"Existe momentos que marcam para sempre nossas vidas, e este é um deles"
Lara Marinho.
Há nove anos atrás.
Aos oito anos de idade.
Fortaleza,Ceará.
Brasil.
Dei um beijo em minha avó enquanto ela ainda estava dormindo e corri para o carro, papai e Joseph já estavam a minha espera, seguimos para a escola como sempre, um dia com meu pai e no outro com o Sr. Pasquale.
passamos o primeiro momento juntos estudando nas duas primeiras aulas, quando a sirene soou para o intervalo, quando sai da sala dei de cara com o papai, ele estava meio estranho, me pegou pela mão e disse que eu tinha que ir com ele.
— Onde vamos, papai?
Perguntei, enquanto ele segurava suavemente minha mão, guiando-me até o carro.
Fiquei imaginando por que estava saindo cedo. Era só o intervalo para o lanche. Eu não deveria ir embora ainda.
Meu pai não disse nada enquanto caminhávamos, apenas apertou minha mão. Olhei ao longo da saída da escola, e uma sensação ruim revirou meu estômago. Eu amava a escola, amava aprender, e a aula
seguinte era de arte. Era minha matéria favorita. Eu não queria perder.
— Lara!
Gritou Joseph, meu melhor amigo, de perto das grades, quando me viu. Suas mãos apertavam com força as barras de metal.
— Aonde você vai?
Eu sentava ao lado de Joseph nas aulas. Estávamos sempre juntos. A escola não tinha graça quando um dos dois não estava lá.
Virei a cabeça para o rosto de meu pai, procurando respostas, mas ele não me olhou de volta. Ficou em silêncio. Olhando para Joseph, eu gritei:
— Eu não sei, Joseph!
Joseph ficou me olhando por todo o caminho até o carro. Eu me sentei no banco traseiro, e meu pai afivelou o cinto de segurança.
Ouvi o sinal no pátio da escola indicando o fim do intervalo. Olhei pela janela e vi todas as crianças correndo de volta para dentro, mas não Joseph, que continuou me olhando.
Seu longo cabelo esvoaçava com o vento enquanto ele perguntava:
— Você está bem?
Mas meu pai entrou no carro e deu partida antes que eu pudesse responder.
Joseph correu os olhos, seguindo nosso carro, até que a Sr. Monteiro o obrigar a entrar na sala.
Quando a escola já não estava mais visível, meu pai disse:
— Lara!
— Sim, papai?
Respondi.
— Você sabe que a vovó está morando com a gente já faz muito tempo, né?
Eu concordei com a cabeça. Minha avó tinha se mudado para o quarto em frente ao meu um tempo atrás. Mamãe disse que era porque ela precisava de ajuda. Meu avô morreu quando eu ainda era um bebê. Minha avó morou sozinha por anos, até vir morar com a gente.
— Você se lembra do que sua mãe e eu te dissemos? Sobre por que a vovó não podia mais morar sozinha?
Eu suspirei e disse, baixinho:
— Sim, papai. Porque ela precisava da nossa ajuda. Porque ela está doente.
Meu estômago revirou enquanto eu falava. Minha avó era minha melhor amiga. Bem, ela e o Joseph estavam empatados no primeiríssimo lugar. Minha avó dizia que eu era igualzinha a ela.
Antes que ela ficasse doente, nós duas saíamos em muitas aventuras.
Ela lia para mim toda noite sobre os grandes exploradores do mundo. Ela me falava sobre história: Hércules, Garibaldi, Lampião, os Winchester, sítio do pica pau amarelo e Peter pan. Eram os favoritos da minha avó e os meus também.
Eu sabia que a minha avó estava doente, mas ela nunca agia como se estivesse. Ela sempre sorria, dava abraços apertados e me fazia rir sem parar. Sempre dizia que ela tinha mundos inteiros cheio de fantasias e aventuras no lugar do coração. Vovó me disse que aquilo significava que ela estava feliz.
Ela me deixava feliz também.
Mas nas últimas semanas vovó vinha dormindo muito. Estava sempre cansada para fazer qualquer coisa. Na verdade, na maioria das noites agora eu lia para ela, enquanto ela acariciava meu cabelo e sorria para mim. E era bom, porque o sorriso da vovó era o mais lindo do mundo.
