Capítulo 2

...*Caterina*...

Assim que chegamos na cidade demoramos cerca de uma semana para nos organizarmos completamente, alugamos uma casa perto do campus que já vinha com mobília e duas semanas depois a minha mãe conseguiu um trabalho para mim em uma cafeteira que também era da universidade, eu chorei tanto de alegria que lembro de ir os primeiros dias com os olhos inchados para trabalhar, o meu pai ficou decidido que iria seguir vendendo os nossos salgados e doces sozinho e assim como disse, ele fez e deu muito certo.

Ele aprendeu a fazer quase tudo com as suas limitações, ele era incrível, de manhã cedinho acordava com nós duas e saía para vender os seus quitutes na rua em pontos estratégicos perto da universidade, ele foi ganhando clientela fixa rapidamente e ficou bem conhecido por todos como o tio do lanche.

Onde vivíamos antes muitas pessoas eram preconceituosas e também tinha as antigas colegas que tentavam fazer bullying comigo por conta do meu pai.

Nunca aceitei isso e nunca levei desaforos para casa, meu pai era tudo pra mim e eu o defendia com minha vida, não posso fingir que não dei trabalho, ele e minha mãe tiveram que ir algumas vezes na escola, mas depois da primeira turma de valentões levar alguns bons tapas na cara por me provocar, nunca mais tive problemas com isso, na escola todos sabiam que eu revidava e não precisava de muito, a minha língua também sempre foi tão afiada quanto uma lâmina, mas sinto que agora vou ter mais sossego aqui.

Na cafeteria onde trabalho foi que comecei a fazer amigos de verdade, sem tantos problemas financeiros e com a saúde do meu pai sendo tratada, consegui relaxar mais e aproveitar, agora sinto que a minha vida realmente começou e na minha segunda semana trabalhando conheci a minha melhor amiga Selene.

— Bom dia, eu quero um expresso duplo. —

 Ela me pede sem humor algum.

Eu arregalo os olhos, essa menina vem todos os dias aqui e sempre toma cappuccino com umas quatro colheres de açúcar, o ano letivo recém começou para os veteranos e ela já parece destruída.

Quando percebo minha falha mantendo uma expressão nada discreta, tento reverter com um sorriso morno.

Ela ri.

— Semana de revisão do ano anterior, preciso acordar e eu estou irreversivelmente ferrada, pois, as férias apagaram totalmente a minha memória, talvez o café seja meu veneno e consequentemente a minha fuga.—

 Ela fala com humor, mas suas olheiras escuras e fundas a entregam.

Acabo rindo.

— Tente não morrer aqui, eu preciso desse emprego. —

Essa foi a primeira conversa que tivemos e a partir daí nos tornamos boas amigas, falávamos por horas sempre que ela vinha ao café, na verdade, esse café era o lugar favorito da maioria dos alunos.

Dias depois lá estava ela como sempre reclamando.

— Eu vou morrer e não vou conseguir fazer esse cálculo. — Ela fala passando as mãos no cabelos, frustrada.

Eu faço a volta no balcão e olho para o seu caderno.

— Isso é Álgebra Linear. —

Falo como se não fosse nada.

Ela me olha chocada.

— Você sabe o que é isso? —

— É óbvio, pensei que quase todo mundo soubesse. — Respondo tranquila, enquanto ela faz uma cara de maluca.

— Óbvio? Menina eu estou morrendo aqui e você diz óbvio? Senta e me ajuda, eu tenho meia hora. — Ela fala quase gritando.

Eu rio e olho o movimento, estou trabalhando sozinha essa manhã e não tem mais nenhum cliente.

Eu sento e explico para ela tudo que eu sei sobre o conteúdo, Selene só falta beijar meus pés ao sair do café.

— Eu te amoooo, eu te amoooo.— Ela sai gritando e saltitando.

Fico rindo sozinha.

...****************...

