Eclipse Vol.1
No silêncio profundo e misterioso das primeiras horas da manhã, Kiran já estava acordado, antes mesmo das auroras abrirem caminho para o sol. Sua inquietação o arrancava dos braços do sono, e ele se encontrava sentado à janela, envolto pela penumbra que ainda persistia sobre o reino de Solaria, onde a paisagem desértica se fundiam com a atmosfera quente.
Solaria, marcada pela dureza e pela desolação, revelava-se em meio às primeiras luzes do amanhecer. As casas, com suas fachadas de madeira desgastada pelo tempo e pelo clima impiedoso, brilhavam como estrelas cintilantes. Os reflexos luminosos dançavam nas janelas, criando uma ilusão de vida e esperança em meio ao ambiente hostil. Era como se aqueles pequenos pontos de luz fossem faróis de alento em meio à vastidão desértica.
Os olhos de ruivo permaneciam fixos no vasto horizonte, absorvendo cada detalhe da paisagem que se estendia diante de si. O deserto, com suas dunas imponentes e sua aridez implacável, parecia ecoar sua própria existência solitária. A insônia, cruel companheira, havia privado Kiran de seu sono por inúmeras noites, deixando-o vulnerável à solidão e às aflições que assombravam seu coração.
A cada despertar, a pergunta persistia, ecoando em sua mente como um eco inquietante: qual seria a causa de suas aflições? Por que seu coração se sentia tão inquieto, mesmo em meio à aparente calmaria? Kiran buscava respostas, vasculhando os recônditos de sua alma na esperança de encontrar a origem de suas angústias.
Enquanto o sol começava a espreitar timidamente no horizonte, as tonalidades quentes e poeirentas do deserto ganhavam vida. Os raios dourados iluminavam a vastidão, criando uma atmosfera mágica e efêmera. No entanto, mesmo com o despertar da aurora, a paz parecia continuar fugindo dos dedos de Kiran, como um miragem que se desvanecia ao mais leve toque.
E assim, enquanto o sol se erguia majestosamente no céu, Kiran ficou um pouco mais ali, encarando o horizonte, envolvido pelo esplendor efêmero da alvorada. Ele sabia que sua jornada interior era desafiadora, mas estava determinado a desvendar os mistérios que o atormentavam e, finalmente, encontrar a paz que tanto ansiava.
Kiran suspirou uma última vez e finalmente decidiu sair de seus aposentos. Consciente de que inúmeras vidas dependiam dele lá fora, ele sentia o peso da responsabilidade sobre seus ombros. Assim como o Sol que iluminava o mundo, sua presença era uma obrigação inerente à sua própria existência. Sentia a chamada urgente de seu dever, o dever de guiar a luz próspera que traria vida e esperança ao novo dia. Era uma missão que não podia ser ignorada.
Embora não tivesse respostas para seus questionamentos, sabia que, mais cedo ou mais tarde, encontraria as respostas que tanto buscava.
Seguiu pelo salão até a porta principal, onde Ut, a estrela da manhã, o aguardava com um sorriso no rosto, como em todas as manhãs.
— Príncipe Kiran — fez reverência — Não é de meu dever repreender vossa alteza, mas está há um minuto atrás de sua pontualidade excepcional.
Ele suspirou. Ainda que as palavras da guardiã fossem verdadeiras, elas o enchiam de temor. Seu atraso poderia parecer insignificante para os mortais comuns, mas para Kiran que carregava o fardo de guardião, um minuto significava sessenta segundos sem luz, um tempo precioso perdido, suficiente para que as trevas prevalecessem.
— Peço desculpas. Realmente não sei o que está acontecendo comigo — coçou a nuca — Mas vamos logo com isso antes que se prolongue ainda mais.
A amazona avançou com confiança em direção à imponente porta diante dela, sua presença imbuída de uma aura quase divina. Sua armadura dourada, reluzente como o sol, concedia-lhe uma aparência celestial, como se ela fosse uma guerreira sagrada enviada pelos próprios deuses para proteger e lutar em nome da justiça. No entanto, seu papel naquele momento não era o de uma mera combatente, mas sim o de uma guardiã dedicada a manter a segurança e o equilíbrio.