— Certo, querida, ela está doente. Na verdade, ela está muito, muito doente. Você entende?
Meu pai disse. Franzi a testa, mas fiz que sim com a cabeça e respondi:
— Sim, papai.
— É por isso que vamos para casa mais cedo!
Ele explicou.
— Ela está esperando por você. Ela quer ver você. Quer ver a companheirinha das aventuras dela.
Não entendi por que meu pai tinha de me levar para casa mais cedo para visitar minha avó, quando a primeira coisa que eu fazia tofo dia depois da escola era ir ao quarto dela para conversar enquanto ela ficava na cama. Ela gostava de saber sobre meu dia, sobre minhas aventuras.
Viramos na nossa rua e estacionamos na frente de casa. Meu pai não se moveu por alguns segundos, mas então se virou para mim e disse:
— Sei que tem só oito anos, Lara, mas hoje você precisa ser uma menina corajosa, ok? pela vovó.
Eu respondi com a cabeça. Meu pai me deu um sorriso triste.
— Esta é a minha garota.
Ele saiu do carro e andou até meu assento. Pegou minha mão e me guiou para fora do carro em direção à casa. Eu notei que havia muitos carros perto de minha casa. Eu ia perguntar de quem eram quando dona Francesca, mãe de Joseph, veio caminhando pelo jardim entre nossas casas com uma grande travessa de comida nas mãos.
— Lucas!
Ela chamou, e meu pai se virou para cumprimentá-la.
— Oi, dona Francesca.
Ele disse.
A mãe de Joseph parou na nossa frente. Seu longo cabelo estava solto. Era da mesma cor do cabelo de Joseph. Dona Francesca era muito bonita, e eu a adorava. Ela era bondosa e dizia que eu era a filha que ela não teve.
— Eu fiz isso para vocês. Por favor, diga a Marcela que estamos a disposição.
Meu pai soltou minha mão para segurar a travessa.
Dona Francesca se abaixou e deu um beijo em meu rosto.
— Seja uma boa menina,Lara!
— Sim, senhora!
Respondi e observei enquanto ela seguia de volta para a casa dela.
Meu pai suspirou, então fez um gesto com a cabeça para que eu o seguisse para dentro. Assim que passamos pela porta da frente, vi minhas tias no sofá, meus primos sentados no chão da sala, entretidos com seus brinquedos. Minha tia Carla estava sentada com meu irmão, Luís. Ele é mais novo que eu, tem apenas três anos.
Ninguém falava nada, a maioria estava chorando.
Eu estava tão confusa.
Eu agarrei meu pai, segurando com força procurando força. Minha tia Célia, aparece na porta da cozinha, corro para seus braços. Ela é minha tia favorita. Ela é jovem e engraçada e sempre me faz rir.
— Ei, Lara!
Ela disse, mas eu podia ver que tinha os olhos vermelhos, e a voz estava diferente. Tia Célia olhou para o meu pai. Ela tirou a travessa de comida da mão dele e disse:
— Vá até lá com a Lara, Lucas. Está quase na hora.
Eu comecei a andar seguindo meu pai, mas, quando percebi que tia Célia não vinha junto, olhei para trás. Fiz menção de chamá-la, porém ela se virou de repente, colocou a travessa de comida no balcão e segurou a cabeça com as mãos. Ela estava chorando, chorando tanto que saíam sons altos de sua
boca.
— Papai?
Eu falei, com uma sensação estranha no estômago.
Meu pai envolveu meus ombros com o braço e me guiou.
— Está tudo bem, querida. Tia Célia só precisa de um minuto sozinha.
Andamos para o quarto da vovó. Um pouco antes de abrir a porta,
papai disse:
— A mamãe está lá dentro, querida, junto com a enfermeira da vovó.
Franzi a testa.
Papai abriu a porta do quarto da vovó, e minha mãe se levantou da
cadeira ao lado da cama. Os olhos dela estavam vermelhos, e o cabelo, todo desarrumado. O cabelo da mamãe nunca ficava desarrumado.
