Capítulo 07

Naquela noite, foi difícil pegar no sono. Várias vezes me vi sendo arrastada de volta ao passado, forçada pelas lembranças de Tomás. Em alguns desses episódios, Miguel surgia para me resgatar mais uma vez. Acordei de repente, consciente de que não conseguiria mais dormir. Levantei-me, tomei um banho para afastar o suor e o medo do pesadelo, e comecei a preparar o café. Sabia que minha amiga não demoraria a se juntar a mim.

Após aquele episódio triste, comecei a prestar mais atenção a tudo ao meu redor. Não vi o Miguel novamente, embora eu nunca o tivesse notado antes daquela infeliz noite. Como ele fazia parte da equipe de crossfit, era provável que ele passasse a maior parte do tempo na área externa da academia. Havia um galpão construído especificamente para essa finalidade.

Depois de um final de semana inteiro dedicado à Netflix, maratonando 'Suits' – graças à insistência da Maya, que me viciou na série –, a segunda-feira finalmente chegou. Como de costume, pela manhã, fui para a escola. Eu adorava trabalhar lá, alternando entre aulas práticas e teóricas com meus alunos. A diretora frequentemente elogiava minha turma, afirmando que ela era a mais interativa de toda a escola.

Em pouco tempo, me tornei a professora querida por todos, pois meus alunos não viam minhas aulas como uma obrigação, mas sim como uma diversão. Como eu trabalhava em tempo integral, naquele dia a escola estava particularmente movimentada devido à preparação da feira de ciências. As horas passaram voando, e assim que terminei o expediente, segui diretamente para a academia.

Na academia, as aulas de aeróbica estavam lotadas, e para minha surpresa, eu adorei. Sempre achei que dançava muito mal, mas me saí bem nos exercícios. Era como uma aula de dança, mas com movimentos direcionados para o ambiente da academia. Após o término da minha aula, fui direto para o vestiário, ansiosa por um banho. Ao sair, me deparei novamente com o Miguel, que me brindou com um largo sorriso.

Meu Deus, por que ele parecia tão perfeito? Esse homem não parecia ter nascido, mas sim esculpido pelas mãos de um artista. Olhei para trás para verificar se ele estava sorrindo para outra pessoa, mas logo percebi que a única pessoa ali, além dele, era eu. Agora sabendo quem ele era, me senti constrangida. Ele era alguém de grande importância, muito diferente de mim. Além disso, conforme o que a Maya havia me dito, era um dos solteiros mais cobiçados do país.

— Como vai? Você se saiu muito bem na aula de aeróbica! — Miguel me cumprimentou.

— Estou bem! Mas como sabia como me saí na aula? — Perguntei surpresa.

— Bem, muitas pessoas comentam. E depois do que aconteceu, você chamou a atenção um pouco para si. Inclusive a minha atenção. — Ele falou, enquanto me observava

Naquele momento, fiquei sem palavras. Na verdade, fiquei constrangida ao descobrir que as pessoas estavam falando sobre mim. A academia era um dos meios que eu encontrava para me manter em forma e espairecer. Meu silêncio começou a se tornar incômodo após ele me dizer de forma tão direta que chamei a sua atenção. Eu simplesmente não conseguia entender o motivo disso, afinal, ao olhar ao redor, você encontraria mulheres consideradas bem mais bonitas do que eu. Eu me via como uma mulher comum.

— Não precisa se sentir assim! Você deve ter noção de quão bonita você é! Infelizmente, o incidente daquele dia acabou se espalhando, mas você não pode permitir que isso a afete. — Ele enfatizou, tentando me reconfortar.

Eu senti meu rosto ficando vermelho. A maneira direta como ele mencionou que eu era linda me deixou ainda mais constrangida, porque eu mesma não me via dessa forma. Claro, eu tinha um espelho em casa, mas via a mim mesma como alguém de estatura mediana, sem muitas curvas. Achava meus olhos grandes demais e meus lábios cheios demais. Dado tudo isso, não conseguia acreditar que eu era tudo o que ele estava dizendo.

— Mudando completamente de assunto… Você pode me dar uma carona? — Ele perguntou.

— Uma carona? Como? Nem mesmo tenho um carro. Mas, se você não se importar, posso chamar um Uber e, antes de me deixar em casa, faço uma parada na sua. Não me importaria em retribuir o favor daquele dia. — Falei com um sorriso no rosto.

— Estou brincando! Na verdade, estava esperando por você para lhe oferecer uma carona até sua casa. Isso, é claro, se você quiser. — Ele se explicou.