Cada placa da armadura era um testemunho da habilidade e dedicação dos artesãos que a criaram. O ouro resplandecente conferia-lhe um brilho intenso, como se as próprias estrelas estivessem encerradas em seu interior. Cada detalhe era meticulosamente elaborado, desde os entalhes delicados até os padrões intrincados que adornavam cada peça. A armadura parecia uma extensão do próprio ser da amazona, envolvendo-a em uma proteção divina que exalava poder e majestade.
Além da armadura, seu visual era uma combinação única de estilos. O estiloso chapéu de couro repousava com elegância em sua cabeça, adicionando um toque do Velho Oeste à sua aparência majestosa. Uma blusa esvoaçante sobre os ombros conferia-lhe um ar de graça e sofisticação. E, é claro, suas pistolas na cintura eram um lembrete constante de sua habilidade como atiradora.
Embora sua aparência pudesse evocar uma figura celestial, a amazona sabia que seu verdadeiro propósito naquele momento era agir como uma guardiã incansável. Sua missão era proteger aqueles que dependiam dela, abrir caminho para os guerreiros que partiam do palácio em busca de glória e vitória. Como sentinela do dia, a donzela trajada não apenas tinha o dever de guardar a passagem e abrir caminho para os guerreiros que deixavam o palácio, mas também carregava sobre seus ombros a responsabilidade de proteger algo muito maior, que muito além da compreensão de Kiran.
Com uma calma impressionante, Ut pressionou sua mão contra a porta imponente. Ela cedeu ao seu toque com uma reverência silenciosa, como se reconhecesse o propósito nobre daquela guerreira de luz. O som do metal se movendo ecoou pelo ar, anunciando a abertura do caminho.
Os primeiros raios dourados do sol emergiram no horizonte, espalhando uma suave luminosidade sobre o rosto sereno do jovem príncipe. Ele fechou os olhos, permitindo-se saborear aquele abraço caloroso do astro que despontava no céu. Cada feixe de luz parecia acariciar sua pele, despertando nele uma sensação revigorante de renovação.
Despedindo-se de Ut, deixou para trás os imponentes portões do palácio que o acolhera desde quando havia se tornado um guardião. Embora carregasse consigo o título de príncipe, Kiran estava ciente de que sua posição era mais do que um simples privilégio. Era um chamado para zelar por seu povo, proteger os fracos e combater as trevas que ameaçavam a paz instaurada por uma Era de guerreiros.
Como em todos os outros dias, ele iniciou seu trabalho. Cada vez mais, encontrava-se imerso em uma rotina que considerava cada vez mais tediosa. Embora se esforçasse para cumprir suas obrigações como guardião do reino, a sensação de monotonia o envolvia. Ele percorria as vastas extensões de seu domínio, visitando vilarejos remotos e ouvindo as histórias e necessidades do povo que servia.
No entanto, Kiran começava a questionar se realmente era adequado para essa tarefa. A paciência necessária para ouvir as preocupações e problemas dos outros nem sempre era uma qualidade que ele possuía em abundância. Às vezes, sua mente vagava para além das palavras pronunciadas, sentindo-se desconectado das histórias que lhe eram contadas.
Desde sua volta do mundo dos humanos, onde teve que enfrentar múltiplas ameaças e viveu suas melhores aventuras, notou que a calmaria se instalara entre os seres das sombras. A necessidade de usar sua força como guardião havia diminuído consideravelmente, e ele raramente se via envolvido em confrontos diretos.
Essa mudança de cenário trouxe à tona um sentimento ambivalente em Kiran. Por um lado, ele sentia um alívio ao ver que a paz havia sido restaurada e que seu povo estava seguro. Por outro lado, a falta de ação e desafios o deixava inquieto. Ansiava por algo mais do que apenas resolver os problemas cotidianos do reino, questionando-se se havia um propósito maior reservado para si.
No entanto, quando estava prestes a prosseguir com sua missão, seu mundo foi abruptamente abalado por uma ameaça misteriosa. O céu se encheu de sombras densas e opressivas, encobrindo o brilho do sol e mergulhando o reino em uma escuridão inquietante. Uma esfera de poeira engolfou o horizonte, transformando o dia em noite em um piscar de olhos.
O pânico tomou conta da população, que clamava por socorro em meio às vozes de desespero que ecoavam por todos os cantos de Solaria. Kiran, em estado de choque diante da magnitude daquela perturbação, testemunhou impotente a grandiosa esfera de poeira, que parecia desafiar a própria ordem natural do mundo.
