O Cargo de Delegada

O apoio do meu pai Joe foi fundamental, pois no início, eu odiava tudo que se referia aos lobisomens, com o tempo ele convenceu-me que tanto no mundo humano quanto no sobrenatural existem seres bons e maus. Ensinou-me a não julgar e a não generalizar. E o principal, ajudou-me a aceitar a minha nova condição, a conviver com os humanos e viver como um deles.

Uma bruxa conhecida nos ensinou um encantamento para ocultar a horrível tatuagem, assim pude levar uma vida normal. Eu não disse antes que o meu pai sabia demais do mundo sobrenatural? Ele tinha até uma amiga bruxa...

O poder de persuasão dele era alto. Fui para escola humana e mais tarde  me formei na faculdade de Direito. Porém, eu fui considerada superdotada, então concluí os meus estudos com dezoito anos. 

Mesmo vivendo muito bem como humana, eu sentia algo faltando... Por isso, o meu pai sempre insistiu em buscar a reversão do feitiço.

Sendo assim, todos os anos durante as férias escolares de verão, percorremos o mundo atrás de bruxas para tentar reverter o feitiço proibido, mas era sempre a mesma resposta: era irreversível. Ninguém conhecia tal magia tão poderosa.

Por saber que eu tinha que aceitar o meu destino e  como eu adorava lutar, alistei-me no exército assim que terminei a faculdade. 

Podia ter me tornado humana, mas como a velha bruxa deixou alguns resquícios dos meus poderes sobrenaturais, eu sempre tive um condicionamento físico superior aos dos humanos e destaquei-me em todas as atividades e missões. Por essas razões recebi diversas patentes, cheguei a capitã das forças especiais em pouco tempo, mas um dia descobri que eu não queria aquela vida para mim… Resolvi sair.

Quando dei baixa no alistamento, voltei para casa e resolvemos viajar como sempre fazíamos antes.

Fomos à Europa, a sua amiga bruxa nos deu uma lista imensa com os nomes de outros de sua espécie. Visitamos uma bruxa nórdica, chamada Tuva. Ela não se prendeu ao feitiço proibido como as outras de sua espécie fizeram. Atentou-se a tatuagem e entre tantas linhas e figuras desenhadas, tinham runas antigas escondidas, porém era numa língua arcaica.

Levaria muito tempo para conseguir traduzi-las, sendo assim voltamos ao país e seríamos comunicados via e-mail a cada descoberta.

Uns dois meses após o nosso retorno,  o meu pai falou sobre a vaga de delegada numa cidadezinha chamada Mystical Land. Fiz a prova do concurso e semanas depois, recebemos o comunicado para assumir o meu posto e nos mudamos.

Quando chegamos naquele lugar, senti uma energia diferente e com o meu olfato apurado percebi o cheiro de vários seres sobrenaturais por todos os lados. 

Com o tempo descobri que a localização geográfica da cidade era propícia para a ida e vinda deles.

Foi então que o meu pai confessou que o motivo de ter informado sobre a vaga, foi exatamente devido ao local, pois havia recebido um e-mail de Tuva, dizendo que eu deveria conviver com seres sobrenaturais. Por enquanto, era a única informação que havia conseguido traduzir.

Bem, se eu tivesse que conviver novamente com o sobrenatural, eu teria que me preparar para ele. 

Primeiro, fiz a coloração dos meus cabelos prateados. Eles ficaram pretos e comecei a usar lentes de contato coloridas da cor dos meus fios. 

Não queria ser reconhecida por algum integrante da Tribo Guerreiros da Lua, caso passassem pela cidade, principalmente pelo Alfa Kall.

Segundo, convidei para trabalhar comigo um lobisomem Renegado que serviu o exército comigo, seu nome era Noah Norris, assim como eu, tinha cabelos claros e olhos azuis. Tínhamos a mesma idade. A meu pedido, ele convidou dois outros Renegados, Milla e Shaw.

Durante o alistamento, ele ficou surpreso e eu também, por tê-lo descoberto. Noah ficou ainda mais perplexo por eu saber sobre os seres místicos. Não entrei em detalhes de como os conhecia, apenas disse que era uma espécie de dom e ele não me perguntou mais.

Terceiro, com a ajuda da bruxa nórdica, ainda por e-mail, criei celas especiais para receber qualquer tipo de ser, seja ele, humano ou não.

Quarto e último, assim que eu e os meus ajudantes nos reunimos, começamos a estudar todos os pontos fracos físicos dos nossos oponentes. Já que eu não era forte o bastante para lidar com eles, eu precisava praticar diferentes tipos de golpes para cada espécie. Após iniciarmos as nossas atividades e ter os primeiros encarcerados sobrenaturais, criamos diversas  situações para lutar e testar os nossos métodos e teorias. 

Ter os Renegados ao meu lado foi uma excelente decisão, pois aprendi muito com eles.

Sempre que possível, envolvia o meu pai nos treinos. Era importante que ele soubesse se defender, também. Apesar que era eu quem aprendia no

final.

Assim, após todos os cuidados, eu acreditava que estava preparada para tudo que pudesse surgir. 

Ledo engano.

Desde quando cheguei na cidade, o meu passado começou a me assombrar. Sinceramente, eu não estava pronta para encará-lo depois de tantos anos.

As noites eram intermináveis e a maioria delas eram dolorosas, pois passei a ter pesadelos constantes com o dia da retirada do meu ser sobrenatural. E o rosto do filhote Cauã aparecia neles, toda vez, procurando e chamando pela antiga Sakari.

Sempre acordava ofegante. 

"Aquele covarde deve estar se achando o todo poderoso…" — Pensei ao lembrar das palavras da bruxa sobre transferir os meus dons para ele.

"Se bem que ele era uma criança… O culpado foi o seu pai… Joe sempre me pediu para ter ódio de Cauã…" — Tentava libertar-me do rancor por ele.

"Então, que faça bom proveito! Eu perdi a minha identidade, mas ganhei algo muito mais importante, o amor de um pai, algo que jamais teria se tivesse continuado na alcateia. Sou muito mais feliz agora." — Decidi mesmo sabendo que não era 100% verdadeiro. Faltava algo...

"Devo me preparar para o dia que você passar por aqui, Cauã Blackwood. Porque um dia, eu sei que nos reencontraremos …" — Suspirei ao pensar.

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