Cap-10 Casamento?

*Gabriel Fontes Salazar, 35 anos*

Dentro do meu escritório eu ouvi meu pai falando, sempre que ele chega, as pessoas vão correndo para ele, como se fosse um deus (não sabem o que estão fazendo). Mas ele vir nessa empresa, sempre é sinônimo de bronca, ou exigências comigo. Como ele só lida com a política, ficou na minha responsabilidade gerenciar essa empresa de advocacia, juntamente com meu irmão, sou sócio majoritário. Com isso, eu sou sempre o único culpado de tudo que dá errado, e o único que ele faz exigências absurdas, sem respeitar o meu desejo.

Não me movi do lugar, sabia que ele viria à minha sala de qualquer forma. Peguei meu uísque preferido, coloquei uma dose no copo, precisava relaxar, há semanas estava tendo que trabalhar num caso nada agradável ou fácil. Encostei na grande janela de vidro, e observei a movimentada avenida Paulista e depois de um longo suspiro, tomei minha bebida de uma vez. Ouvi a porta abrir, meu pai nunca teve a educação de bater antes.

— Precisamos conversar!— ele exclamou sem cerimônias.

É claro! Oi pra você também, pai! Eu estou bem.

Me virei para ele, que já estava se servindo da minha bebida.

* Laércio Salazar, 56 anos*

— Precisa pedir a Janaína em casamento, está na hora.— ele falou como se eu tivesse a obrigação de fazer tudo o que ele manda.

— Fala como se casamento fosse um negócio.— revirei os olhos e sentei.

— No nosso meio, sempre vai ser. O Miguel precisa de uma mãe, e você mostrar estabilidade emocional. Já passou da hora!— ele falou se sentando na minha frente.

Nem encarei ele. Uma mãe? É sério? E logo a Janaína! Uma mulher que passa apenas 5 horas em casa, e sempre está dormindo. Ela não dá a mínima para o Miguel. Ele não sabe de nada, quer mostrar uma preocupação onde ele não tem, na verdade ele só se preocupa com o que os seus eleitores vão achar. Sínico!

— Aqui. Peguei o anel da sua avó, acho que vai ser mais significativo. Faça o pedido num lugar intimista, mas que dê para o público notar. Me avisa onde, e aviso uma amiga minha. Ela terá exclusividade, e podemos controlar a situação.— ele falou entregando um caixinha de veludo vermelha.

Peguei o anel, e me senti um merdä, por estar pegando essa jóia tão rara e bela, que representou o amor da minha avó, para colocar num casamento que eu sabia que era pura aparência. Janaína jamais seria uma opção para mim, a conheci por causa do meu pai, ela é filha do ex-governador de São Paulo, e ganhou como deputada estadual na última eleição. A gente se viu umas vezes, e quando meu pai descobriu que rolou um clima, fui praticamente obrigado a ficar com ela. Ultimamente ando tão frio, que nem me importei, Janaína também é fria como um gelo, mas prefiro assim, ela não faz perguntas, não fica no meu pé e mantemos as aparências políticas. Mas casamento, é uma coisa séria demais, especialmente para mim, que já fui casado com um grande amor.

— Acha realmente necessário? Já moramos juntos, estamos bem assim. Porque casar?— indaguei.

— Ninguém leva a sério um político que não quer compromisso sério. Se pretende se candidatar a deputado no próximo ano, precisa mudar essa situação.

— Quem pretende é o senhor, não eu.— falei impaciente.

Nada nesse mundo é pior do que os políticos, odeio eles, e no entanto estou me deixando levar por tudo que meu pai quer. Tenho tanta vergonha de mim, vivo prisioneiro dele, à mercê das vontades dele, cativo dos desejos dele. Desde que eu perdi a única mulher que realmente acreditava em mim, que me amava de maneira que nenhuma mulher me amou ou amará, perdi meu rumo, minha dignidade e tudo que me fazia querer ser um homem melhor. Sou uma verdadeira marionete nas mãos do meu pai, e pensar que há dez anos atrás eu deixaria toda essa empresa, só para ficar com ela. Lutei contra todos e tudo, só para ficar com aquela mulher, como gostaria de voltar a ser aquele homem novamente, ter um motivo para lutar, para fazer o bem. Mas eu não tenho, só penso no meu filho, só por ele eu ainda sobrevivo, o pedacinho do amor que partiu. Nem posso pensar, ainda tenho pesadelos horríveis, sempre estou tentando tocar a Bianca, tentando tocar a Ariele, mas elas estão tão distantes, que nunca consigo alcançá-las, sempre acordo gritando.

Encarei meu pai, olhar para ele, é como olhar o meu fracasso.

— Vou planejar, pedirei a Janaína em casamento assim que possível. Obrigado, pelo anel, me poupou o trabalho de comprar um.— falei seco, pra ver se ele ia logo embora.

Ele sorriu satisfeito, levantou e abotoou o paletó.

— Quanto ao promotor da justiça que estava pegando no nosso pé, dei um jeito nele, então, vai ser fichinha se livrar do caso.— ele caminhou até a porta e voltou a me encarar.— De última hora, vão colocar algum substituto inexperiente que não sabe de nada, aí vencemos fácil. Precisa encerrar esse caso, não quero mais investigações na nossa empresa ou na forma da minha propaganda eleitoral.

Assenti.

— Como está o Miguel?— Ele perguntou já com a mão na maçaneta.

Agora você quer saber do neto? Que ridículo!

— Está bem.

— Ótimo!— ele saiu e fechou a porta.

Me encostei na poltrona, a cada dia que passava, menos de mim eu tinha. Me lembrei do que me trouxe a esse estado tão baixo, alguns momentos de luxúria e sexö promíscuo. Como era imaturo e carnal, não existe coisa pior do que deixar se levar por coisas tão insignificantes e banais, como um prazer momentâneo. Se eu pudesse voltar atrás, jamais teria traído a única mulher que realmente era minha amiga, que me amou, que me deu filhos, que me retirou do limo que vivia, que acreditava em mim e me fazia tão feliz. E eu a amava tanto, não tinha noção do que seria viver sem ela, do que seria ficar sem a minha luz.