Vi a enfermeira no fundo do quarto. Ela estava escrevendo algo em uma prancheta. Ela sorriu e acenou para mim quando entrei. Então olhei para a cama. Vovó estava deitada. Meu estômago revirou quando vi vovó naquele estado. Fiquei imóvel. Então minha mãe veio ao meu encontro, e minha vovó olhou para mim.
Ela parecia diferente da noite anterior. A pele dela estava mais pálida, e seus olhos não estavam tão brilhantes.
— Cadê minha companheirinha?
A voz de vovó estava baixa e diferente, mas o sorriso que ela me deu fez com que eu me sentisse acolhida.
Então, corri para o lado da cama.
— Estou aqui vovó! Eu saí mais cedo da escola para ver você!
Vovó levantou a mão e passou do meu rosto.
— Esta é a minha garota!
Ela disse, eu respondi com um sorriso bem grande.
— Eu só queria ver você um pouquinho. Eu sempre me sinto melhor quando a luz da minha vida senta ao meu lado e conversa um
pouco comigo.
Sorri de novo. Porque eu era a “luz da vida dela”, “a menina dos olhos dela”. Ela sempre me chamou assim. Vovó me disse em segredo que isso significava que eu era a favorita dela.
Mas eu não poderia contar isso para ninguém, para não chatear meus primos e meu irmãozinho. Era nosso segredo.
Então senti mãos na minha cintura, era meu pai me levantando para me sentar na cama ao lado da minha avó. Ela pegou minha mão e apertou meus dedos, mas tudo o que eu podia notar era como as mãos dela estavam
geladas.
Vovó inspirou profundamente, emitindo um som esquisito, como se algo chiasse no peito dela.
— Vovó, você está bem?
Perguntei e me debrucei sobre ela para lhe dar um beijo no rosto. Ela normalmente cheirava a talco, cheirinho de vovó.
Vovó sorriu e respondeu:
— Estou cansada, meu amor. E eu…
Vovó inspirou novamente, e seus olhos se fecharam por um momento.
Quando abriram de novo, ela se mexeu na cama e disse:
— … estou indo embora por um tempo, viver outra aventura.
Eu franzi o rosto.
— Para onde você vai, vovó? Posso ir com você? Nós sempre vamos juntas para as aventuras.
Vovó sorriu, mas balançou a cabeça.
— Não, garotinha. Você não pode ir para onde eu vou. Ainda não. Mas um dia, daqui a muitos anos, vamos nos ver de novo e seguiremos juntas nas nossas aventuras.
Minha mãe soltou um soluço atrás de mim, mas eu apenas fiquei olhando, confusa, para minha avó.
— Mas para onde você vai, vovó? Eu não entendo.
— Para casa, princesa.
Disse ela.
— Estou indo para casa.
— Mas, vovó você já está em casa.
Respondi.
— Não querida.
Vovó balançou a cabeça.
— Este não é nosso verdadeiro lar, querida. Esta vida … é só uma grande aventura enquanto a temos. Uma aventura para apreciar e amar com todo o nosso coração antes de ir para a maior aventura de todas.
Meus olhos se arregalaram de entusiasmo, então me senti triste.
— Mas nós somos as melhores companheiras, vovó. Sempre vamos juntas a nossas aventuras. Você não pode ir sem mim.
Lágrimas começaram a rolar de meus olhos e escorrer pelo rosto.
Minha avó levantou a mão livre para enxugá-las. Aquela mão estava tão fria quanto a que eu estava segurando.
— Nós vamos ter outras oportunidades, minha querida, mas não desta vez.
— Você não tem medo de ir sozinha, vovó?
Perguntei. Minha avó suspirou.
— Não, querida, não é preciso ter medo. Não estou nem um pouco assustada.
— Mas eu não quero que você vá, vovó!
Supliquei.
A mão de vovó permaneceu no meu rosto.
— Você ainda vai me ter em seus sonhos. Isto não é um adeus.
Vovó piscou para mim.
— Do mesmo jeito que você vê o vovô? Você sempre diz que ele te visita em seus sonhos. Fala com você e beija sua mão.
— Exatamente assim meu amor.
Ela disse.
Enxuguei minhas lágrimas. Vovó apertou minha mão e olhou para minha mãe atrás de mim. Quando me olhou de novo, disse:
— Enquanto eu estiver fora, eu tenho uma nova aventura para você.
