Terapia

Volto para a diretoria, Júlia e Lorenzo estão conversando a respeito de alguma coisa que gerou um silêncio profundo quando me viram.

Peço licença e vou para minha mesa, abro minha agenda e pergunto a ele os dias disponíveis para o trabalho na escola e quantos alunos ele atenderia por semana.

Falo para ele a importância de palestras para os pais dos alunos e que poderiam ser aplicadas no dia da reunião bimestral e palestras para os alunos periodicamente.

__ Acho que não sou a pessoa adequada para o cargo, não estou pronto para enfrentar esses tipos de problemas...

__ Mas por quê?... O senhor é formado e o dono da escola, ninguém melhor do que o senhor para estar acompanhando o trabalho dos seus alunos e dos pais dos seus alunos...

...Senhor Lorenzo, eu não tive um casamento perfeito, eu não sou um bom exemplo de mãe por ter deixado meu casamento chegar ao fundo do poço e se formos olhar assim ninguém é capacitado para estar a frente de uma sociedade, pois não somos exemplos para nada, somos apenas teorias que podem dar certo.

Eu sou professora, estou diretora de uma escola e converso com pais de alunos todos os dias mas estou passando por um divórcio complicado, por uma situação complicada e parecida como de muitos pais que aqui estão e eu tenho que conversar com eles. Ninguém tem um casamento perfeito. Todo mundo tem problemas, porém temos que superar e tentarmos ajudar de alguma forma.

__ Heloísa disse tudo, pai! O senhor não tem que ser espelho, apenas mostrar o caminho para tentar dar certo, se o senhor conseguir ajudar um casal entre tantos, o senhor já fez sua parte.

__ Tudo bem! Eu vou tentar.

Quando ele fala Júlia se encanta com um sorriso lindo, ela sabe da importância para ele nesse momento que está triste e abatido e que será uma distração além de algo novo para sua rotina.

Júlia sai para dar sua última aula do dia e ficamos nós dois fazendo a grade para passarmos para a secretaria. Aproveitamos e decidimos o tema para a palestra daqui vinte dias.

Ele se senta ao meu lado e seu perfume me desnorteia, ele é inteligente, fala com firmeza e sua mão é pesada, por algumas vezes o senti tocar minhas mãos ou meu braço para falar alguma coisa. A cada toque involuntário de trabalho era uma vibração gostosa pelo corpo.

Em certos momentos seus olhos cruzavam com os meus, sem interesse ou maldade. Bem diferente de seus irmãos que me arrancam a roupa com os olhos.

__ Heloísa! ... Você é sempre assim; espontânea?

__ Acho que sim. Sou muito franca e gosto de resolver as coisas na hora e às vezes faço algumas coisas por impulso...

O senhor já está fazendo minhas sessões de terapia?

__ Gostaria muito! Preciso saber se ainda consigo trabalhar no ramo.

Ele responde esperando um sim da minha parte.

__ Podemos marcar um horário, se o senhor quiser, é claro!

__ Que tal amanhã, depois da aula?

__ Amanhã é sexta, onde seria?

__ Aqui!...

Você prepara a minha sala onde vou trabalhar e podemos estrear para vermos se será aprovado.

Enquanto ele fala eu crio um escudo, me mantendo a uma certa distância pois não posso me iludir com ninguém.

Saio dos meus devaneios com sua mão sobre a minha me trazendo de volta a vida real:

__ Tudo bem para você?

__ Claro, senhor Lorenzo. Acho que será ótimo, eu vou esperar o senhor no final da aula.

Ele se levanta e sai, não sei se fiz certo mas vou correr o risco, a vida é feita de autos riscos e nunca fui de recuar em um desafio. Não tenho nada a perder e acho que posso me sentir melhor falando com alguém tantas coisas que me sufocam e não tenho com quem dividir.

Estou chegando em casa e vejo Jussara chegando com sua mudança, a princípio ela ficará aqui em casa, coloquei uma cama de solteiro no meu quarto e vamos dividir o dormitório como na é poca da faculdade.

Somos da mesma idade porém ela não se casou e não tem filhos, apenas seus pais que moram no Interior de Minas para onde ela vai às vezes e passa dias viajando.

__ Fez boa viagem? ...

Falo a abraçando com saudades, Lucas e Elisa a ajudam a entrar com suas coisas e se alocar.

Eu não tenho irmãos, Jussara é minha amiga de infância, fizemos até o mesmo curso na faculdade para podermos ficar juntas.

Ela nunca teve sorte no amor, sempre conheceu pessoas erradas em lugares errados.

Ficamos conversando até tarde e Elisa já a colocou a par de tudo, até mesmo na situação da academia na praça. Ela terá que nos acompanhar na dieta e nos exercícios. Aqui em casa acabou vida sedentária para todos.

Agora somos uma família saudável.

Hoje é sexta-feira e me esqueci que não temos aula de português na grade, Jussara vai ajudar Elisa na busca pelo local da academia, não será hoje que o senhor Lorenzo conhecerá minha amiga.

A todo tempo olho o relógio na expectativa das horas passarem rápido para fazer essa sessão com o psicólogo e acabar logo com isso. Os funcionários arrumaram uma sala ao lado da minha, era a única disponível.

Todos já foram embora estou dando um ar feminino a sala colocando um vaso de orquídeas que comprei vindo para o trabalho. Estou distraída novamente e me assusto com ele chegando por trás e tocando meus braços e com um sussurro me surpreende:

__ Está linda! Amei seu bom gosto.

__ Obrigada, mas quem arrumou a sala foram os funcionários da escola, eu só trouxe a flor...

__ Eu falava justamente delas, são lindas e um dia eu te levo para conhecer meu orquidário.

__ Você tem um orquidário? ... Que incrível.

Ele me dá um sorriso encantador, parece realmente ser uma pessoa sensível ao ponto de gostar de flores. Ele observa os detalhes da sala e fala agora com um tom saudosista:

__ Aqui era o berçário das minhas filhas, Márcia as queria por perto e foram praticamente criadas nessa escola, minha mãe era a diretora e Márcia a vice. Depois de alguns anos minha mãe morreu e as meninas cresceram e aqui virou um almoxarifado.

__ Os funcionários encontraram aqui uma caixa com brinquedos de criança, depois eu posso estar te entregando para você ver com suas filhas.

Ele me agradece, senta em sua cadeira atrás da mesa, abre um computador e uma agenda grande, pega uma caneta e pede que eu me senti. Ele tem um carisma que me passa muita confiança, quando dou por mim já falei sobre muitas coisas da minha vida que nem lembrava mais.

Ele me convence a continuarmos todas as sextas depois da aula, eu fico um pouco envergonhada, mas ele faz questão de me ajudar nesse processo que estou passando.

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