Duas semanas passou desde que os veteranos voltaram as aulas, agora é época de receber os novos alunos e como me inscrevi atrasada, eu precisaria conseguir a vaga de alguém que desistiu, então veio os resultados e eu passei para a última etapa da entrevista em Harvard, a vaga poderia ser minha e claro, eu só conseguiria porque todos conheciam a minha mãe e logo me conheceram também, sei que muitos dos reitores me ajudaram para entrar na seleção.

O meu pai e a minha mãe choraram como crianças quando viram o que dizia na carta que recebi, me obrigando a fazer o teste final ao qual eu passei em primeiro lugar.

Percebi que não deveria ter feito os testes quando os dois me sentaram no sofá implorando para que eu entrasse, já que ligaram avisando que minha vaga tinha surgido após uma desistência.

— Impossível, não temos esse dinheiro. — Tento manter o tom o mais neutro possível.

O meu pai começa o textão antes da minha mãe.

— Se não por você, faça por mim, sempre sonhei em te proporcionar uma boa formação, finalmente podemos te dar isso e você se esforçou tanto a vida inteira, sou um homem doente Caterina, isso não vai mudar, mas você tem uma vida inteira pela frente e...—

Eu levanto a mão o interrompendo, nada de mais empréstimos ou mais dívidas, nós já estamos enforcados em contas, muitas contas, mesmo com as minhas notas, com todos os descontos e possibilidades que professores, conselheiros e até o reitor conseguiu, o orçamento não chegava nem perto de bater.

— Não termine, por favor.—

Digo com tom de voz neutro, essa será uma conversa difícil.

Respiro fundo para conseguir continuar.

— Não façam isso comigo, vocês dois sabem melhor que qualquer um, eu sempre me esforcei por vocês, agora chega, me permitam viver como eu quero, a minha prioridade é estarmos bem, juntos e principalmente você papai, eu preciso de você com saúde. —

— Se quer o meu bem faça o que peço, eu não vou sair dessa cadeira minha filha, nem com o melhor tratamento do mundo, só posso viver os meus sonhos através de você, te proporcionar algo é tudo que desejo, já me culpo o suficiente por não ter te dado uma juventude melhor.—

Respiro fundo já em lágrimas, não consigo lidar com isso, meu pai desmonta todas às minhas defesas.

— Eu...eu...P-preciso de ar.— Sussurro, já sem condições de falar qualquer outra coisa.

Viro as costas e saio de casa, é a terceira discussão que eu tenho com o meu pai sobre a faculdade e dessa vez ele pegou pesado.

Ele quer interromper a fisioterapia, tirar um grande empréstimo, cancelar o acompanhamento médico e todo o tratamento para pagar a minha faculdade, pensei que a minha mãe me apoiaria, mas ela ficou do lado dele.

Sai de casa chorando, tudo o que quero é poder manter o tratamento dele, vivemos com dificuldades mesmo com os nossos trabalhos árduos porque a saúde dele sempre será nossa prioridade.

Como pode os dois pensarem que eu conseguirei estudar com ele definhando por minha culpa?

Me sento em um banco no parque próximo a minha casa, fico chorando e olhando a noite por mais tempo que esperava, percebi ser tarde da noite, quando só a escuridão estava presente.

Quando estou prestes a levantar para ir embora, escuto alguém.

— Eiii, você não é a Cate, amiga da minha irmã? —

Grita uma voz masculina que reconheço quase de imediato.

Forço o meu olhar para a escuridão, sob uma árvore a alguns metros de mim, Eros Arvenitis está sentado no chão com suas costas encostadas no tronco e seu caderno de desenho em mãos.

— Você é o Eros, certo? Irmão gêmeo da Selene.—

Ele assente com a cabeça, levanta do chão e caminha até onde eu estou.

— Sua irmã me falou sobre você, te vejo todos os dias na cafeteria, você sempre pede café gelado sem açúcar. — Digo mais nervosa que o habitual.

— Exato. — Ele dá um sorriso fraco.

