HAYUN
Jae tinha vindo tomar café com a gente e as coisas estavam estranhas. Parecia até que estavam me empurrando para cima dele. Eu não o via há muito tempo...
O que eu não entendia, era que ele tinha acabado de sair de um encontro, minha tia e minha prima podiam ser um pouco estranhas às vezes.
— Então Yun, você ensina o que? — Jae puxou assunto.
— Artes para as crianças, também ensino outros idiomas em uma universidade.
— Legal.
Senti alguém me chutar por debaixo da mesa. Minha tia.
— E você? — Sorri tentando não demonstrar desânimo.
— Sou pediatra.
— Olha que legal! Vocês dois amam crianças — Minha tia sorriu animada.
Jae me olhou sem graça. Eu queria cavar um buraco e me enterrar. Tudo bem, eu tinha vinte e cinco anos, mas e daí que eu estava solteira? Eu me sentia sim sozinha, mas não estava desesperada. Também após dois namoros sérios e algumas desilusões pelo caminho, eu não tinha muito ânimo para o amor.
— É, incrível — Falei ironicamente.
A conversa morreu aí. Hana salvou a pátria puxando um assunto com Jae, minha tia me olhou como se pedisse desculpas, eu apenas fingi que não vi.
Alguns minutos depois, Jae foi embora, Hana foi o levar até em casa já que ele era praticamente nosso vizinho. Ficamos apenas eu e tia Chun.
— Terminei — Sequei as mãos após lavar os pratos.
— Obrigada pela ajuda, querida.
— De nada.
— Yun — Tia Chun me chamou. Eu a encarei. — Me desculpe.
— Pelo o que?
Eu não era uma pessoa fácil, nem mesmo para as pessoas que eu amava, odiava que decidissem as coisas por mim desde sempre. Eu tinha sim me chateado.
— Você sabe muito bem, não se faça de boba — Ela sorriu. — Você não me engana.
— Não estou enganando.
— Eu só quero cuidar de você, desde que seu pai...
— Eu fiquei sozinha, me isolei... Eu sei de tudo isso, tia, mas isso já fazem treze anos, pode não parecer, mas eu estou bem.
— Às vezes acho que isso te impede de encontrar alguém, você é muito amarga com relacionamentos. Antes eu acreditava ser por causa da idade, mas você conheceu tantos rapazes legais.
— O que me impede são essas pessoas desonestas... Nada contra o Jae, só não é ele.
— Hana é muito idiota, mas um dia vai casar e eu não estarei aqui para sempre — Ela me olhou preocupada. — Promete que vai tentar achar alguém?
Isso não era prioridade para mim, mas se a incomodava tanto...
— Prometo.
Minha tia sorriu e me abraçou. Eu a abracei apertado. Eu amava a minha família mais que tudo nesse mundo. Ela podia não entender que eu era feliz do meu jeito, mas eu era.
Fui para o meu quarto e abracei meu travesseiro. Claro que eu queria alguém, ter uma família, mas eu não tinha e nada podia ser feito. O tipo de cara que seria bom para mim não existia e além disso eu duvidava que eu o encontraria assim do nada.
Antes que eu pudesse controlar, senti lágrimas inundaram meus olhos. Merda, por que estava chorando afinal? Era só uma porcaria de vida amorosa com defeito.
Funguei alto e fui até a mala, precisava me concentrar em outra vida, algo que não tivesse impacto nenhum na minha. Deitei na cama e abri o diário em uma página qualquer.
"Estou morrendo de sono mas não consigo dormir, vai se foder... Não você agenda, você é legal e me escuta sempre. Estou parecendo um doido.
Queria jogar, mas meus amigos virtuais não estão online agora, eu também deveria estar "off" são quatro da manhã, culpa do meu trabalho que não me deixa dormir cedo".
