Momento de tranquilidade

—Onde já se viu, colocar cabelo rosa na boneca! — Jason exclamou, surpreso, ao entrar no quarto da irmã e ver Leane e Molly sentadas no tapete do quarto, cortando várias tiras de linha de lã na cor rosa, do mesmo tamanho, para colar na cabeça da boneca.

Leane sorriu, enquanto Molly apenas revirava os olhos para o irmão.

—No mundo das bonecas, pode-se usar os cabelos da cor que quiser! — ela repetiu as palavras que Leane lhe dissera mais cedo.

—A minha tem os cabelos coloridos. — Leane contou, chamando a atenção das duas crianças para si mesma.

Meggie estava adormecida na cama da irmã, sem se importar nem um pouco com os ruídos ao seu redor.

—Você tem uma boneca? — Molly perguntou, com os olhos arregalados em surpresa.

Leane assentiu.

—Tenho sim. E ela também era a minha boneca preferida, então cuidei bem dela para que sempre a tivesse comigo. — explicou.

Jason se sentou ao lado delas, observando o que as duas faziam.

—Mas Lean, você não tem mais idade para brincar de bonecas. — ele retrucou, rindo baixinho.

Leane cruzou os braços sobre os seios, olhando para o garoto fingindo estar brava.

—Para início de conversa, garotinho insolente, jamais insinue para uma mulher que ela é velha! —Molly riu e cobriu a boca rapidamente, enquanto seu irmão ficava lívido, pensando ter ofendido Leane. —E segundo, eu não “brinco” com bonecas, eu apenas mantive a minha guardada por que tenho um carinho imenso por ela. Assim como a sua irmã, eu me recordo de bons momentos ao lado da minha mãe quando olho para ela.

Molly olhou para ela com espanto, percebendo que Leane havia escutado sua conversa com o irmão mais cedo e corou, envergonhada.

—Desculpe, Lean. Eu não quis chamá-la de velha...— Jason se desculpou, fazendo Leane sorrir satisfeita. Eles estavam aprendendo... — eu só pensava que apenas crianças tinham brinquedos.

Desta vez, foi Leane quem revirou os olhos.

—Um dia vai entender, Jason, que há uma criança interior dentro de nós, mesmo quando ficamos velhos. Talvez eu possa provar isso para vocês amanhã... — ela sugeriu, fazendo com que ambos a encarassem com curiosidade.

—E como pretende fazer isso? — Molly quis saber.

—Primeiro, vamos terminar essa tarefa aqui. Precisamos deixar essa boneca perfeita novamente e com um estilo novo. — ela disse, voltando pregar os fios de lã no couro da boneca. —Depois, vocês dois vão se deitar para dormir, pois amanhã cedo tem escola.

Os dois resmungaram em uníssono ao falar da escola e Leane riu.

—E quando chegarem da escola, mostraremos a Sra. Albert, ao Norman e a Mary, como podemos nos divertir mesmo sendo adultos.

Os dois riram divertidos.

Terminaram de arrumar os cabelos da boneca e Leane separou em duas partes, amarrando uma em cada lado formando duas maria-chiquinha.

Molly ficou satisfeita com o resultado e até mesmo Jason elogiou o estilo novo da boneca.

—Acho que ela ficou mais bonita agora, do que era antes. — ele comentou, fazendo as duas rirem satisfeitas.

—Que bom que gostou, Jason. Agora, todos para a cama porque eu preciso colocar essa garotinha no berço antes que acabe acordando. — Leane ordenou, colocando-se de pé e indo até à cama para pegar Meggie no colo delicadamente, a fim de não acordá-la.

Jason se levantou também, indo em direção a porta, indo para o próprio quarto.

—Boa noite, Molly. Boa noite Leane. — ele disse antes de sair.

—Boa noite, Jason. — as duas disseram juntas.

Quando Leane já ia sair pela porta, Molly, que se deitava e ajeitava as cobertas sobre si mesma, a chamou de volta.

—Lean, depois você me mostra a sua boneca? — ela pediu, fazendo Leane se voltar para ela com um sorriso gentil nos lábios.

—Claro que sim.

Leane apagou a luz e fechou a porta, levando a bebê para o próprio quarto e depositando-a no berço delicadamente.

Quando saiu e fechou a porta, satisfeita por encerrar mais um dia de forma tranquila, deparou-se com a Sra. Albert no corredor, fitando-a com admiração.

—Você está fazendo um ótimo trabalho com essas crianças, Leane. — ela elogiou, pegando Leane de surpresa.

—Estou fazendo apenas o meu trabalho, Sra. Albert. — respondeu, sem jeito.