Fiquei imóvel. E então perguntei:
— O quê?
O barulho da porta abrindo me distraiu. Isso fez com que eu quisesse olhar em volta, mas, antes que eu pudesse, vovó perguntou:
— Lara, o que eu sempre digo que é a lembrança favorita da minha vida? A coisa que sempre me fez sorrir?
— Os beijos do vovô. Os doces beijos de garoto dele. Todas as memórias de todos os beijos que ele te deu. Você me disse que são suas memórias favoritas. Não coisas, nem dinheiro, mas os beijos que recebeu do vovô, porque foram todos especiais e fizeram você sorrir, sentir que era amada, porque ele era sua alma gêmea. Seu para sempre e sempre.
— Está certo, querida.
Ela respondeu.
— Então, para sua aventura…
Vovó olhou para minha mãe novamente. Dessa vez, quando olhei em volta, vi que mãe segurava um grande pote de vidro, cheio até o topo com muitas estrelinhas de papel brilhantes.
— Uau! O que é isso, vovó?
Perguntei, empolgada.
Mamãe colocou o pote em minhas mãos, e minha vovó deu umas batidinhas na tampa.
— São todas as aventuras que você ainda vai viver. Você vai ter que preencher todas as estrelas com suas aventuras.
Meus olhos se arregalaram enquanto eu tentava contar todos as estrelas. Mas eu não conseguia. pois, eram muitas!
— Lara.
Minha avó disse, quando olhei para seus olhos.
— Esta é a sua aventura. É como eu quero que você se lembre de mim enquanto eu estiver fora.
Eu olhei para o pote de novo.
— Mas eu não entendo.
Vovó se virou para sua mesinha de cabeceira e pegou uma caneta dourada. Ela a passou para mim e disse:
— Já faz um tempo que estou doente, Lara, mas as lembranças que fazem com que eu me sinta melhor são aquelas em que seu vovô me deixou. Não só os beijos de todo dia, mas os dias especiais, as nossas aventuras. os banhos de chuva, cada pôr do sol, nossa formatura, nossa casinha, nossos filhos, tudo que ele me deu de presente… Quando ele disse que eu era a menina mais bonita do mundo.
Meu coração está tão cheio de bons momentos e aventuras, quanto este vidro.
Vovó apontou para as estrelas no pote.
— Este pote é para você registrar suas aventuras, seus momentos especiais, Lara.
Tudo que fizer seu coração quase explodir, aquilo que for mais especial na sua vida, os momentos que você vai querer relembrar quando estiver velhinha e grisalha como eu, você vai sorrir quando se lembrar deles.
Dando batidinhas na caneta, ela continuou:
— Quando você encontrar o garoto que será seu par para todo o sempre, a cada vez que ganhar um beijo muito especial dele pegue uma estrela. Escreva onde vocês estavam quando se beijaram. Então, quando você for uma vovó também, seu netinho ou sua netinha, melhor companheiro ou companheira de aventuras, que você tiver, poderá ouvir tudo sobre eles, como eu te contei sobre os meus. Você vai ter um pote do tesouro de todos os momentos preciosos que fizeram seu coração voar.
Eu observei o pote e soltei o ar.
— Aqui tem muitas estrelas. Vou ter que viver um monte de momentos bons, vovó!
Vovó riu.
— Não é tanto quanto você pensa, meu amor. Especialmente quando você encontrar sua alma gêmea. Você tem muitos anos pela frente.
Vovó respirou fundo e seu rosto se contraiu, como se ela estivesse sentindo dor.
— Vovó!
Chamei, sentindo-me muito assustada. A mão dela apertou a minha.
Vovó abriu os olhos, e dessa vez uma lágrima rolou por sua face pálida.
— Vovó?
Eu disse, dessa vez mais baixo.
— Estou cansada, meu amor. Estou cansada, e está quase na minha hora de partir. Eu só queria te ver uma última vez, para te dar este pote. Para beijá-la, assim posso me lembrar de você todo dia no céu até vê-la novamente para nossa grande aventura.
Meu lábio inferior começou a tremer. Minha avó balançou a cabeça.