— Nossa, Miguel, eu fico muito grata, mas não quero abusar da sua boa vontade. Minha casa não é tão longe, de verdade. Eu não quero lhe causar qualquer incômodo. Posso seguir de Uber, de verdade. — Eu argumentei.

— Você está dispensando minha companhia, Chloe? Caramba, passei um tempo enorme esperando você sair desse vestiário. Fiquei até tentado a entrar para verificar se você realmente estava lá devido à demora. E depois de tudo isso, você simplesmente prefere ir de Uber? Agora me sinto ofendido! — Ele respondeu.

Ele fez uma carinha tão meiga que me lembrou a Maya quando está tentando conseguir algo de mim. Então, acabei aceitando sua carona. Fomos juntos para o seu carro e começamos a conversar sobre assuntos banais. Ele me contou que fazia crossfit como um hobby, para se sentir mais livre e mudar a atmosfera com a qual ele já estava tão acostumado. Em relação a mim, comecei a frequentar a academia com o simples objetivo de ganhar um pouco de curvas, mas depois percebi que era uma forma de manter o peso e, agora, também não passava de um hobby, uma válvula de escape.

Quando menos esperávamos, estávamos em frente ao meu apartamento. Desci do carro, e Miguel fez o mesmo. Como se tivesse uma bola de cristal, Maya apareceu na portaria. Ao me ver, ela veio em minha direção e me abraçou. Miguel observou nossa interação. Eu me senti obrigada a apresentar os dois, e tenho certeza de que era essa a intenção da Maya.

— Miguel, esta é a Maya, a amiga que divide o apartamento comigo. Maya, esse é o Miguel, um amigo da academia.

— Prazer em conhecê-lo, Miguel! — Maya cumprimentou Miguel toda sorridente.

— O prazer é todo meu, Maya! — Miguel retribuiu o cumprimento.

— Inclusive fiquei sabendo através da Chloe que você a salvou outro dia. Obrigada por isso. Ela é como uma verdadeira irmã para mim. Gostaria de convidá-lo para jantar conosco qualquer dia desses, para que possamos retribuir o que você fez por ela.

Eu olhei para minha amiga, lançando um olhar reprovador. A Maya era realmente atrevida, e eu sabia muito bem qual era a intenção dela ao fazer aquele convite. Um dos hobbies favoritos da Maya era analisar as pessoas, e eu tinha que admitir que, na maioria das vezes, ela acertava em suas análises.

— Claro, só peça para a Chloe me avisar qual dia, que farei questão de vir. — Ele respondeu a Maya.

— Eu sei que a Chloe às vezes é muito esquecida. Você tem como anotar meu número e me dar um toque, porque eu salvo o seu, e assim te aviso quando marcarmos o jantar. — Maya argumentou

Maya era muito habilidosa em obter o que desejava de forma sutil. E, depois de conseguir o que queria, ela se despediu de nós e subiu para o apartamento.

— Desculpe-me pela forma direta da Maya. Às vezes acredito que ela esteja na profissão errada, devido à maneira como age. Às vezes, até eu tenho dificuldade em acompanhá-la, e olha que estamos juntas desde a época da escola.

— Hum, é ótimo saber disso. Então, se eu quiser descobrir algo sobre você, só preciso perguntar a ela? Estou ansioso por esse convite!

— Deixa de ser bobo, Miguel. Tenho certeza de que se você der abertura à Maya, é mais provável que ela descubra todos os seus segredos antes de você descobrir algo sobre mim. Depois, não diga que eu não avisei.

E nós dois começamos a rir. Ele me encarou de forma direta e se aproximou um pouco mais. O sorriso desapareceu do meu rosto enquanto encarava aqueles olhos fascinantes. Ele levou sua mão até uma mecha solta do meu cabelo e a colocou atrás da minha orelha. Seu rosto se aproximou ainda mais do meu, e sua mão segurou delicadamente meu pescoço, me puxando em sua direção. Senti meu coração acelerar e quase tinha certeza de que Miguel podia ouvir as batidas aceleradas dele. Então, no último momento, ele inclinou o rosto e beijou suavemente minha bochecha.

– Infelizmente, preciso ir. Tenho um compromisso logo cedo amanhã. Mas diga a Maya que estarei ansiosamente aguardando o convite que ela me fez. Estou ansioso para descobrir mais sobre a misteriosa Chloe.

– Não tenho nada de misteriosa... apenas prefiro ouvir mais do que falar.

Ele bateu o dedo indicador no meu nariz, como se eu fosse uma garota insolente, e começou a sorrir enquanto seguia em direção ao seu carro. Vi-o me observar pelo retrovisor, e fiquei sem jeito. Em seguida, me encaminhei para a portaria. Assim que entrei no apartamento, fui recebida por uma Maya contagiosa.

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