Eros senta ao meu lado e observa o céu, acabo fazendo o mesmo, ficamos assim em silêncio durante minutos até ele finalmente falar.

— Desculpe dizer isso, mas eu vi você chorando, estou a bastante tempo te observando. —

Me viro para ele incrédula, por que diabos ele estava me olhando?

— Quero te dar algo. — Ele diz repentinamente e eu fico mais confusa do que já estava.

Ele destaca uma folha do seu caderno e me entrega, observo o desenho que aparenta ser alguém que caiu na água ou está se afogando.

— É lindo. — Falo assim que termino de observar a arte com atenção.

— Desenhei você, esse é o meu último desenho na verdade e ele é seu, um presente.— Ele diz com a sua voz um pouco trêmula.

Olho para ele confusa.

— Último? —

— Sim. —

— Por quê? —

— Vou largar o curso de artes visuais, não pretendo mais desenhar. — Ele diz em um sussurro.

— Mas... — Começo, mas me calo.

Melhor não falar, não sou ninguém para discutir sobre o futuro de outra pessoa e ele definitivamente, não me deve satisfação.

— Me conte o que me faz te ver se afogando e eu contarei porque também me sinto assim. —

Ele quer saber sobre mim, o motivo de eu estar triste, ele quer que eu desabafe para também desabafar.

Respiro fundo, por algum motivo falar com ele me parece certo, afinal ele não é um completo estranho, mal não vai fazer.

Digo sem rodeios.

— Eu passei em Harvard.—

Ele sorri genuinamente.

— Isso é incrível, parabéns, parece que vamos nos ver com mais frequência.—

— Sendo sincera, isso é terrível.— Fasso uma careta.

Ele fica surpreso e eu explico.

— Meus pais sonham com isso, mas nem de longe temos condições para que eu entre em qualquer universidade, quanto mais Harvard. —

Ele fica pensando por um tempo.

— Seu pai é o seu Antônio, certo? O tio do lanche. — Ele diz me deixando surpresa.

— Sim, de onde conhece ele?—

— Compro sfogliatella dele quase todas as manhãs antes da faculdade, sei de você por minha irmã ser uma tagarela, ela esta animada com a nova amiga, mas seu pai também adora expressar todo o amor que tem por você, às vezes, até acabo me atrasando ouvindo as histórias dele.—

— Ceús, que vergonha.—

Digo totalmente ruborizada.

— Nesse caso se conhece ele, você deve saber que eu não posso...—

Ele me interrompe.

— Ele te ama, seu pai quer o melhor para você, não fique assim, é só...Amor e cuidado. —

Acabo deixando as lágrimas voltarem, Eros me observa atentamente.

— Quando vejo os seus problemas, os meus parecem minúsculos.— Declara sem humor.

— É a primeira vez que falo com você e você já sabe muito sobre mim, comece a falar ou vou ficar ofendida. — Digo em meio as lágrimas com um bico exagerado, na verdade só quero mudar de assunto.

Ele ri e começa a falar.

— Meu pai tem planos para o meu futuro, ser um artista não está neles, eu tenho tentado lutar, mas é inevitável, vou começar nos cursos que ele quer em uma semana, junto com os novatos.

— Qual curso? — Indago.

— Ciências contábeis, administração e Recursos Humanos. — Responde com tristeza.

Ceús é muita coisa.

— São ótimos cursos.— Comento tentando animá-lo um pouco.

— Você faria? — Ele pergunta de uma forma humorada.

— Claro que sim, é um leque de possibilidades, mas minha prioridade seriam ciências contábeis, gosto de trabalhar com números.—

Respondo de imediato, pois não tenho dúvidas sobre o curso que seguiria se tivesse a possibilidade.

— Faria mesmo essa droga por amor? — Ele pergunta indignado.

— Ninguém faz finanças por amor, mas é o mais fácil para conseguir um emprego bom, ainda mais sendo formado em Harvard, seria minha primeira opção por conveniência.—

— Entendo... E se você conseguisse uma bolsa? —

Penso por um tempo antes de responder.