— Sem lágrimas, querida. É só uma pequena pausa em nossas vidas. E estarei zelando por você, todos os dias. Estarei em seu coração para sempre. Estarei em um bosque florido junto do seu vovô, com o sol e o vento, cuidando de você lá de cima.
Os olhos da vovó se apertaram, senti as mãos de minha mãe em meus ombros.
— Lara, dê um grande beijo na vovó. Ela está cansada. Agora ela precisa descansar um pouco.
Respirando fundo, eu me inclinei e dei um beijo no rosto de minha avó.
— Eu te amo muito vovó, fala para o vovô que eu o amo também.
Sussurrei no seu ouvido.
Ela acariciou meus cabelos.
— Eu também te amo, meu amor e tenha certeza que o vovô também te ama muito. Você é a luz das nossas vidas. Nunca se esqueça de que eu te amei tanto quanto uma avó pode amar sua netinha.
Segurei a mão dela e não queria soltar, mas meu pai me tirou da cama, e minha mão por fim deixou a dela. Eu abracei bem forte meu pote de estrelas, enquanto minhas lágrimas caíam no chão. Meu pai me pôs no chão e, enquanto eu me virava para sair, vovó chamou meu nome:
— Lara?
Olhei para trás e minha vovó estava sorrindo.
— Lembre-se querida: estarei em todas as aventuras que você estiver…
— Eu sempre vou me lembrar, vovó.
Eu disse, mas não me senti feliz.
Tudo o que senti foi tristeza, e uma dor atravessando o meu peito e um nó na garganta. Escutei minha mãe chorando atrás de mim.
Tia Célia passou por nós no corredor. Ela passou a mão em minha cabeça. O rosto dela também estava triste. Eu não queria mais ficar ali. Não queria mais ficar naquela casa, eu só queria sumir.
Olhei para o meu pai e perguntei:
— Papai, posso ir para o quintal?
Papai suspirou:
— Sim, querida. Eu vou dar uma olhada em você depois. Apenas tenha cuidado, não vá para longe.
Nosso quintal dava acesso a uma floresta onde vivi muitas aventuras com minha avó.
Vi meu pai pegar o telefone e ligar para alguém. Ele pediu para a pessoa ficar de olho em mim enquanto eu estivesse no quintal, mas corri antes de descobrir quem era. Segui para a porta do quintal, apertando contra
o peito meu pote de aventuras estreladas em branco.
Corri para fora da casa, sai da varanda. Corri, corri e não parei mais.
Lágrimas escorriam pelo meu rosto. Ouvi chamarem meu nome.
— Lara! Larinha, espere por mim!
Olhei para trás e vi Joseph me observando. Ele estava em sua varanda, mas começou a correr até onde eu estava. Eu não parei, nem mesmo para Joseph. Eu tinha que chegar até as ameixeiras. Onde era o lugar favorito de minha avó. Eu queria estar no lugar favorito dela. Porque eu estava triste por ela estar indo embora. Indo para o céu.
O lar de verdade dela.
— Lara, espere! Vá mais devagar.
Gritou Joseph, enquanto eu entrava na floresta. Entrei correndo; as ameixeiras, que estavam floridas, faziam um túnel sobre minha cabeça. Os matos eram verde sob meus pés, e o céu estava azul acima de mim.
Flores amarelas cobriam as árvores e o cheiro delas invadiam meu nariz. Então, bem no final do túnel, estava a maior árvore de
todas, uma mangueira de quase cinco década. Seus galhos pendiam quase até o chão. O tronco era o mais grosso de todo o bosque.
Era a favorita minha e de Joseph.
E da vovó também.
Eu estava sem fôlego. Quando cheguei debaixo da mangueira, afundei-me no chão, apertando meu pote, enquanto lágrimas rolavam pelo meu rosto. Eu senti Joseph parar ao meu lado, mas não olhei para cima.
— Larinha?
Disse Joseph. Era como ele me chamava, quando eu estava triste. Eu adorava quando ele falava meu nome assim.
— Larinha, não chore, eu estou aqui com voce.
Ele sussurrou.
