Predestinados ( Primeiro Livro Dos Dois Filhos De Kalel)

Predestinados ( Primeiro Livro Dos Dois Filhos De Kalel)

Niger et Albus

Oi, tudo bem? Vim aqui dizer que esse é um livro autônomo, mas que conta somente a história de um dos filhos de Kalel. Se não for pedir demais, depois de ler esse leiam o de Gideon, ele se chama Amarrados. Boa leitura!

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Olá, eu me chamo Sidereum Noctem*, vim aqui pra contar sobre uma noite escura e chuvosa, que uniu duas almas em um laço de irmandade naquele pequeno país, e que determinou uma ligação forte entre niger et albus**.

Então se você me permitir, gostaria de puxar uma cadeira e sentar ao seu lado, pra contar não apenas isso, mas também como um casal jovem e predestinado vai conseguir driblar a marca de um destino forte e incontrolável e escrever a sua própria história.

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Vaticano, há vinte e sete anos atrás.

Os gritos da mulher em trabalho de parto ecoaram de uma maneira tão forte pelo casarão antigo e elegante, que conseguiram se sobressair ao som da chuva forte que caia lá fora.

Aprisca era atendida por duas freiras parteiras, enquanto Kalel andava pra lá e pra cá no corredor, passando sem parar as mãos nos cabelos negros como a noite. Estava tão nervoso que via o sangue correndo forte nas veias através da pele clara dos braços.

Aprisca deu um grito mais forte do que todos os que já havia dado, Kalel ficou estático no meio do corredor. Alguns segundos de silêncio se fizeram presentes, até que o choro forte da criança foi ouvido e o homem respirou aliviado. Adentrou o quarto e encontrou a esposa com um sorriso no rosto, segurando nos braços uma criança forte.

Kalel se aproximou da cama desarrumada e marcada pelo parto, e imediatamente abriu um sorriso também ao ver o rosto inocente e angelical na sua frente, emoldurado por cabelos negros como os dele. Naquele instante foi inundado por um amor completamente novo e avassalador.

Encarou os olhinhos negros como os seus e a pele alva, ouvindo a mulher dizer:

- Ele é um menino lindo!

Aprisca estava completamente apaixonada, um pouco apreensiva pelo futuro do filho, mas inteiramente confiante de que ele seria tão talentoso quanto o pai no que fazia.

Sabia que o trabalho deles era indispensável, e que era uma questão totalmente além do controle e compreensão dela.

- É sim amore mio, assim como tudo que vem de você.

*********

Já era alto da madrugada.

Aprisca e o bebê dormiam bem aquecidos pela lareira do quarto, quando a campainha da mansão tocou. Kalel assumiu a postura de homem sombrio que estava habituado e desceu as escadas segurando o revólver cromado, estava preparado pra qualquer coisa, não que estivessem dispostos a desafia-lo ali, no Vaticano, aliás, não havia ninguém disposto a isso em nenhum lugar, mas ele sabia que sempre podia existir alguém louco o suficiente.

Encontrou com a empregada enrolada em um robe longo e fez um gesto pra ela de silêncio. A mulher de meia idade baixou os olhos e se retirou deixando que o patrão atendesse a porta. Kalel se posicionou atrás da madeira bem trabalhada e abriu rapidamente, se escondendo atrás da parede e esperando pelo ataque, mas nada aconteceu.

Ele resolveu olhar quem era e não viu ninguém na altura de seus olhos, só quando baixou o rosto foi que conseguiu perceber o cesto de vime, com um acabamento em verniz escuro e um tamanho considerável.

Kalel observou os lados e chegou até a sair na chuva que insistia em cair forte. Não havia ninguém, só o cesto. Colocou a arma na cintura e se abaixou pra ver o que era, foi quando teve uma surpresa: envolto nos lençóis brancos que estavam dentro do cesto, uma criança, outro menino, esse de cabelos loiros como sol.

Quando o homem forte se abaixou e pegou o entrelaçado, a criança acordou com o balanço e começou a chorar, ele podia perceber os sinais de parto recente. Havia nascido naquela noite mesmo, como a criança que descansava no quarto, estava ainda com o cordão umbilical. Enquanto olhava nos olhinhos azuis que estavam molhados, ele teve a mesma sensação de quando viu o sangue do seu sangue pela primeira vez. Kalel sabia que aquele também seria seu filho.