No que será que ele trabalhava para chegar em casa tão tarde? Por mais que eu não quisesse imaginar coisas ruins, não saía da minha cabeça que talvez ele trabalhasse como segurança de boate. Não que isso fosse algo ruim, mas definitivamente era perigoso.
Até porque ele tinha todos os fatores, roupas caras, velho, péssimas condições trabalhistas, falava muito palavrão e já fez coisas bem bizarras.
Eu também era bizarra, mas nunca fantasiei com meus professores, só o personal trainer da academia... Mas quem nunca?
O velho continuou fazendo uma grande reflexão sobre o seu sono, até que a letra foi ficando cada vez mais bagunçada e então simplesmente parou. Comecei a rir. Ele provavelmente pegou no sono enquanto escrevia, esse senhor era engraçado demais.
Pulei algumas páginas, seu diário, ao contrário do meu, tinha data o que era muito útil pois assim eu sabia que era recente. Pulei para o verão já que esse diário aparentemente estava sendo usado há quase um ano e quase acabando.
Não acabando para mim, felizmente, ou infelizmente, já que quanto mais rápido eu lesse mais rápido eu devolveria... Eu me sentia horrível por invadir a privacidade de alguém, isso não estava nos planos, também não estava nos planos eu gostar desse senhor.
Não gostar assim de amar e querer alguma coisa, que bobagem, era um idoso! O que eu queria dizer é que acabei simpatizando com ele.
Respirei fundo e antes que minha mente começasse com os joguinhos mentais, voltei a ler.
"Verão. Verão deveria ser para ir a (a ou à? Eu nunca sei) praia, curtir com a família, mas o que eu estou fazendo? Estou em um hotel em Paris. Ah nossa "Paris" como sou reclamão, talvez eu seja mesmo, mas acontece que não aguento mais esse quarto minuciosamente arrumado.
Não que eu seja bagunceiro, mas hoje de manhã quando eu saí deixei minhas coisas por todo canto e quando voltei estava tudo arrumado. Odeio isso, essa sensação de que ninguém vive aqui, me sinto em uma revista".
Que velho chato. Sério que ele estava bravo por causa de um ambiente arrumado? Queria saber o que ele achou das minhas naftalinas (que ele não tinha na mala dele).
"Mas reclamações a parte, Paris é linda, eu poderia escrever uma música sobre ela. Se Paris fosse uma mulher, seria uma maldita gostosa.
Paris é além da Torre Eiffel e o Point Zéro, a comida é ótima, as pessoas são bem humoradas (quando querem) e a cidade inspira arte. Eu amo arte, aliás, agenda, não sei se já comentei sobre isso, na verdade é meio óbvio né?
Quando eu era mais novo pensei em ser desenhista de mangá, mas acho que não tenho talento suficiente para isso... Eu deveria desenhar aqui para você ver, agenda... É, eu sou louco, mas aqui vai o desenho".
O desenho estava na página seguinte, não era um desenho de mangá, era a Torre Eiffel no fundo e um rapaz deitado em um banco desenhando... Seria um desenho dele mais novo? Devia ser uma viagem com o neto...
Apesar de estar completamente em preto e branco, os detalhes, a paixão com que a caneta desenhava... Eu não pude encontrar um erro, era perfeito.
Me perguntei se esse rapaz era seu filho, então ele devia ter uma esposa, quer dizer, ele não falava sobre ser solteiro e suas desilusões amorosas se resumiam em mulheres que ele nunca achou atraente ou que ele nunca conseguiu sequer dizer seu nome.
Me senti estranha com essa possibilidade. E se ele for casado? E se a esposa dele visse minha mala e confundisse tudo? Meu Deus, eu podia estar estragando toda uma família.
Guardei o diário na mala novamente, não sabia o que fazer com toda essa paranóia. Felizmente escutei a voz da Hana vindo da cozinha, levantei e fui ficar com ela na esperança de esquecer esse diário de uma vez por todas.
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Atualizado até capítulo 86
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