Capítulo 17

Em meu quarto. Numa noite em que as forças da natureza pareciam digladiar produzindo faíscas reluzente, senti o contato que Darkness estabelecia com Set. Ali, no silêncio aterrador da noite, envolto apenas por meus receios, parecia participar do encontro entre meu amigo e seu libertador.

O local do encontro, embora tudo se passasse dentro de nossas mentes, retratava um campo árido e pedregoso. Não se via nem um vestígio de qualquer elemento o qual se pudesse identificar vida. Tudo era disforme e tétrico.

-- Bem vindo\, Set. Soou a voz característica de Darkness.

-- O que faz em minha casa? Set deixou claro sua contrariedade.

-- Ainda não observou o local onde nos encontramos. Melhor que se familiarize com ele.

-- Mas que diabos... Set lançou um olhar superficial em redor. Ao verificar o quão estéril era o ambiente\, observou-o com mais atenção. Onde estamos?

-- Esta é a porta de entrada para o vale que acolhe aqueles que ousam por um fim a sua existência.

-- O que?

-- Aqui começa o vale dos suicidas.

-- O que estamos fazendo aqui?

-- É chegada a hora de sua libertação.

-- Ah\, sei! Acontece que não acredito em milagres. Ninguém pode extirpar a dor que nos golpeia apenas por imposição.

-- Não o trouxe aqui para realizar milagres. Tem razão em não acreditar que a dor possa ser extirpada pela imposição\, mas pode transmutar-se através do conhecimento. Se permitir\, é este conhecimento que desejo lhe ofertar.

-- De onde provém este seu tão eloqüente conhecimento?

-- Uma vez já revelei a vocês que já vivi todas as dores do mundo. Deseja que lhe mostre como?

-- O que vai fazer?

-- Deixe-me dar uma pequena amostra do quão profunda é a dor que dilacera meu ser.

Darkness aproximou-se de Set e colocou suas mãos sobre sua fronte. Não demorou muito e ele começou a ser sacudido por espasmos violentos. Tudo não passou de alguns segundos, mas o resultado perduraria para sempre.

-- Consegue avaliar o quão pungente é meu existir? Darkness tinha os olhos cerrados pela dor.

-- Eu não fazia idéia. Sussurrou Set.

-- Deseja viver este tormento por toda eternidade?

-- Não. Eu não suportaria tanta dor.

-- Então me permita que o liberte.

-- Como?

-- Sente-se.

Set, ainda trêmulo, sentou-se e aguardou.

-- Feche os olhos e procure afastar qualquer pensamento de sua mente. Quando sentir que o vazio tomou conta dela\, pense na dor. Apenas na dor.

Set seguia as orientações de Darkness com empenho. Aos poucos seu semblante foi se transfigurando e seu corpo sendo acometido por convulsões. O limite para tudo pareceu chegar quando Set explodiu em um grito lancinante. Sem sentidos, pendeu e desabou. O elo havia sido rompido. Estava em casa novamente.

Fobos, Eve e eu havíamos partilhado cada segundo daquela vivência. Ao nos encontrarmos, dias mais tarde, não precisamos de muitas palavras para entender o relato que Set apresentava. Os demais se assombravam com tudo.

-- Sente-se livre após a experiência? Quis saber Deimos.

-- Não sei. Talvez mais leve.

-- Agora\, talvez\, não sinta mais tanta animosidade com relação a Darkness. Comentou Fobos.

-- Acredito que não. Mas ele ainda me parece sinistro e também me assusta um bocado.

-- Darkness não nos encontrou por acaso. Informou Eve.

-- O que? Lilith estava mesmo espantada com aquela revelação.

-- Ele percorre os mundos atrás das irradiações que desprendem dos espíritos daqueles que vivem. Quando estas vibrações se harmonizam ou entram em sintonia com as dele\, ocorre o encontro.

-- Quem é ele\, afinal? Perguntou um intrigado Mefisto.

-- Um ser que se propôs a auxiliar aqueles que se encontram na escuridão.

-- Talvez seja por isto que se apresenta com este nome ridículo. Gracejou Set.

-- O nome é este mesmo. Ele reflete o estado de sua alma atormentada.

-- Mas se é tão atormentado assim\, como consegue libertar-nos? Indagou Set\, agora sem qualquer resquício de zombaria.

-- O fato de sentir as mesmas dores que nos consomem\, faz com que ele saiba exatamente aquilo que pode nos aliviar o sofrimento.

-- Por que não se liberta das suas\, então? Inquiriu Pandora.

-- Isto eu não sei. Eve respondeu resignada.

-- Não sei se me apiedo ou irrito com ele. Desabafou Lilith.

-- Darkness está além de nossas possibilidades. Seu tormento\, talvez\, jamais tenha um fim.

-- Mesmo assim ele se dispõe a auxiliar aqueles que sofrem? Deimos parecia inconformado com a situação.

-- Esta é a saga que ele vive.

