Chegando na alcateia.

Um assobio escapou dos lábios de Daren ao ver o grande casarão rústico de dois andares, construído na frente do curral e do estábulo. Ele estacionou, desceu da caminhonete, admirando a paisagem.

Kalel, apesar de não estar exatamente apaixonado pelo lugar, também ficou espantado com o tamanho da fazenda. A alcateia Lúpus era rica, seu pai sempre foi um homem com mentalidade de empreendedor, porém, a residência principal não era tão grande quanto aquela.

Um homem musculoso, mais alto que Kalel, de fios loiros ondulados, saiu da casa, desceu os degraus da varanda e se aproximou. Era perceptível a aura de dominância, autoridade e poder que o cercava. O Alfa. Eles reconheceram imediatamente.

O lobo de Kalel grunhiu, sentindo-se ameaçado e se recusou a mostrar o pescoço em sinal de submissão e respeito.

— Eu sou Kalel da Silva, filho de Dominic, alfa da alcateia Lúpus, e esse ao meu lado é Daren, filho do beta — se apresentou com tom educado.

William sorriu mínimo, reconhecendo no lobo maior, de expressão feroz, um potencial alfa. Era visível no queixo oval erguido, no olhar severo e ausente de medo, no tórax musculoso altivo, estufado e no tom firme que Kalel era um lobo extremamente dominante.

“Devo me preocupar? Não, ele não passa de um filhote.”

Independente do quão forte Kalel fosse, duvidava muito que ele ousaria desafiar um alfa bem mais velho e experiente que ele. Sua atenção foi capturada por um instante para o outro, de semblante sereno, que ostentava postura relaxada, branda, sem ameaças, mas que, todavia, se você prestasse bem atenção nos orbes cintilantes veria ali, nadando sutil, perigo e desafio.

— Alfa William! É um prazer conhecê-los. Vamos entrar, devem estar cansados da viagem.

O alfa caminhou para a casa, seguido por Kalel.

Daren também se moveu, paralisando no primeiro degrau da varanda ao de repente ser tocado pela percepção que estava sendo observado. Os pelos do corpo se arrepiaram e o lobo se agitou, querendo sair. Intrigado, correu os olhos em volta, sem saber exatamente o que procurava, pousando-os na janela aberta do segundo andar, onde pensou ter visto alguém. Não havia ninguém, foi apenas impressão ocasionada pelo balançar suave da cortina.

— Senhor? Tudo bem? — perguntou o beta.

— Sim. — Forçou um sorriso e terminou de subir os degraus. — Só estou admirando a casa.

— Daren, não vai entrar? — Kalel chamou.

— Estou indo.

Daren entrou no casarão, parando ao lado do amigo, que lhe direcionou um olhar interrogativo, lido com facilidade. Como resposta, acenou com a cabeça e sorriu, dizendo silencioso “tudo bem, não se preocupe”.

O alfa William contava empolgado como conheceu e se tornou amigo de Dominic, mas Daren não prestava atenção, a inquietude do seu lobo, o pressentimento ruim de que algo não estava certo se afundou nele, fazendo os sentidos aguçados ficarem em alerta máximo.

Sentindo a inquietude do lobo, Kalel franziu o cenho e deu uma cotovelada rápida nele, como um aviso, antes de subir a escada atrás de William.

— Kalel, esse é o seu quarto. — O alfa abriu a porta do primeiro aposento do corredor. — O do seu amigo é aquele outro. Vou pedir que tragam as malas, imagino que estejam cansados e queiram tomar banho antes de comerem.

— Sim. — O estômago de Kalel roncou, lembrando-o que não comia a horas.

— O jantar será servido dentro de uma hora, não demorem.

— Obrigado alfa — responderam em uníssono.

Daren entregou a chave da caminhonete para William.

— De nada.

Dez minutos depois as malas foram entregues. Eles tomaram um banho rápido, se arrumaram e desceram.

Na sala, o alfa estava reunido com alguns sentinelas da alcateia. Após as devidas apresentações, eles foram conduzidos para a espaçosa sala de jantar. Sentaram à mesa de madeira de vinte lugares, preenchida com travessas contendo arroz, feijão, saladas, legumes refogados e frango assado.

...[...]

...

Não deveria, mas foi inevitável não se esgueirar até a janela ao escutar os veículos chegando e estacionando. Alfinetado pela curiosidade, mesmo ciente dos riscos, ele abriu um pouco a cortina e observou os dois homens estranhos deixarem a caminhonete.

Quem são eles?

Dificilmente William recebia visitas, ele não gostava de ter shifters forasteiros circulando no território, o fato de ter convidado desconhecidos para se hospedarem na fazenda, na casa dele, surpreendeu Kayman.

“Seja um bom menino e fique aqui dentro por uma semana. Não saia do quarto para nada... Comporte-se e quem sabe eu não te recompense depois.”

O alfa o advertiu com um sorriso perigoso na noite anterior, enquanto segurava o seu queixo em um aperto doloroso. Ele entendeu com perfeição o recado, sabia muito bem que se ousasse abandonar o quarto durante a estadia dos hóspedes a punição seria pavorosa.

De repente, os olhos de Kayman caíram no homem alguns centímetros menor que o outro, porém, mais construído de músculos, com braços torneados, de pele preta retinta, cabelo curto e crespo, barba pontiaguda e bigode aparado. Os batimentos cardíacos aceleraram, enquanto o seu lobo agitou-se, ansioso para sair. Não, se acalme! Os caninos coçaram, as mãos suaram e rosnados lutaram para se desprender da garganta.

“O que está acontecendo comigo?”

Ele não entendia a agitação que o sufocou, o inesperado interesse pelo desconhecido, em persegui-lo... Não fazia sentido. Perplexo e assustado, ficou parado, admirando o homem e tentando entender as suas emoções.

Quando o homem olhou ao redor — como se soubesse estar sendo secretamente observado — e ergueu o rosto em direção a janela, Kayman se agachou, desesperado.

“Será que ele me viu?”

Ele ficou abaixado por alguns minutos até as pernas ficarem dormentes. Resmungando, levantou, deitou na cama encolhido e cerrou os olhos, pensando no hóspede. O seu lobo queria conhecê-lo, porém, a quem queria enganar? Se o encontrasse pessoalmente fugiria como um filhote assustado e covarde. Lágrimas embaçam a visão. Tentou engolir o choro, abafar a dor, mas não conseguiu, se desmanchou, mergulhando na dolorosa verdade que nunca seria um cara normal ou teria uma vida comum... Ele estava quebrado, cheio de feridas profundas e incuráveis no interior.

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