Capítulo 3

Desde então, viveu rondada pela presença constante da morte. Não era de se estranhar que se sentisse tão fascinada por ela. Apesar desta provação, ou talvez motivada por ela, nunca pensou em abreviar sua existência. Estava imbuída da determinação de aproveitar cada momento que ainda tinha para viver.

Ah, em tempo, em breve ela completará dezessete anos.

Por fim, eu, Hades. Dezessete anos de uma vida sem graça. Vitima, será que é certo definir assim? Bem, considerava-me uma vítima da timidez causada pela má formação de meu porte físico. Em outras palavras, me achava feio. Sem a menor chance de conseguir conquistar a atenção de alguma garota.

Tentei sufocar minha timidez entregando-me aos estudos. Tornei-me, quer dizer, acabei me destacando dentre os demais. Iria dizer que havia me tornado inteligente, mas creio que isto seja algo que já trazemos em nós desde o momento da concepção.

Chegou um momento em que estava estafado. Já não conseguia mais me concentrar em nada. Foi quando os “amigos” surgiram com a “solução” para tudo; as drogas. Embarquei nesta de cabeça. Estava com treze anos. Minha primeira “viagem” foi além de minhas forças e ali mesmo terminei com os embalos das drogas. Havia experimentado uma overdose.

Meses internados em um hospital e depois o caos. Minha família simplesmente me virou as costas. Porque iam perder seu precioso tempo e desperdiçar suas energias com um derrotado? Que eu me virasse.

Rodei por muitos cantos até ser acolhido por um velho meio lelé. Que de louco não tinha absolutamente nada. Ele me abriu os olhos e evitou que me perdesse de vez. Antes de morrer, sugeriu que eu procurasse um tal de Antenor. Foi no estabelecimento que este Antenor dirigia que encontrei o grupo.

— Está pensando em que, Hades? Perguntou-me Fobos.

— Heim?

— Parece alienado.

— Não sei se devemos ir. Algo me diz que não deveríamos.

— Hei, pessoal! Nosso caçula está com medo!

O riso, embora não fosse debochado entre nós, vazou a ironia de todos. Não era por medo que desejava evitar aquele passeio, afinal já havíamos realizado tantos outros. Mas naquela noite... bem, a verdade era que minha

sensibilidade estava aguçada.

— Não é medo. Retruquei.

— Se não é medo, desafiou-me Fobos, então deixe de não me toque e vamos.

Muitas foram às vezes em que me perguntei porque aceitara participar daquele grupo. Aos dezessete anos tudo que mais queria era fazer parte de uma tribo. A mais próxima de meus anseios e objetivos era aquela. Fazer o quê?

Nossos trajes, tão escuros quanto a noite que nos acolhia, fazia-nos parecer quais camaleões a transitarem por ruas e vielas pouco movimentadas. Fobos seguia sempre à frente. A seu lado Lilith, sua namorada. Os demais iam seguindo aleatoriamente. Não tínhamos uma posição ou um posto. Apenas Fobos e Lilith estavam além de nossas frágeis participações.

À medida que caminhávamos sentíamos o odor nauseabundo que pairava no ar. A data havia sido especialmente escolhida por todos. A noite que antecedia o dia das bruxas estava povoada por criaturas sinistras. As energias que se cruzavam nada prognosticavam de bom para a noite. Tudo conspirava para que meus temores se tornassem mais e mais gritantes.

Quando finalmente chegamos a nosso destino, Fobos deteve-nos e, como um líder inquestionável, ordenou:

— Silêncio! Precisamos manter a discrição. Se alguém nos flagra, adeus reunião.

Enquanto aguardávamos que Fobos nos ordenasse a ação, ele permanecia impassível ante o portão de nosso objetivo. Nenhuma alma viva podia ser vista nas proximidades e ainda assim Fobos nos mantinha ocultos nas sombras. De repente, ele nos mirou e bradou:

— Agora!

Como se houvéssemos sido atingidos por descarga elétrica, saltamos e corremos. Sem mesmo calcular a distância e a altura, saltamos o muro que nos separava de nosso intento. Com ágeis movimentos e em poucos segundo, estávamos no interior do mortiço cemitério.

As lápides reluzentes não nos atraiam. Procurávamos por aquela que já nos havia servido de altar. A história do corpo que jazia em seu interior era tão assombrosa quanto o fato de estarmos ali. Os restos mortais de um cruel

coronel que cometeu os mais insanos crimes, era o despojo que compunha nosso espólio.

— Sejam bem vindos ao templo da morte. A voz de Fobos soava cavernosa toda vez que desejava nos impressionar.

— Esqueçam os medos que tentam dominar suas almas. Olvidem os receios que tumultuam suas razões. Acolham a dor, a angústia, o desprezo pela vida. A hora é de reverenciar a morte!

Se ainda faltava um único fator que nos conduzisse ao pandemônio de incertezas que grassavam em nossos íntimos, o estrondoso trovão que se seguiu ao término da invocação feita por Lilith, serviu como complemento. Por instantes, apenas o silêncio se fazia ouvir.

Antes que Fobos pudesse prosseguir com os ritos inerentes as nossas reuniões, um riso estridente e funesto cortou a noite. Imediatamente nos colocamos em alerta procurando pela origem de tal riso. Não precisamos procurar muito. Postado de cócoras sobre um dos túmulos, uma figura lúgubre e esquálida dardejava correntes de sensações inéditas.

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