Passado

Deitada na minha cama, em meio às lágrimas e murmurando minhas palavras, não percebi que já haviam se passado várias horas desde que saí do hotel até ouvir alguém bater à porta. Por um momento, cheguei a pensar que fosse ele, mas acredito que até aquele momento ele ainda não havia conseguido meu endereço. Ao abrir a porta, vi que era Mikaela, me olhando com seu olhar julgador. Ela entrou pela porta e já começou a falar.

— Como você conheceu o Rafael? E não adianta negar, porque vi o jeito que vocês se olharam. — Mikaela perguntou confusa.

— É complicado, história muito longa, temos um passado. — respondi.

— Como? Como duas pessoas se olham daquele jeito e não estão juntas? Por que não me conta nada sobre você? — ela perguntou, tentando me entender.

— Não me orgulho das coisas que fiz, por isso não falo sobre elas.

— Bianca, você pode falar comigo... — ela disse, pegando em minha mão.

— Quer mesmo saber?

Mikaela respondeu que sim.

"Eu tenho evitado falar do passado desde que cheguei para não ser julgada ou até mesmo para não me lembrar das coisas que fiz. Mas falei. Fiz um resumo, disse a ela que conheci Rafael através do Deive, o DJ famoso com quem eu havia transado no banheiro de uma boate. Ao descobrir quem o Deive era, fiquei obcecada por ele, tentando fazê-lo gostar de mim para poder sair da minha vida horrível, com necessidades e uma mãe drogada. No entanto, o Deive conheceu a Lina, por quem se apaixonou, e Rafael desenvolveu uma obsessão sem fim por ela."

"Eu e Rafael sempre acabávamos nos encontrando, e tive a brilhante ideia de nos unir para prejudicar a Lina e o Deive. Conseguimos causar certa intriga e medo na Lina durante algum tempo. No entanto, nesse meio tempo, Rafael e eu tivemos momentos juntos, e comecei a sentir coisas por ele, cada vez menos querendo ficar com o Deive, que já havia se casado com a Lina. Era uma guerra perdida para mim, pois Rafael fazia questão de me humilhar, me chamando de prostituta e me colocando para baixo. Eu sempre retrucava, tentando não sair por baixo, e foi assim que o provoquei várias vezes, fazendo com que ele me desejasse. No entanto, ele continuou com a mesma obsessão pela Lina, mesmo após esses momentos que tivemos."

"Uma noite fomos à apresentação teatral da Lina, e Rafael havia vazado as fotos do casamento dela com o Deive com o propósito de causar um escândalo, o que ele conseguiu. Eu já havia descoberto que tinha câncer, mas não havia contado a ele. Naquela noite, eu não estava bem. Então testemunhamos Alfredo tentando abusar de Lina, e o que vi em seu rosto foi um sorriso. Ele não tentou ajudá-la. Foi nesse momento que percebi que a vida dela era tão difícil quanto a minha e que não deveria estar fazendo coisas horríveis para alguém que nunca me fez mal, por causa de um homem pelo qual eu nem estava apaixonada."

"Eu estava apaixonada por Rafael, mas não podia sequer tentar ficar com ele após presenciar aquele sorriso. Então brigamos, e eu contei tudo para o Deive e a Lina. Foi a Lina que me fez perceber que eu estava apaixonada por ele. Eu não queria sentir esse sentimento, então decidi fugir para longe de todos eles."

— Está me dizendo que você é uma pessoa horrível e invejosa? — Mikaela disse perplexa após ouvir um resumo da história.

— Estou sim... Como a Raquel disse, o câncer é um carma. — respondi chorando.

— Não é um carma, isso também acontece com pessoas boas, Bianca. E você se arrependeu, isso prova que é um ser humano com falhas, que está tentando ser melhor.

— Que bela tentativa. Tenho tentado evitar as notícias, mas vi que o irmão da Lina está morto e que o monstro do Alfredo está em coma. Mas estou aqui tentando, então por que ele está aqui?

— O que acha de perguntar a ele? — Mikaela olhou para mim, tentando decifrar sua pergunta óbvia.

— Porque eu não quero a ilusão de que sou apenas uma diversão ou a segunda opção para ele. Além disso, ele não é o tipo de pessoa que se apaixona. Ele usa as pessoas e quebra corações.

— Como sabe que ele usa, se foi você quem o usou? — disse ela, intensificando sua voz.

— As coisas são bem mais complicadas do que isso, Mikaela, e eu não quero mais falar sobre esse assunto. Estou cansada e gostaria de ficar sozinha. — respondi brava.

— Como quiser, mas você não é a vítima, Bianca, então não finja ser uma.

Mikaela saiu brava comigo, mas por que ela não estaria brava com ele? Será que ela ouviu alguma palavra do que eu disse? Respirei fundo, fui tomar banho, me troquei e evitei pentear o cabelo para não ver os fios caindo. Quero processar essa informação primeiro. Preparei uma xícara de chá de camomila e me sentei na varanda, observando o céu. Esse estava se tornando meu momento favorito: chegar, sentar à luz da lua e contemplar o céu.

Pensando um pouco, talvez eu devesse pelo menos ouvir o que ele tem a dizer. Não posso contar a ele que estou morrendo, não preciso da sua pena e não quero que ele me veja assim. Não gostaria de estar ao lado dele nessas circunstâncias…

PRESENTE...

— Espere um minuto. Você está dizendo que, mesmo com o Rafael lá, você não disse a verdade a ele? Você sabe que ele sabia, não é? — Lina questionou Bianca.

— Posso continuar? Eu vou chegar lá, eu prometo...

— Desculpe, continue…

Eu me levantei e fui para a cama. Tentei dormir, mas meu corpo doía e uma fraqueza me dominava. Respirei fundo e tomei meus remédios. Na manhã seguinte, acordei sem saber se deveria ir trabalhar, mas decidi ir. Afinal, eu precisava do dinheiro. Cheguei ao hotel e Apolo me informou que eu levaria o almoço para Rafael e faria o serviço de quarto enquanto ele estivesse no hotel. Ou seja, ele não pretendia ficar, então para que ter conversas ou remexer em águas passadas? Eu não estava de bom humor, mas tentei fazer meu trabalho perfeitamente. Me perguntei por que ele não quis café da manhã. Resolvi não pensar muito nele, até que chegou a hora do almoço e eu levei a refeição para o quarto. Apertei a campainha da suíte e meu coração parou ao pensar no que ele poderia estar fazendo para não ter pedido café. Estaria com alguma prostituta? Enfim, ele abriu a porta.

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