-- Ele não é humano\, é? Perguntou Pandora.

-- É tão humano quanto qualquer um de nós.

-- Mas isto é impossível! Exasperou-se Pandora. Nenhum ser humano suportaria tanto ou se disporia a tal sofrendo o quanto dizem que ele sofre. Além disso\, quem poderia viver por tanto tempo assim?

-- Talvez a estas perguntas jamais tenhamos respostas. Lembram-se do que ele nos falou: “as respostas devem ser encontradas por cada um de vocês. Somente quando estiverem maduros as encontrarão.”

-- Isto soa mais como uma desculpa esfarrapada. Para mim ele não quer que saibamos que ele não passa de um doutrinador barato\, ou mesmo um grande farsante. Mefisto nos lembrou Set ao acusar Darkness.

-- Posso assegurar que ele não é nada do que acabou de afirmar. Apressou-se Set em defender Darkness.

-- Sei. Se ele é assim tão especial\, por que ainda não ofereceu esta liberdade a mim? Será que minha dor ainda não o tocou?

-- Tocou mais que a dos demais\, Mefisto.

Novamente Darkness se manifestava sem que pudéssemos saber como ou quando chegara.

-- Dark! Exultou Eve.

-- Boa noite\, amigos.

-- Não o vimos chegar. Falou Pandora.

-- Estava observando o diálogo.

-- Por que tem que se mostrar sempre assim? Não pode chegar como qualquer um de nós? Esbravejou Lilith.

-- Não pensei que isto os incomodava.

-- Pois agora já sabe que sim.

-- Sendo assim\, da próxima vez não vou mais me materializar instantaneamente. Chegarei igual a todos.

-- Acho bom.

-- Quanto ao assunto que estavam discutindo\, sempre deixei claro que poderiam perguntar-me o que desejassem. Não tenho a intenção de ocultar qualquer detalhe de vocês. No entanto\, devem compreender que algumas respostas só poderão ser apresentadas quando estiverem prontos para entendê-las.

-- Por que não abrandamos os ânimos e conversamos sobre assuntos mais agradáveis. Sugeriu Eve.

-- É\, melhor falarmos sobre a mansão do terror. Zombou Mefisto.

-- Como é? Darkness fingiu uma zanga que não possuía.

-- Desculpe a indelicadeza\, falei no bom sentido.

A gargalhada foi geral. Desde que surgira em nossas vidas, era a primeira vez que víamos Darkness expressar-se de modo mais informal. Eve sorriu para ele como se a brincadeira a tivesse tocado mais que a nós.

-- Agora falando sério\, quando podemos ir até sua mansão\, outra vez. Perguntou Mefisto já refeito da onda de riso.

-- Quando desejarem.

-- Oba\, tô nessa! Vibrou com satisfação.

-- Por que iríamos até lá? Indagou Lilith.

-- Sei lá. Para passar o tempo. Respondeu Mefisto.

-- Então será pura perda de tempo. Lilith estava mais amarga que nunca.

-- Dark. Eve agora só o tratava assim.

-- Sim.

-- Tem certeza que ainda não é hora?

-- Ainda não.

-- Hora para que? Interpelou Pandora toda assanhada.

-- Hora para levá-los em outra viagem.

-- Mais um daqueles lugares medonhos? Lilith realmente não estava em seus melhores dias.

-- Os locais que lhes mostrei eram como eram por vontade de vocês. Poderia mostrar-lhes lugares cuja beleza supera qualquer idéia que já tenham tido a respeito da beleza.

-- Sinto-me linda como sou. Afirmou Pandora.

-- Você é linda! Confirmou Darkness. Falava de outro tipo de beleza.

-- Além da nossa? Continuou Pandora.

-- A beleza natural de regiões paradisíacas.

-- Não tenho vontade de conhecer o paraíso. Adiantou-se Lilith.

-- Por isto não os levei até ele. Sei que o conceito de beleza que apreciam difere da normalidade.

-- Ah\, agora deu para nos condenar por sermos como somos. Zangou-se ainda mais Lilith.

-- Engana-se. Jamais os julgaria por serem como são. Antes que pudessem supor que fossem góticos\, eu já exercia minha angústia. Não os julgo da mesma forma como não julgo ninguém. Não me cabe a toga de magistrado.

-- O dia hoje não está sendo muito agradável para Lilith. Informou Fobos.

-- Ora\, me deixem em paz!

Subitamente ela disparou por entre os túmulos e sumiu na penumbra da noite.

-- Vou ver o que se passa. Disse Fobos indo atrás dela.

-- Parece que nosso grou está passada. Comentou Set.

-- Podemos começar a reunião? Quis saber Pandora.

-- Acho que sim. Respondi.

Darkness parecia alheio a tudo. Seus olhos apresentavam um vazio impenetrável. Lentamente ele foi se abaixando até ficar na posição que mais lhe agradava, de cócoras.

-- O que ele faz? Perguntou Mefisto.

-- Segue-os. Respondeu Eve.

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