Capítulo 6

O som sinistro que tanto gelara nosso sangue ressoou na noite. Outra vez nos víamos diante do enigmático Darkness.

-- O que deseja aqui? Não percebe que não é bem vindo?

-- Afirmam serem vítimas da dor. O que sabem sobre dor? Um revés rasteiro que lhes tolheu o desejo de viver? Um olhar mais debochado que lhes impingiu humilhação? O que sabem sobre a dor?

-- Não ironize nosso modo de viver. O que tem a ver com nossa escolha?

-- Nada.

O tom lacônico utilizado por Darkness nos deixou assombrados. Num átimo pareceu-nos que todo ser de Darkness emanava dor e angústia. Seus olhos frios derramaram lágrimas furtivas. Em suas mãos, filetes de sangue corriam em direção ao ar.

-- Por que negam a oportunidade que têm? Não bastam os percalços que tão tenazmente se impõem a vossa frente? Por que teimar em obstruir mais e mais o clarão da lua?

O tom lamentoso sugeria uma dor até então desconhecida a todos nós. Dos olhos de Drakness já não eram mais lágrimas a perderem-se pelo rosto, mas sim fios rubros de um sangue rutilante.

-- Você está... está... Eve tentou expressar aquilo que todos sentíamos e testemunhávamos. Não conseguiu.

-- Se desejam\, tanto assim a dor\, posso lhes dar uma pequena demonstração do que significa estar realmente ferido.

-- O que está propondo? Inquiriu Fobos.

-- Não são admiradores da dor\, da angústia\, da morte? Pois então\, posso levá-los até os domínios desta irascível senhora.

-- Quer nos levar até o outro mundo! Admirou-se Pandora.

-- Exato. Por alguns segundos poderei colocá-los em contato com os campos para onde vão aquelas almas que se deixam dominar pela depressão. Um pequeno quadro é evidente\, mas garanto que não se arrependerão daquilo que irão experimentar.

-- Como saber se tudo não passará de mera ilusão? Interrogou Fobos.

-- Não saberão.

Obedecendo à orientação de Darkness, nos colocamos em um círculo. Ao centro o próprio se encarregou de conjurar seus poderes.

-- Estendam suas mãos de modo que elas fiquem postadas sobre a daqueles que lhes ladeiam. A mão esquerda deve\, sempre\, sobrepor-se a direita. Porém\, um não deve tocar a mão do outro\, apenas a mantenha sobre a outra. Depois fechem os olhos e se concentrem.

Mal havíamos cerrado os olhos, sentimos nossos corpos formigarem. Inicialmente nossas mãos foram sendo tomadas por algo que nos pareceram pequenas descargas, depois estas descargas foram se espalhando até tomarem conta de todo nosso ser.

-- Eu\, na condição de Senhor das vicissitudes\, conclamo as forças que regem as dimensões e torno-me portal para aqueles que anseiam adentrar os domínios da morte. Por momentos eu lhes concedo o dom da visão e da vidência!

Trovões e relâmpagos fenderam o manto escuro da noite. Um caudal aquoso principiou um violento bailado por sobre a abóbada noturna. De repente o chão nos faltou. Éramos como folhas soltas no ar. Uma força incomensurável nos conduzia para um mundo além de nossas imaginações.

Quando tudo voltou a ser silêncio e a ficar imóvel, tentamos abrir nossos olhos mas foi em vão. A escuridão reinante era tamanha que mal conseguíamos divisar nossos próprios corpos. Por segundos intermináveis permanecemos quais cegos diante de um ambiente desconhecido.

-- Estão sentindo? A voz de Darkness soou mais sinistra que nunca.

Embora tentássemos assimilar algo, não éramos capazes de entender o que se passava. O medo começava a tomar conta de nós. Intimamente sentíamos que havíamos entrado em um jogo, ou algo parecido, no qual éramos meros figurantes.

-- Ainda estão no círculo mágico da energia. O ambiente que os acolhe e mais denso e lúgubre. Aos poucos irão se adaptando a ele. Soltem suas mentes e apreciem.

O tom sarcástico empregado por Darkness gelou nosso sangue. Eu, intimamente, não estava gostando nem um pouco de tudo aquilo. Sentia meu corpo tremer como nunca havia antes. Não sabia se era por medo ou qualquer outro sentimento, mas o certo era que estava apavorado.

-- Agora já estão se tornando mais semelhantes ao local onde estão. Lentamente abram seus olhos. Mas bem lentamente. Sintam que ele vai se acostumando com a escuridão. Ao terminarem de abri-lo\, poderão admirar todo esplendor da dor.

Após ser atingido pelo impacto de um breu sem igual, fui exercitando a mansidão que se exige dos monges enclausurados. Demorei uma eternidade para descerrar meus olhos. Talvez tenha sido o último a fazê-lo por completo, e este pode ter sido o fator que me levou a prostrar-me sem fala ante o quadro que se descortinava a nossa frente.

A visão de um vale totalmente estéril e frio já seria suficiente para encher-nos de pavor. Porém, as criaturas que... que... rastejavam sobre o chão...

Não, não poderia ser verdade! Aquela cena deveria ser resultado de uma alucinação muito forte. Nem mesmo em meus piores pesadelos poderia imaginar quadro mais dantesco. Se aquilo fosse o inferno, então era pior do que minha mente o imaginara.

-- Aproveitem bem o tempo que lhes foi concedido. Compartilhem a dor e a agonia que domina estes miseráveis!

Olhando meus companheiros, percebi que estes se curvavam sobre o próprio corpo. Num primeiro momento não soube o motivo, mas assim que fui atingido pela energia pungente que irradiava por todos os lados, foi como se

estivesse sendo lacerado.

Dor! Uma dor tão forte que nos obrigava a dobrar nossos corpos. Uma dor tão forte que nos impedia de respirar normalmente. Uma dor tão forte que nossas almas pareciam estar sendo consumidas por uma chama mista de fogo e ácida. Uma dor tão forte que nossos sentidos se perderam na contingência do fim.

-- Estes são apenas aqueles que se entregaram a uma vida de lamentações\, inveja\, submissão\, negativismo. Este plano não retrata a dor que consome aqueles que se deixaram levar pela angústia e abreviaram a própria vida. Este é um plano mais leve diante daqueles que acolhem os desvairados mais aguerridos.

Tremendo e gritando mais que podíamos, sentimos nossos corpos serem banhados por algo viscoso e tépido. Um olhar mais concentrado e testemunhamos a ocorrência mais horripilante que um ser humano é capaz de suportar. Chagas abertas expeliam uma mistura de sangue e líquido putrefato.

-- Não! Não tentem fechar os olhos. Suas pálpebras estão presas. Não teria valor uma experiência desprovida da visão. Admirem e desfrutem de todo glamour que a entrega ao nefando habito de se autoflagelar origina.

Darkness havia prometido uma experiência curta. Não era o que estávamos tendo. Ao menos não nos parecia ser assim. À medida que tentávamos caminhar pelo vale, sentíamos que nossas forças exauriam-se e éramos obrigados a locomovermos igual a todos os outros. Em instantes rastejávamos sobre aquele solo arenoso e insuportavelmente quente.

O flagelo ao qual aqueles seres eram submetidos nos encheu de revolta. Bradando o mais alto que podíamos, esconjurávamos Darkness por nos fazer passar por aquela situação. Maldizíamos a conduta sádica que ele assumira.

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