seu estilo de reinar fosse marcado pela força bruta e conflitos constantes, um risco que poderia desestabilizar o reino. Acrescente-se a isso seu gosto pelas competições e seu desdém pela diplomacia sutil e tem-se um rei potencialmente perigoso e imprevisível.
Lady Elara, por sua vez, possuía uma mente sutil e um talento para tramas e segredos. No entanto, essas mesmas qualidades eram sua desvantagem; ela poderia facilmente se perder em suas redes complexas de intrigas, alienando aliados e provocando suspeitas dentre os nobres. A Rainha Seraphina sabia que Elara poderia governar Eclipsis de forma competente, mas temia a sua imprevisibilidade e falta de calor humano necessário para ganhar o amor do povo.
Gareth, em contraste, com sua juventude e maleabilidade, apresentava-se como o pupilo perfeito. A Rainha via nele um molde que poderia ser ajustado ao seu prazer, uma tela onde poderia pintar a imagem de um governante justo e benevolente enquanto tivesse as rédeas firmes do poder nas entrelinhas. Gareth possuía ambição, mas uma ambição que poderia ser guiada e moldada por Seraphina e seus sussurros envenenados.
Era nessas circunstâncias que Bella emergia como uma figura central na corte de Eclipsis. Ela estava acima das disputas típicas de sucessão, sua própria legitimidade já sabotada pelo sangue considerado impuro. No entanto, sua força e sagacidade, forjadas pelo menosprezo e superação, conferiam-lhe a habilidade de manobrar entre os nobres com graça e propósito.
Enquanto a noite avançava e os nobres contendiam em conversas e planos ocultos, Lady Isolde observava Bella com um olhar perscrutador. Embora fosse inegável o talento de Bella para navegar pelas águas turbulentas da corte, o que fascinava Isolde era a aura de liderança que emanava da jovem mulher. Não havia arrogância em seus gestos, nem desdém em seu sorriso; apenas a confiança tranquila de quem conhece seu próprio valor.
A Rainha Seraphina, astuta como sempre, mantinha-se afastada, permitindo que as conversas e alianças se tecessem sob sua vigilância silenciosa. Em seu coração, ela sabia que o jogo que iniciara era perigoso, mas o poder era um prato pelo qual valia a pena arriscar.
Restava agora ver como Bella responderia ao caos sutil crescendo ao seu redor. Ela já começava a sentir o peso do destino de Eclipsis em suas mãos. Ainda que não pudesse reinar, Bella jurara proteger seu reino, independentemente do título, independentemente do reconhecimento. Ela seria a guardiã oculta no epicentro da tormenta que se aproximava. E assim, o futuro de Eclipsis começaria a tomar forma sob a luz prateada que jorrava pelas janelas do grandioso salão.
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Atualizado até capítulo 26
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