Então, ecoando pelos ventos, uma voz ressoou de forma rara e incomum. Era a voz da Estrela da Noite, a guardiã que estava sempre ao lado de Ut, que raramente se manifestava durante o dia. Em um tom solene e urgente, ela anunciou um toque de recolher aos cidadãos de Solaria, instando-os a buscar abrigo e proteção até que a ameaça fosse compreendida.
— O que está acontecendo aqui? — Kiran franziu a testa.
— Vossa alteza ainda não foi informada? — era Hamal, um dos soldados do palácio e seu braço direito.
— Você não deveria estar aqui — alertou-o sobre os perigos ocultos que podiam se esconder em uma noite repentina como aquela.
Hamal sorriu.
— Pode me dizer o que está acontecendo? — perguntou o príncipe.
— Ainda não foi confirmado — Hamal encarou o céu, apreensivo — Mas...
— "Mas"?
O soldado permaneceu em silêncio, relutante diante do olhar penetrante de Kiran, que já estava irritado.
— Diga! — ordenou.
— Enquanto estamos aqui, neste exato momento, Solaria está sob ataque. E parece que o campanário...
Kiran não precisou que o soldado terminasse a frase para entender a situação. De repente, o mundo ao seu redor parecia desfocado, obscurecido pela gravidade da situação e qualquer expressão em seu rosto havia desaparecido. O impacto da notícia se espalhou rapidamente por seu corpo, fazendo seu coração bater descompassadamente.
Sem se preocupar com os perigos ocultos da noite, Kiran lançou-se em uma corrida frenética contra o vento gelado que soprava pelo estreito corredor formado pelas casas de madeira. A voz de Hamal ecoava ao longe, advertindo-o sobre sua vulnerabilidade noturna como solariano, mas suas palavras caíam em ouvidos surdos.
No alto do vale, erguia-se o imenso campanário em ruínas, habitado por morcegos. Em tempos passados, aquele local era usado para a cerimônia de juramento dos guardiões, aqueles que se comprometiam a proteger um tesouro mais sagrado do que suas próprias vidas. No entanto, agora estava em ruínas, reduzido a escombros.
Desolado, caiu de joelhos no chão. O monumento que marcava o início de sua jornada e que era a única lembrança de sua vida passada já não existia mais.
Kiran encontrava-se perdido em desespero, sem saber o que fazer. Ao fixar o olhar no que restava do majestoso campanário, uma onda avassaladora de choque e tristeza percorreu seu ser. As lágrimas mesclaram-se à expressão angustiada em seu rosto, enquanto seu coração lutava para processar a devastação diante de seus olhos. O cenário sombrio e desolado de Solaria parecia sufocar toda esperança e vitalidade do reino.
Ao longe, os gritos de dor ecoavam em seus ouvidos, enquanto Kiran testemunhava impotente a ceifa de vidas a sua volta. Ele sentia a presença de seus irmãos guardiões, prontos para agir, enquanto ele mesmo se via incapaz de tomar qualquer atitude. O céu agora era tomado pelas luzes ferozes das armas dos guardiões, refletindo a batalha desesperada que se desenrolava contra o inimigo desconhecido.
De repente, um raio de sol rompeu as nuvens escuras e banhou a terra com sua luz dourada. O príncipe solar ergueu o rosto em direção ao céu, seus olhos se encheram de uma mistura de assombro e de uma esperança quase extinta.
A luz do sol começou a espalhar-se, dissipando as sombras e iluminando cada canto de Solaria. Os raios solares acariciavam sua pele novamente, aquecendo seu coração, mas não o suficiente para impedir que sentimentos de ódio se apossassem de si.
A raiva começou a tomar conta de Kiran, e sua determinação se transformou em uma chama ardente dentro dele. Ele sentiu seu corpo ser envolvido por uma luz intensa, um brilho incandescente que emanava de sua essência. Banhado pela luz solar, Kiran se tornou uma manifestação de pura luminosidade.
Sem hesitar, disparou para o céu com uma velocidade avassaladora, deixando Solaria para trás em um piscar de olhos. Sua figura luminosa rasgava o horizonte, deixando um rastro de estrelas cintilantes em seu caminho. Ele estava determinado a encontrar a pessoa responsável por trazer tamanha destruição a seu reino.
Estava ciente de que apenas uma pessoa no mundo poderia ser responsável por infligir tal atrocidade. Movido por uma determinação inabalável, ele dirigiu-se corajosamente em direção ao local onde a escuridão parecia mais densa, seguindo os últimos rastros do inimigo.
