Das Cicatrizes, Ao Pleno Amor

Das Cicatrizes, Ao Pleno Amor

Capítulo 1 Emília

*Emília Borges, 26 anos*

De pé sobre o túmulo, Emília olhava para a lápide cinza, onde a escrita do nome de seus pais estava penosamente legível.

"Mãe e esposa querida, Adriana Barreto Borges"

"Pai e esposo querido, Paulo Freitas Borges"

Emília suspirou profundamente, as lágrimas já haviam secado de seu interior, os poucos conhecidos partiram, e ela se viu mais sozinha do que já se sentia nos últimos anos. As flores deixadas ao redor da lápide, apesar de lindas e de cheiro suave, para Emília, era a sentença da solidão. A tarde estava próxima do final, e o clima frio e de cor cinzenta, só realçava a tristeza do seu coração. Fechando os olhos, ela tentou relembrar quando sua família era completa e cheia de paz.

Se viu sentada na mesa, numa tarde de sábado, sua mãe tirava do forno pãezinhos de creme de cebola (os seus preferidos), seu pai coava um café, e ela recitava os seus estudos para a avaliação de história na escola. Inspirou fundo, e a memória era tão vívida, que parecia sentir o aroma e sabor daquele simples café da tarde.

Um sutil sorriso desenhou seu rosto avermelhado pelo pranto, mas foi só abrir os olhos, e a triste realidade estava na sua frente. Seus pais se foram... sua mãe há dez anos, e agora seu pai. Na verdade seu pai havia ido com sua mãe, pois após a trágica e inesperada morte de sua mãe, por um ataque de abelhas, seu pai se transformou num alcoólatra irresponsável, afogando as mágoas nos bares. O homem gentil e provedor do lar, se foi, dando lugar há um homem depressivo e de alma morta.

Com apenas 16 anos, Emília teve de assistir a decadência de seu pai, como: perder o emprego e não conseguir outro, voltar bêbado para casa, (isso quando ela não era chamada para ir buscá-lo) ficar sem dinheiro, se envolver em dívidas bancárias, perderem o carro, a casa, e por fim, emprestar de agiotas para sustentar o vício. Sem saída, Emília teve que largar os estudos, e trabalhar em dois empregos. De dia, como doméstica na casa de uma família rica, no interior do Paraná, e de noite sendo garçonete numa lanchonete simples. Um salário e meio para pagar aluguel, contas, e alimentação. Essa foi sua vida nos últimos anos.

Se a morte da sua mãe foi um tanto inesperada, o contrário foi seu pai, que mesmo com cirrose, e câncer no fígado, só parou de beber quando não podia controlar sua vida, mas ainda no leito de morte, pedia incessantemente por cachaça.

Emília se virou lentamente, refletindo em como sua vida chegara a tantas dores. A passos lentos, ela caminhou para a pequena casa que morava, foi uma longa caminhada, mas ela precisava disso, espairecer, deixar que o vento do outono soprasse suas dores, a solidão, a falta de uma mão amiga, a falta de alguém que a amasse.

Observando as árvores, com sua folhas secas, e galhos ressequidos, Emília se sentiu exatamente como a estação, estava em seu pior momento, mas talvez fosse só uma passagem, para algo novo e desconhecido.

Doía? Sim, e muito!

Mas deveria se entregar como seu pai? Não! Sem chance!

Lembrou de um versículo bíblico, onde sua mãe sempre repetia:"O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã."(Salmos 30:5).

Nesses pensamentos, Emília buscava a força que lhe faltava, uma moça amorosa, que em meio a todo cansaço e sofrimento, nunca se deixava abater, pelo contrário, onde passava deixava o brilho contagiar as pessoas ao redor, com seu sorriso doce, olhos negros e sensíveis, gestos amáveis e ternos. Emília possuía a boa aura de uma moça educada e simples. De uma aparência angelical, não só física, com seus longos cabelos negros e ondulados, olhos pretos e brilhantes, e pele alva, mas angelical em tudo que fazia, na sensibilidade com o próximo, no coração generoso, e na disposição em ajudar qualquer que a pedisse. Conhecida por todo bairro da periferia onde morava, por sua benfeitoria, amada pelos patrões por seu jeito gentil e honesto. Em poucas palavras, essa era Emília Borges.

Chegou na rua da casa já escurecia, alguns vizinhos lhe davam os pêsames. Quando entrou em casa, as vizinhas mais chegadas, se aproximaram e deram á ela, uma forma de torta, bolo, e uma jarra de suco de maracujá. Emília agradeceu, e o que mais tocou seu coração foram os filhos dessas mulheres, crianças que faziam parte da sua vida, fizeram um lindo cartão, com palavras consoladoras. O abraço caloroso e inocente, seria o combustível para enfrentar a pior fase da sua vida, que ainda estava por vir.

Ela pediu que todas ficassem, e junto delas, mesmo sem fome, comeu. Mais tarde, todas foram, Emília, sentindo o luto tomar conta de si, foi até o banheiro tomar um banho, e ver se conseguiria dormir.

Ainda debaixo do chuveiro, Emília ouviu vozes masculinas alta, seguida de pancadas violentas na porta. Seu coração gelou, fechou a torneira e puxou uma toalha, as pancadas já estavam na porta do banheiro. Sem tempo de vestir uma roupa, Emília se encolheu na toalha, e no canto da parede, ofegava desesperada, aguardando a porta vir ao chão.

Não demorou para dois homens altos e de aparência amedrontadora, arrombarem a frágil porta e sorrirem maliciosos ao ver a pequena moça aterrorizada no canto.

— Está aqui, chefe!— gritaram os dois.

Emília tremia, e o terror era tão grande que não conseguia falar, e nem respirar direito.

Os trogloditas a puxaram para fora do banheiro, a levando até o chefe. Tudo que ela fazia era segurar a toalha envergonhada. Na sala, sentado num sofá rasgado e velho, estava Matias Santos Touro, um agiota perigoso. O homem que passava dos 50 anos, em seu terno alinhado e fino, cruzou as pernas e observou Emília de alto a baixo, com um perversa curiosidade.

Emília mantinha os olhos baixos, agarrada na toalha que cobria seu corpo precariamente, sem emitir um único som, a não ser da respiração ofegante.

— Emília Borges.— a voz grave e terrivelmente pacífica soou.

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Erlete Rodrigues

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2024-11-05

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