Subiu ao quarto e cortou o cordão umbilical da segunda criança como havia cortado o da primeira. Limpou o bebê e o vestiu com uma das roupinhas novas do filho que dormia ao lado da mãe.

Enquanto terminava de aquecer o anjinho loiro, ouviu a voz de Aprisca.

- Me dê aqui, ele deve estar com fome.

Kalel sabia que a esposa era um ser humano de coração enorme, sabia também que não a merecia por tudo que ele fazia por aí, mas ela era o ponto de paz dele. Exatamente por isso soube que ela receberia como filho também a criança deixada alí.

A mulher recolheu a criança nos braços e o amamentou, estabelecendo ali o mesmo laço de amor que estabelecera horas antes com a criança saída de seu ventre.

***********

Quando a manhã já estava alta, Kalel colocou os dois filhos em moisés confortáveis que mandou comprarem na cidade, e se dirigiu ao lugar determinado pelo conselho. Precisava cumprir com as tradições, era imprescindível que os homens da irmandade, nascidos da família primeira, fossem apresentados diante do conselho.

Não obedecia ninguém, era o maior que existia em seu meio, mas tinha respeito pelos anciãos que ali se reuniam. Adentrou o salão enorme, e bem trabalhado com arte bizantina e ouro, carregando um filho em cada mão.

O religioso ancião, sentado na maior cadeira do salão, abriu um sorriso e dirigiu um olhar curioso para Kalel.

- As parteiras me disseram que Aprisca deu à luz a uma criança só, mas te vejo com duas. Quem é a outra?

Kalel colocou os dois filhos no chão e se ajoelhou perante o conselho.

- É meu filho também, me foi enviado essa madrugada e Aprisca e eu o acolhemos como fruto nosso.

O ancião se levantou e ajeitou a roupa vermelha que vestia.

- Você sabe o que é necessário para que ele seja aceito como seu e faça parte dos nossos, não sabe?

Kalel levantou o olhar e estendeu as mãos. O ancião o entregou uma adaga de ouro e Kalel cortou a palma da própria mão direita, deixando o sangue escorrer por cima da cabeça da criança loira e dizendo:

- Adversus hoc consilium tibi filium meum annuntiamus, et hic te facio, sanguinem sanguinis mei, et carnis carnis mee.***

Alí estava selado, Kalel oficialmente possuía dois filhos perante o conselho.

O ancião o olhou por um tempo enquanto analisava a situação, e via o homem enrolando uma faixa branca em seu machucado.

- Pois bem então...

O velho pegou a criança com cabelos negros e a levantou nas mãos a vista de todos os trinta anciãos do conselho. E disse em alto e bom tom:

- Este é Legio****, o que arrastará sob seus pés o castigo do inferno para quem o merecer. Valerá por uma centena de homens, e sua força e habilidade será multiplicada de acordo com sua necessidade.

Deixou o bebê no meio de transporte em que foi trazido e pegou o outro, a criança loira.

- Este é Angelus*****, o que vingará os inocentes e conduzirá os maliciosos ao sofrimento eterno. Será o juiz e o carrasco, agindo como assim lhe convir.

Deixou a outra criança em seu lugar e depois disse em um tom mais alto ainda do que já usava:

- Eu vos apresento, os dois filhos de Kalel!

E foi assim que niger et albus, se tornaram irmãos. Como o sol e a lua.

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Tempo presente.

A noite fria se entende normalmente, um homem alto e de constituição física considerável, fuma um cigarro e aprecia o silêncio. De repente ouve uma voz familiar.

- Boa noite, Manfred.

Manfred engole em seco e joga o cigarro no chão pisando em cima e apagando a brasa.

Cria coragem para responder, mas não para se virar.

- Boa noite, quem está aqui é Legio ou...

Não pôde completar a frase, sente o cano gelado do revólver na nuca e ouve a castanhola que a morte porta. Um toque só, apenas um aviso de que não devia terminar a frase e uma resposta à pergunta que ele queria fazer. Manfred trava ainda mais, sabe que se a castanhola tocar três vezes será um homem morto.

Sentindo o coração acelerado e o medo correndo em suas veias no lugar do sangue, Manfred destrava a língua novamente.

- O que você deseja Legio?

Legio dá um sorriso de canto como se o homem a sua frente pudesse ver.

- Além dos oito que estavam na entrada, quantos estão lá dentro?

Manfred não hesita, diz logo o que Legio quer saber.