À medida que adentrava a negra e opressiva névoa, Kiran sentiu como se atravessasse um portal para outra dimensão. O cenário ao seu redor transformou-se instantaneamente, revelando um mundo sombrio que parecia existir em uma realidade paralela.
As cores vibrantes e quentes desvaneceram-se completamente, substituídas por tons de cinza e sombras sinistras. A paisagem era composta por terrenos áridos e desolados, onde árvores retorcidas e sem folhas se erguiam como esqueletos petrificados. O ar estava impregnado de uma atmosfera pesada e sufocante, como se carregasse o peso da dor e do desespero.
A luz, outrora radiante, agora era apenas um brilho fraco e enfraquecido, mal conseguindo penetrar a escuridão que dominava o horizonte. Ruínas e destroços se estendiam por toda parte, testemunhas silenciosas da violência que havia sido desencadeada.
O som que preenchia o ar não era como a doce melodia dos pássaros ou risos alegres dos habitantes de Solaria, mas sim um murmúrio sombrio e inquietante. O vento soprava suavemente, mas suas rajadas carregavam um lamento melancólico, ecoando a tristeza profunda que pairava sobre aquele lugar.
A sinistra presença envolvia Kiran como uma névoa gelada, serpenteando ao seu redor e penetrando até os ossos, fazendo com que sua pele se arrepiasse e sua respiração se tornasse mais difícil. Era uma sensação desconhecida, uma opressão tão intensa que ele nunca havia experimentado antes. Sabia que estava diante de algo muito maior, algo que transcendia sua compreensão.
Enquanto sobrevoava aquele lugar, a paisagem ao seu redor se transformava em um espetáculo ainda mais desolador. O horizonte distorcido e ondulado parecia se estender infinitamente à sua frente, uma visão perturbadora que mexia com sua percepção da realidade. Os contornos das formações rochosas pareciam se contorcer e se retorcer de maneira grotesca, como se fossem moldados pela própria maldade.
Vozes sussurrantes ecoavam em sua mente, sussurros inquietantes que pareciam surgir das sombras circundantes. Eram vozes dissonantes e angustiadas, como se pertencessem a seres provenientes dos mais profundos abismos do mundo. A sensação de estar cercado por esses seres das sombras, mesmo que invisíveis aos olhos, deixou Kiran furioso e desnorteado.
Enquanto avançava ousadamente, podia sentir uma presença mais forte se manifestando. Era como se o próprio solo tremesse em antecipação, reverberando com a energia sinistra que se aproximava. O cheiro de enxofre e desolação impregnava o ar, uma mistura pungente que preenchia suas narinas e enchia sua mente de temores sombrios.
Seus olhos percorriam cada centímetro da paisagem, buscando qualquer sinal, qualquer indício do que estava por vir. Ele sabia que estava prestes a enfrentar uma força além de sua compreensão, uma entidade tão poderosa que desafiava os limites da imaginação.
...
As águas cristalinas do lago dançavam ao ritmo da suave brisa matinal. Munihr contemplou a serenidade da paisagem, refletindo seu olhar na superfície tranquila. Um sorriso de paz se formou em seus lábios.
Os primeiros raios solares surgiram timidamente no horizonte, derramando uma luz dourada sobre as montanhas distantes. Munihr sentiu uma certeza profunda, a premonição de que uma força avassaladora se aproximava.
Acabara de despertar quando um de seus servidores se aproximou cautelosamente, consciente de não perturbar sua tranquilidade. Trazendo a notícia do invasor que estava prestes a chegar à cidade.
— Um solariano? — indagou, surpreso. — É raro recebermos a visita de alguém dessa raça tão egocêntrica.
— Já convocamos uma tropa de voluntários, senhor. Eles aguardam suas instruções. — informou o servidor.
Munihr suspirou, refletindo sobre a situação.
— Dispense todos eles — ordenou, levantando-se. — Eu mesmo irei receber nosso convidado.
O servidor expressou preocupação.
— Tem certeza disso? Enfrentar o invasor sozinho pode não ser uma boa alternativa. Ele não é um indivíduo comum.
O homem manteve sua decisão inabalável.
— Faço questão.
Sem mais palavras, ele partiu em direção ao encontro com o seu convidado.
...
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Atualizado até capítulo 201
Comments
mkly
Cada detalhe é impressionante
2023-11-04
6