O ALUNO NOVO
E lá estava eu em mais um dia de aula.
Sempre amei minha profissão de professora do ensino fundamental.
Nasci para o magistério.
Dava aulas já há décadas no que chamavam antigamente de "primeira a quarta série primária".
Eu sempre fui a querida "Tia Mary" .
Era como me chamavam.
Vivia em torno de cores, abraços,choros, sorrisos, gritos, correria , brincadeiras,mochilas, lancheiras,enfim...
Aquelas crianças sempre foram minha adoração.
Eu amava o que fazia. Ensinar...
Alfabetizar , era mostrar as crianças uma nova maneira de enxergar o mundo.
Eles eram ao meu ver, como pedrinhas brutas sendo lapidadas.
Era gratificante vê-los desenhando as primeiras letrinhas de seus nomes e aprendendo a soletrá-las.
Até que naquela volta das férias,
no início do ano letivo, chegou um novo aluno na escola.
Seu nome era Marcos.
Era proveniente de outro estado.
Não reconheci o sotaque, que parecia sulista ou algo assim , sempre puxando os "sssss"...
Eu simplesmente e sem motivo , antipatizei com aquele menino a primeira vista!
Com seus 6/7 anos, tão pequeno, porém , detestável para mim! Inexplicavelmente detestável...
Não me peçam explicações!
Simplesmente não gostei dele e pronto!
Como dizem por aí "ranço" daquele menino.
Quanto mais eu o ignorava , mais ele era grudento.
Vivia ao meu redor, querendo pegar na minha mão, carregar meus materiais,apagar o quadro, sentar perto da minha mesa...
Uma solicitude quase que insuportável!
Aquelas mãozinhas geladas!!
Ele tinha as mãos gélidas.
Ele fazia de propósito!
Eu sentia que ele sabia que eu não o suportava e ficava me encarando com aquele "ar angelical" , com cara de vítima.
Sempre arrumava confusão com os coleguinhas.
Eu aproveitava e o colocava de castigo com prazer!
Eu adorava o "cantinho do pensamento", só assim para mantê-lo longe da minha vista.
Na reunião de pais, conheci os pais de Marcos.
Polidos, sérios e formais.
Com cara de poucos amigos .
Percebi que não gostaram de mim...
Percebi o ar de censura em seus olhares.
Eu diria até que leram meus pensamentos.
Tão detestáveis quanto o filhinho deles!
No término da reunião, vieram me cumprimentar como os outros pais de alunos.
As mãos...gélidas!
Incrivelmente gélidas!
E foi naquele dia que não mais suportei...
Que tudo aconteceu.
Estava sozinha em sala terminando umas correções, enquanto as crianças encontravam-se em recreação com a assistente.
Foi quando senti aquelas mãos geladas em meu braço.
Era Marcos com aquele olhar insuportável me encarando.
Não aguentei.
Uma sensação de repúdio tomou conta de mim.
Levantei-me e dei-lhe um empurrão!
Ele caiu longe batendo a cabeça no chão.
Quando se levantou, me olhou com ódio , porém depois sorriu.
Foi aí que eu vi!
Sua língua bifurcada! Entrando e saindo da boca rapidamente!
E seus olhos...
Amarelos como os de um crocodilo, com um traço no meio!
Em meio a um misto de nervosismo, pavor e raiva, peguei-o pelo pescoço e apertei com força!
Abaixei-o até o chão enquanto o esganava.
Ele não reagia, sufocava enquanto movimentava aquela língua bifurcada...pra dentro e pra fora, rapidamente .
Enquanto o esganava, via sua pele engrossar , ficar esverdeada como a de um réptil.
Neste momento entraram na sala outros funcionários e me arrancaram de cima do menino que começou a chorar e mostrava-se ofegante e indefeso, já com a aparência normal!
O menino chorava e dizia :
" A TIA MARY ME EMPURROU!"
As pessoas que ali estavam, colegas de trabalho , acharam um absurdo , me ofendiam, me recriminavam ,me repreendiam !
A polícia foi chamada...
Fui levada e detida em flagrante.
Meses se passaram e hoje me encontro aqui na penitenciária de mulheres, mais precisamente na área que chamam de "seguro".
Sim, pq se as outras detentas me pegarem, me matarão.
Ninguém aqui e/ou em qualquer cárcere e/ou penitenciária , suporta quem faz mal a crianças.
Afinal, como uma professora pôde fazer aquilo com um aluno?
Peguei uma pena longa por tentativa de homicídio a um menor, com o agravante de um flagrante.
Só eu sei o que vi!
Só eu sei o que eles são!
Ninguém acredita e/ou acreditou em mim...
E no dia do julgamento, no banco dos réus, ao ouvir minha sentença, pude ver os olhos dos pais de Marcos que estavam presentes no tribunal, assim como ele também, aqueles olhos amarelados , com um risco no meio.
Olhos de crocodilo!
Os olhos de seres reptilianos!
Ninguém acreditou em mim...
Mas eles estão entre nós...
(Por Sílvia Restani)
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Atualizado até capítulo 134
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