Mas eu não conseguia evitar. Eu não queria que minha vovó me deixasse, mesmo sabendo que ela precisava ir. Eu sabia que, quando voltasse para casa, vovó não estaria mais lá: nem agora, nem nunca mais.
Joseph sentou ao meu lado e me puxou para um abraço. Eu me aconcheguei no peito dele e chorei. Eu amava os abraços de Joseph, ele
sempre me apertava tão forte e era tão quentinho e gostoso aquele abraço.
— Minha vovó, Joseph, ela está muito doente e indo embora.
— Eu sei, Larinha, minha mãe me contou quando voltei da escola.
Continuei com a cabeça encostada no peito dele. Quando eu já não conseguia mais chorar, me sentei, enxugando o rosto. Olhei para Joseph, que estava me observando. Tentei sorrir. Assim que consegui, ele pegou
minha mão e a levou ao peito dele.
— Sinto muito que esteja triste, Larinha.
Disse Joseph, apertando minha mão contra seu peito.
A camiseta dele estava morna do sol.
— Não quero que você fique triste, nunca, Larinha. Você sempre sorri. Você está sempre feliz.
Funguei e apoiei a cabeça no ombro dele.
— Eu sei. Mas vovó é minha melhor amiga, Joseph, e eu não a terei mais.
Joseph não falou nada no começo, mas, depois disse:
— Eu também sou seu melhor amigo. E não vou a lugar algum. Eu prometo. Sempre estarei com você.
Meu peito, que estava doendo muito, de repente não doía mais tanto.
Concordei com a cabeça.
— Joseph e Lara até o infinito.
Eu disse.
— Até o infinito.
Ele repetiu.
Ficamos quietos por um tempo, até que Joseph perguntou:
— Para que serve esse pote, Lara? O que tem dentro?
Puxando minha mão de volta, peguei o pote e o levantei no ar.
— Minha vovó me deu uma nova aventura. Uma que vai durar minha vida inteira.
As sobrancelhas de Joseph se moveram para baixo e seu longo cabelo caiu sobre os olhos. Baixei o pote, e Joseph deu aquele seu meio sorriso.
Todas as meninas da escola queriam que ele sorrisse daquele jeito para elas, elas me disseram. Mas ele sorria assim apenas para mim. Eu disse que nenhuma delas poderia ficar com o sorriso dele, de nenhum jeito, pois ele era meu, joseph era meu melhor amigo e eu não queria dividi-lo com ninguém.
Joseph apontou para o pote.
— Eu não estou entendendo.
— Você lembra quais são as memórias favoritas da minha vovó? Eu já te contei.
Eu podia ver Joseph pensando intensamente, então ele disse:
— Beijos do vovô Raul?
Fiz que sim com a cabeça e puxei uma flor dente de leão que estava ao meu lado. Observei a florzinha. Ela era a favoritas da minha avó. Ela gostava delas porque não duravam muito. Ela me falou que as melhores coisas, as mais bonitas, nunca permanecem por muito tempo.
Ela disse que as flores dente de leão eram bonitas demais para durar o ano todo.
Era mais especial porque sua vida era curta. Como as borboletas: beleza extrema, morte rápida. Eu ainda não tinha muita certeza do
que isso significava, mas ela disse que eu entenderia melhor à medida que ficasse mais velha.
E acho que ela estava certa. Porque minha avó não era tão velha e estava indo embora jovem, pelo menos foi o que papai disse.
Talvez fosse por isso que ela gostava tanto das flores. Porque era igual a elas.
— Larinha?
A voz de Joseph me fez olhar para cima.
— Estou certo? Beijar seu avô eram as lembranças favoritas de sua vovó?
— Sim.
Respondi, deixando a flor cair.
— Todos os beijos que ganhou que fizeram o coração dela quase explodir. Vovó disse que os beijos dele eram as melhores coisas do mundo. Porque significava que ele a amava, que se importava com ela. E ele gostava dela exatamente por quem ela era.
Joseph olhou o pote e bufou.
— Ainda não estou entendendo, Lara.
Eu ri, e ele fez uma careta. Ele tinha belos lábios; eram bem grossos, com um arco perfeito. Abri o pote e puxei uma estrela de
papel dourado sem nada escrito. Eu o segurei no ar, entre mim e Joseph.