- São doze homens sentados em volta de uma mesa, e mais doze em pé, portando armas.

Legio tira o revólver da nunca do homem e lhe diz:

- Você é um bom homem Manfred, trabalha pra esses caras por necessidade, eu conheço suas cinco filhas e merecem continuar tendo um pai. Exatamente por isso que vou te dar três minutos pra ir embora daqui.

Manfred corre como nunca, não quer ser o corpo de número nove no jardim e nem ser o de número vinte e cinco dentro da casa.

Legio confere as armas que trazia na cintura e adentra a mansão Tudor, carregando uma bolsa de lona preta e arrastando o inferno sob os pés.

**********

- Misericórdia Legio! Eu imploro por sua misericórdia!

O homem semi nu amarrado na cadeira não ousa levantar os olhos, tudo que ele consegue ver atravéz do seu próprio sangue que borra sua visão é o terno preto e bem cortado que a morte usa.

Legio fazia jus ao seu nome, é como uma legião, capaz de derrubar quantos forem preciso. Sem nem ao menos, em muitas vezes, ser o mais forte do lugar em termos de aparência.

O homem leva um tiro na coxa esquerda e grita de dor, logo em seguida vê a perna direita de Legio sendo erguida e o sapato italiano envernizado sendo pressionado em seu ferimento.

- Misericórdia? Você me pede por misericórdia, Jhon? Logo você que não tem misericórdia de ninguém, que manda açoitar e escravizar pessoas mundo a fora para que elas te deixem a cada dia mais rico enquanto definham no trabalho das minas e garimpos? Eu não tenho misericórdia. Qualquer dor que eu possa lhe afligir essa noite ainda será pouca mediante o sofrimento que você causa.

É verdade, Legio foi criado e preparado para não ter misericórdia de homens como esse na sua frente.

Ele anda até a bolsa em cima da mesa e dá um sorriso ao ver os onze homens mortos e sentados ainda, mais os doze estirados no chão.

Foram fáceis, como tirar doces de criança.

Legio enfia a mão na bolsa e tira um açoite romano com sete cordas.

Depois caminha até a cadeira onde o homem está sentado.

- Olhe pra mim Jhon, é uma ordem.

Jhon levanta o olhar.

- Vão ser dez, eu quero que conte.

Legio desfere o primeiro golpe no rosto de Jhon, serão todos alí.

- Eu não estou te ouvindo contar!

Jhon berra os números, e quando termina ele ouve o que achava ser lenda: A sua encomenda de alma.

Mas isso é uma burrice, essa coisa de achar ser lenda. Ele achava que o próprio Legio era uma lenda, e que os dois filhos de Kalel nunca existiram, mas essa noite ele foi provado.

- Et nocte illa animam tuam trado, coram Eo qui te definitive iudicaturus est offero.******

Jhon engole em seco enquanto escuta as castanholas soando três vezes, fecha os olhos e se prepara. Seu corpo cai sem vida depois do tiro e é assim que o mundo se vê livre de mais um monstro.

Legio ajeita a gravata, espalha gasolina no interior do imóvel e depois risca o fósforo, deixando atrás de si um rastro de morte e fogo, causado por um homem que usa somente ternos pretos.

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Tradução das palavras em Latim.

* Sidereum Noctem: Noite Estrelada.

** niger et albus: preto e branco.

*** - Adversus hoc consilium tibi filium meum annuntiamus, et hic te facio, sanguinem sanguinis mei, et carnis carnis mee: Perante esse conselho eu anuncio a ti meu filho, e te faço sangue do meu sangue e carne da minha carne.

****Legio: Legião.

*****Angelus: Anjo.

****** Et nocte illa animam tuam trado, coram Eo qui te definitive iudicaturus est offero: Essa noite eu entrego sua alma, a ofereço diante daqu'Ele que vai julgá-lo definitivamente.

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Comments

Débora Ribeiro

Débora Ribeiro

Se o primeiro capítulo já é de irar o fôlego e com tantas informações, a expectativa para mais essa leitura de Thamires está lá em cima... Iniciando em 18/09.

Bora me aventurar em mais um clássico!

2024-09-18

0

Alzenir Gianiselle

Alzenir Gianiselle

Começando a leitura dia 15/06/24

2024-06-16

2

Beatriz Ferraz

Beatriz Ferraz

Lendo pela segunda vez e empolgada igualmente !!!Autora incrível !

2024-06-15

0

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Atualizado até capítulo 57

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