— Eu ainda preciso de um trabalho, não posso viver a custa dos meus pais por 4 anos, simplesmente não é uma possibilidade com o meu pai tão doente. —

— E eu tendo todas as possibilidades na mão, sem querer qualquer uma delas. —

Ele ri de si mesmo e continua.

— Eu não posso ser um artista, você não pode continuar só trabalhando como deseja sem decepcionar eles, parece que o mais fácil é deixar as coisas acontecerem.—

— Tem várias formas de conseguir uma bolsa de estudos, mesmo que não seja integral, tente fazer do modo deles, se não der certo, você tentou.—

Eros me aconselha com um sorriso cheio de esperança.

— Os seus pais merecem a chance de te ver ser alguém, eles te amam, nada além disso importa e também, se você for minha colega, talvez eu não corte os pulsos até o fim do ano. —

Eros da um beijo no meu rosto, vira as costas e vai embora, me deixando sozinha e pensativa.

Observo o seu desenho.

É lindo.

Parece que eu realmente estou me afogando...

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Comments

Marly Matias

Marly Matias

Coitadada Kate. A situação dela no momento é muito difícil.

2024-07-24

0

Maria Izabel

Maria Izabel

já Caterina quer fazer mais devido as circunstâncias da família ter que abrir mão do tratamento do pai ela não encontra uma maneira de fazer o que gosta
mais sei que Eros deu uma dica espero que ela decida tentar

2023-08-23

3

Maria Izabel

Maria Izabel

É Eros deixou de fazer o que gosta para fazer no momento o que seu pai quer e que precisa por ser de família empresarial

2023-08-23

1

Ver todos
Capítulos
1 Prólogo
2 Capítulo 1
3 Capítulo 2
4 Capítulo 3
5 Capítulo 4
6 Capítulo 5
7 Capítulo 6
8 Capítulo 7
9 Capítulo 8
10 Capítulo 9
11 Capítulo 10
12 Capítulo 11
13 Capítulo 12
14 Capítulo 13
15 Capítulo 14
16 Capítulo 15
17 Capítulo 16
18 Capítulo 17
19 Capítulo 18
20 Capítulo 19
21 Capítulo 20
22 Capítulo 21
23 Capítulo 22
24 Capítulo 23
25 Capítulo 24
26 Capítulo 25
27 Capítulo 26
28 Capítulo 27
29 Capítulo 28
30 Capítulo 29
31 Capítulo 30
32 Capítulo 31
33 Capítulo 32
34 Capítulo 33
35 Capítulo 34
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44 Capítulo 43
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47 Capítulo 46
48 Capítulo 47
49 Capítulo 48
50 Capítulo 49
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52 Capítulo 51
53 Capítulo 52
54 Capítulo 53
55 Capítulo 54
56 Capítulo 55
57 Capítulo 56
58 Capítulo 57
59 Capítulo 58
60 Capítulo 59
61 Capítulo 60
62 Capítulo 61
63 Capítulo 62
64 Capítulo 63
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72 Capítulo 71
73 Capítulo 72
74 Capítulo 73
75 Capítulo 74
76 Capítulo 75
77 Capítulo 76
78 Capítulo 77
Capítulos

Atualizado até capítulo 78

1
Prólogo
2
Capítulo 1
3
Capítulo 2
4
Capítulo 3
5
Capítulo 4
6
Capítulo 5
7
Capítulo 6
8
Capítulo 7
9
Capítulo 8
10
Capítulo 9
11
Capítulo 10
12
Capítulo 11
13
Capítulo 12
14
Capítulo 13
15
Capítulo 14
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Capítulo 15
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Capítulo 17
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Capítulo 20
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Capítulo 21
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Capítulo 68
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Capítulo 69
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Capítulo 75
77
Capítulo 76
78
Capítulo 77

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