A senhora meneou a cabeça, em negativa.

—Outras babás passaram por essa casa e fizeram apenas o seu trabalho. — ela retrucou. —Mas nenhuma delas ficou. O que está fazendo é diferente, tratando essas crianças como deveriam ser tratadas e não apenas por obrigação.

Leane preferiu ficar em silêncio, ao perceber que ela não tinha terminado ainda.

—O Sr. Howard teve que fazer uma viagem a trabalho por isso não o viu desde que chegou. Mas peço que evite comentários como aquele que fez na cozinha, porque se isso chegar até ele, imagino que ele não ficará nem um pouco satisfeito. Não quero ter que apresentar as crianças para uma nova babá na semana que vem.

Leane entendeu o recado e sabia que merecia aquela repreensão.

—Isso não acontecerá novamente, Sra. Albert. — ela garantiu.

Precisava daquele emprego e sinceramente estava se acostumando com as crianças.

A mulher assentiu, satisfeita, antes de se afastar novamente pelo corredor e descer as escadas.

Leane foi para o próprio quarto, a fim de tomar um banho relaxante e se preparar para dormir.

Quando terminou, vestiu seu pijama e foi dar uma última olhada em Meggie antes de se deitar.

O quarto da garotinha ficava logo ao lado do seu, pois assim era mais fácil ouvir quando ela acordava durante a noite.

Caminhou, descalça, para fora do quarto e reparou na porta do quarto de Meggie entreaberta.

Já era tarde e ela se lembrava de ter fechado a porta quando saíra de lá uma hora atrás.

Afastou a porta um pouco mais para olhar lá para dentro, reparando em uma figura alta no escuro do quarto, ao lado do berço.

—O que faz aqui? — ela disparou, seu coração acelerado dentro do peito enquanto a figura se virava, voltando-se para ela.

A pouca luz que penetrava no ambiente era a que vinha de fora da casa, pela janela do quarto, e não lhe permitia ver muito do estranho a sua frente.

—Não sabia que precisava de autorização para ver meus filhos. — foi a resposta seca que ela recebeu e Leane abriu os lábios em surpresa.

Engoliu em seco, enquanto trocava o peso do corpo de uma perna para a outra, sem jeito.

Ele era o pai das crianças...

Que péssima maneira de se apresentar, ela pensou.

—Me desculpe, Sr. Howard, eu não sabia que estava aqui. — ela se desculpou.

—Essa é a minha casa, não é? Onde mais eu deveria estar? — ele resmungou, voltando-se novamente para a bebê e ajeitando o cobertor sobre o seu pequeno corpinho.

—Eu... apenas não fui informada que voltaria essa noite de viagem, e fiquei preocupada ao ver a porta aberta. — justificou-se. — Não sabia que passava para ver as crianças e...

—Quem seria louco para dizer que não vejo meus filhos? — ele respondeu, agora a encarando novamente, mais perto.

Leane nem mesmo se dera conta que ele se aproximara e agora tinha que erguer o rosto para encará-lo.

Umedeceu os lábios, nervosa, ao perceber que falara demais.

Talvez desse aprender a manter a boca fechada e guardar sua opinião para si mesma! Ela pensou, lembrando-se do que a Sra. Albert lhe dissera mais cedo.

Mas agora que começara, tudo o que lhe restava era terminar.

—Jason, senhor. — ela respondeu. —Ele disse que você passa muito tempo fora e que talvez tenha se esquecido que tem filhos...

Aquele era o momento, ela pensou, sentindo o coração na garganta.

Era o momento em que ele ficaria extremamente bravo e mandaria recolher suas coisas e ir embora. Perderia seu emprego por sua língua grande e sairia com uma mão na frente e outra atrás, sem ter para onde ir.

Mas se isso significasse que estava abrindo os olhos do homem a sua frente, para a maneira como criava os próprios filhos, então que fosse! Pensou.

Talvez algo bom surgisse daquela situação, afinal.

Damon Howard apenas a encarou pelo que lhe pareceu um longo instante, antes de passar por ela e sair do quarto.

—Feche a porta quando sair. — ele ordenou, deixando Leane sozinha dentro do quarto de Meggie.

Foi somente nesse instante, quando já não estava diante de sua presença assustadora, que ela percebeu que cerrara os punhos e suas unhas perfuravam -lhe as palmas das mãos.

Relaxou os dedos novamente, respirando fundo. Fechou a porta ao sair do quarto para o corredor escuro e seguiu para o seu próprio, recostando-se na madeira fria enquanto fechava os olhos, imaginando o que aconteceria no dia seguinte.

Essa insegurança foi o suficiente para lhe tirar o sono por metade da noite.

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