— Isto é uma aventura vazia.
Então apontei para o pote e continuei:
— Vovó me deu muitos deles para colecionar na minha vida.
Coloquei a estrela de volta no pote, peguei a mão dele e disse:
— Uma nova aventura, Joseph. Colecionar milhares de aventuras e momentos felizes antes de morrer… junto com minha alma gêmea.
— O quê, Lara? Estou confuso.
Disse ele, mas eu podia ouvir a raiva em suas palavras. Joseph podia ser bem genioso quando queria.
Eu puxei a caneta do bolso.
— Quando eu ganhar meu primeiro beijo, quando for algo tão especial que meu coração poderia quase explodir … apenas os momentos mais especiais … eu tenho que escrever os detalhes em uma dessas estrelas. É para quando eu ficar velha e grisalha e quiser contar para meus netinhos
tudo sobre o que realmente for especial na minha vida.
— Eu me levantei, sentindo a empolgação dentro de mim.
É o que vovó queria para mim, Joseph. Então tenho que começar logo! Quero fazer isso por ela.
Joseph também ficou de pé. Justamente nesse momento uma rajada de vento soprou pétalas de flores bem onde estávamos, e eu sorri.
Mas Joseph não estava sorrindo. Na verdade, ele parecia furioso.
— Você vai beijar um garoto, para o seu pote? Um garoto especial? Que você ama?
Ele perguntou.
Disse que sim.
Joseph balançou a cabeça e fez uma careta de novo.
— NÃO!
Ele gritou. E o sorriso sumiu do meu rosto.
— O quê?
Perguntei sem entender porque ele estava tão bravo.
Joseph se aproximou, balançando a cabeça mais forte.
— Não! Eu não quero você beijando um garoto para o seu pote! Eu não vou deixar!
— Mas…
Tentei falar, mas Joseph tomou minha mão.
— Você é minha melhor amiga.
Ele disse e estufou o peito, puxando minha mão.
— Eu não quero você beijando garotos!
— Mas eu tenho que beijar.
Expliquei, mostrando o pote.
— Eu tenho que começar a minha aventura. E mesmo assim, você ainda seria meu melhor amigo. Ninguém jamais será tão importante para mim, seu bobo.
Ele olhou intensamente para mim, depois para o pote. Meu peito doeu de novo. Pelo olhar em seu rosto, eu via que ele não estava feliz. Ele tinha ficado mal-humorado de novo.
Cheguei mais perto do meu melhor amigo, e os olhos de Joseph se fixaram nos meus.
— Larinha.
Ele disse, com a voz mais profunda, dura e forte.
— Joseph e Lara. Até o infinito, para sempre e sempre!
Abri a boca para gritar com ele, dizer que era uma aventura que eu tinha que começar. Mas, assim que fiz isso, Joseph se inclinou para a frente e pressionou os lábios dele nos meus.
Eu congelei. Não conseguia mover um músculo sequer enquanto sentia seus lábios. Eram mornos. Joseph tinha gosto de cravo e canela.
O vento soprou seu cabelo sobre meu rosto. Começou a fazer cócegas no meu nariz.
Joseph se afastou um pouco, mas seu rosto ficou perto do meu. Tentei respirar, mas meu peito estava esquisito, meio leve. E meu coração estava batendo rápido. Tão rápido que coloquei a mão no peito para senti-lo tão
acelerado dentro de mim.
— Joseph.
Sussurrei. Levantei a mão para colocar os dedos sobre os lábios. Ele piscou várias vezes enquanto me observava. Estendi minha mão e levei meus dedos até os seus lábios.
— Você me beijou.
Eu disse, sem acreditar.
Joseph levantou a mão para segurar a minha. Ele baixou nossas mãos unidas para seu lado.
— Eu vou está em todas as aventuras com você, e darei todos os beijos que você quiser. Todos eles. Ninguém nunca vai beijar você, só eu.
Meus olhos se arregalaram, mas meu coração não desacelerou.
— Isso seria para sempre, Joseph. Nunca ser beijada por mais ninguém significa que ficaremos juntos para sempre e para todo sempre?
Joseph fez que sim com a cabeça e então sorriu. Ele não sorria muito.
