20 - E foi no meio da noite que ela partiu.

Os dias se tornaram semanas rapidamente, depois de muita insistência da minha parte pelo menos, Marjorie concordou em usar o dinheiro que meu pai havia dado para desaparecer e assim reformar o hotel.

A parte mais difícil foi encontrar homens que quisessem trabalhar ali então quando dois lobos apareceram pedindo por abrigo e emprego, Marjorie aceitou sem pestanejar então agora tínhamos um carregador de bagagem e um manobrista. Como quase nunca tínhamos clientes, os dois ajudaram na reforma, enquanto Marjorie e eu cuidávamos da pintura do lado de dentro, inclusive restaurando os papéis de parede antigos.

Ravi por outro lado parecia se divertir em sua cadeirinha me vendo coberta de tinta, notei que nos últimos dias Marjorie tem se movido com mais lentidão, ela brincava com Ravi e logo se cansava rápido.

— Está tudo bem Marjorie? — perguntei ao colocar o pincel dentro da lata de tinta e caminhar até ela que sentou-se na cadeira com falta de ar.

— Estou bem, somente cansada… A idade chega para todos não é mesmo. — Ela tentou brincar com as palavras, porém estava nítido que mentia.

— William! — Chamei o recém contratado que passava no corredor segurando algumas tábuas nas mãos, ele parou de imediato esperando.

— Ajude Marjorie a chegar em seu quarto, pode ser? — Mal terminei de falar e ele já entrou no quarto esticando a mão para ajudá-la a se levantar, observei com cuidado ela caminhar e percebi que William estava praticamente carregando ela até seu quarto, ela mal tinha força para andar.

(...)

Quando a reforma enfim terminou, o hotel ganhou um brilho a mais. Todo final de semana casais se hospedavam no hotel e agora tiravam fotos no jardim que teimei em fazer, havia diversas flores plantadas na entrada do hotel, e ao fundo um parquinho improvisado foi feito. Confesso que quando aquele parquinho para criança foi montado, pensei de imediato em meu filho.

Quatro meses, e o hotel já tinha uma boa fama, não éramos uma pousada de férias, mas diversos casais de lobos vinham se hospedar e com isso o caixa do hotel não ficava mais no vermelho, entretanto, minha única preocupação era que Marjorie não estava presente para ver essa evolução, ela vivia dentro do quarto com a saúde debilitada.

Ravi era o que mais visitava Marjorie, afinal de contas ela fazia questão de ter a companhia do pequeno ao seu lado, pela manhã eu levava seu café da manhã, quando Ravi acordava levava ele até ela, e lá ele ficava até o anoitecer; não sei o que eles faziam naquele quarto porém o silêncio de ambos sempre denunciava que estavam aprontando algo. A última vez que entrei no quarto ao entardecer vi todas suas roupas que ficavam no guarda roupa no chão, e Marjorie estava sentada dentro da divisória do guarda roupa brincando de caverna com Ravi, que por sua vez gargalhava.

A última vez que entrei no quarto no mesmo horário vi os dois deitados na cama entregues ao mundo do sono.

— Desculpa, te acordei? — Marjorie se mexeu na cama abrindo os olhos, o que me fez assustar um pouco. Ela sorriu negando com a cabeça, e como não teria outra chance aproveitei que meu filho dormia e decidi que teria uma conversa franca com ela.

— Marjorie, eu quero a verdade. O que está acontecendo? — Assim que perguntei ela se levantou da cama me guiando até a varanda de seu quarto. Havia duas cadeiras de balanço ali, o que me levou a pensar que aquele quarto em especial tinha sido projeto para duas pessoas envelhecerem juntas e ficarem ali sentadas olhando a lua no céu.

— Sabe porque eu sei como é ser renegada? Porque eu fui renegada, essa terra foi tudo que minha familia me deixou. O lobo por quem me apaixonei, me renegou então vim morar aqui, na verdade eu tinha planos de construir uma familia com essa lobo, o plano era envelhecer e passar nossos dias aqui sentado nestas cadeiras, até o último suspiro… — O olhar de Marjorie era distante, ela parecia estar perdida em memórias. Um sorriso fraco escapou de meus lábios, pois quando eu tinha meus dezoito anos tinha essa imagem na minha cabeça enquanto trocava cartas com Harlan.

— Mas eu descobri que uma loba renegada e sem a marca do companheiro pode adoecer e morrer… Acontece minha doce Siobhan que estou doente a muito tempo, sabe quando você chegou aqui? Eu estava indo pegar meu carro, a intenção era dirigir até o penhasco do territorio Bennet, onde iria saltar… Encontrar você e o pequeno Ravi, me fez ver que não era meu momento de partir. — As palavras de Marjorie me acertaram em cheio, voltei meus olhos para sua expressão serena que olhava o horizonte.

— O que posso fazer para te ajudar? Tem que existir alguma solução. — Falei olhando para Ravi que dormia na cama de casal dela, senti seus dedos frios tocarem minha mão e me assustei.

— Existe, mas já vivi o suficiente e até mesmo tive um neto. Você me deu a liberdade para adotar o pequeno ali como meu neto e isso aqueceu meu coração. Entretanto, existe um amuleto que pode impedir a morte de uma loba sem a marca e você, minha criança ainda tem uma vida toda pela frente, a vida me tirou o suficiente, porém não permita que isso aconteça com você. — Ela se levantou da cadeira tocando meu rosto com carinho, nesse momento uma lágrima escorreu por minha bochecha.

— Procure, encontre este amuleto e viva para ver seu filho crescer, ver seus netos e talvez bisnetos. — Marjorie falou de forma tão calma e serena, ela caminhou novamente em direção a sua cama onde após conversar mais um pouco resolvi levar Ravi para seu quarto.

Naquela noite quando fui levar o jantar para Marjorie, a encontrei deitada na cama, seu rosto era calmo, havia uma paz inexplicável em seu semblante. Ela partiu naquela mesma noite, me deixando o hotel e tudo que nele havia.