Normalmente, dava um meio sorriso ou um sorrisinho. Mas ele deveria sorrir sempre. Ele ficava lindo quando sorria.
— Somos para sempre. Até o infinito, lembra?
Assenti com a cabeça lentamente e então a inclinei para o lado.
— Você vai me dar todos os meus beijos? O suficiente para encher este pote inteiro?
Perguntei.
Joseph deu outro sorrisinho.
— Todos eles. Vamos encher o pote inteiro e mais. Vamos juntar bem mais que um pote.
Dei um suspiro e então me lembrei do pote. Puxei de volta minha mão, assim conseguiria alcançar a caneta e abrir a tampa do pote. Peguei uma estrela e me sentei para escrever. Joseph se ajoelhou diante de mim e
colocou a mão sobre a minha, impedindo-me de escrever.
Olhei confusa para ele. Ele engoliu em seco, enfiou o cabelo atrás da orelha e perguntou:
— Quando… eu… beijei você… seu coração quase explodiu? Foi muito especial? Você disse que só os momentos muito especiais
iam para o pote.
Ao dizer isso, ele ficou vermelho e baixou os olhos.
Sem pensar, coloquei os braços em torno do pescoço do meu melhor amigo. Encostei o rosto em seu peito e escutei seu coração.
Estava batendo tão rápido quanto o meu.
— Foi, Joseph. Foi tão especial quanto é possível ser especial.
Senti Joseph sorrindo e me afastei um pouco. Cruzei as pernas e coloquei a estrela de papel sobre a tampa do pote. Joseph também se sentou e cruzou as perna.
— O que você vai escrever?
Ele perguntou.
botei a tampa da caneta na boca enquanto pensava. Sentei-me reta e me inclinei um pouco para a frente, pressionando a caneta no papel.
"Aventura estrelada número um
Com Joseph, meu melhor amigo.
Na floresta, debaixo da nossa mangueira especial.
Meu coração quase explodiu."
Quando terminei de escrever, guardei a estrela no pote e fechei bem a tampa. Olhei para Joseph, que tinha me observado o tempo todo, e anunciei, orgulhosa:
— Aqui está. Minha primeira aventura estrelada!
Ele assentiu com a cabeça, mas seus olhos se voltaram para os meus lábios.
— Lara?
— Sim?
Sussurrei.
Joseph pegou minha mão e começou a fazer traços nela com a ponta do dedo.
— Posso… Posso te beijar de novo, Larinha?
Engoli em seco, sentindo um frio na barriga.
— Você quer me beijar de novo… agora?
Joseph fez que sim com a cabeça.
— Fazia tempo que eu queria beijar você. E, bem, você é minha melhor amiga e gostei disso. Gostei de te beijar. Você tem gosto de algodão-doce.
— Eu comi um pouco de algodão-doce no caminho para casa. O favorito da vovó.
Expliquei.
Joseph respirou fundo e se inclinou para mim. Seu cabelo foi para a frente.
— Eu quero fazer isso de novo.
Disse ele.
— Tudo bem.
E Joseph me beijou. E até o fim do dia eu tinha mais quatro estrelas de momentos especial no meu pote.
Quando cheguei em casa, mamãe me disse que minha vovó tinha ido para o céu. Corri para o meu quarto o mais rápido que pude. E me apressei para pegar no sono. Como ela havia prometido, vovó estava lá nos meus
sonhos. Contei para ela sobre meu beijo com Joseph.
Minha vovó deu um grande sorriso e me beijou no rosto.
Eu sabia que essa seria a melhor aventura da minha vida e vivi com a pessoa que mais amo nessa vida.
Para todo sempre Joseph e Lara.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 125
Comments
Heloisa Melendre
ah vey q dó
2024-08-25
0
Taiane Alves
Capítulo maravilhoso! Essa autora é espetacular! Muita emoção e sensibilidade na escrita, digna de estar entre os Best-seller.
2024-06-23
0
Ezanira Rodrigues
Que capítulo foi esse, autora. Quase não conseguindo lê-lo, pois minhas lágrimas não deixavam. Não é fácil nos despedimos de alguém, ainda mais se esse alguém for muito importante para você. Eu estou emocionada.😭😭😭
2024-04-22
2