A história de Miguel cessou quando uma voz familiar ecoou por detrás do guerreiro de armadura de couro e bainha vazia presa à cintura, já que a espada havia sido reduzida a minúsculos fragmentos.
— Por que ele ainda vive? — questionou a Rainha, seguida pela irmã mais nova, que, portando alguns papéis em mãos, aproximou-se de Miguel cessando as próprias lembranças, enquanto o samurai começava a se tremer de medo dos pés à cabeça, pois até então a ordem lhe incumbida ainda estava pendente.
— M-Me perdoa, senhora! — gaguejou o samurai, após ouvir a voz da Rainha soar atrás de si mesmo.
Não obstante, ao virar o corpo, o samurai foi surpreendido com uma espada de esgrima à altura dos próprios olhos e com o elevado e ríspido tom de voz da Rainha, indagando-o:
— Será que não fui clara o suficiente na ordem que lhe dei?
— S-Sim, senhora…
— Então, Mate-o! — ordenou novamente, com mais intensidade.
— N-Não consigo — confessou o samurai, que, sem conseguir acompanhar o movimento da espada dela, perdeu o próprio capacete de couro da cabeça e quase perdeu uma das orelhas também.
— Minha irmã, o que significa isso!? — questionou Laura, confusa. — O que está tentando fazer?
— Não é óbvio? Esse seu convidado deve morrer e, talvez, este meu guarda-costas inútil também.
— Por favor, não! — ajoelhou-se o samurai, baixando a cabeça rente aos calçados brancos dela. — Eu imploro, senhora! Perdoe-me!
Sentindo-se ainda mais decepcionada pelo samurai que lhe protegia das ameaças de morte que recentemente passou a receber, ela pôs a sola da própria sandália sobre a cabeça desnuda dele.
— É vergonhoso ver um homem tão chorão como você — bufou, recolocando, vagarosamente, o pé de volta no chão. — Levante-se! — ordenou, tocando as costas dele com a ponta da espada de esgrima. — Será mais honroso ser morto em pé do que ajoelhado como um tolo medroso.
— Minha irmã, o que está te acontecendo, assim, tão de repente você até parece outra pe…
— Cale-se, sua ruiva idiota!
Laura quase deixou os papéis caírem no chão de tão abismada que ficou abruptamente. Contudo, Miguel deu suporte ao corpo dela e não permitiu que as folhas se espalhassem pelo carpete sobreposto no piso de cerâmica.
— Talvez essa não seja realmente a sua irmã, senhorita Anjos — comentou Miguel aos sussurros próximo ao ouvido de Laura sentindo uma repentina tontura. — Desde quando cheguei aqui, sinto uma forte energia crescente, mas até agora não consigo identificar a qualidade dela, se é benéfica ou maligna. Parece haver uma mistura entre ambas e, segundo o que aprendi, só há uma forma disso acontecer.
Foi aí então que os quatro ouviram um grito estridente, cujo som parecia estar em movimento, aproximando-se de onde estavam, na sala principal, surgiu a babá do filho da Rainha toda arranhada, principalmente nos braços, e descabelada, assim como suas roupas estavam parcialmente rasgadas, fazendo-a cobrir os seios seminus com o próprio braço.
— Meu Deus! O que houve? — indagou Laura, caindo de vez nos braços do medo.
— É um demônio, é um demônio — repetia com pavor a babá. — Não é menino, é demônio!
Os olhares de Laura, de Miguel e da Rainha se voltaram fixamente à babá, que desabou no chão ao desmaiar após sentir unhas grandes lhe arranhar novamente as costas.
Ao se levantar do chão, o olhar do samurai também se voltou à babá, mas, principalmente, à criança que estava logo atrás dela. Era o único filho da Rainha com o atual prefeito de Anginópolis, Leonardo Serra.
O menino se chamava Gil Serra e havia pouco tempo que completara dez anos. Da mesma forma que os adultos lhe fitavam fixamente, ele retribuía o olhar, porém, com mais veemência e expressão de fúria, suas sobrancelhas estavam franzidas e seus lábios tremiam como se estivesse com frio numa manhã calorosa.
Sutilmente, Miguel retirou dos bolsos das calças o pequeno embrulho de agulhas de acupuntura que carregava sempre consigo e delas lançou três na direção do menino, como se tivesse lançado discos de dvds no ar.
As agulhas tilintaram ao serem interceptadas pela espada de esgrima da Rainha, que o questionou com olhar de revolta:
— Como ousa atacar o meu filho?
— Não ouviu o que disse aquela mulher? — apontou Miguel a babá e em seguida o filho da Rainha. — Aquele garoto está possuído por espíritos malignos, e suspeito que a senhora também esteja sendo influenciada por eles…
— Basta!
— Senhora Rainha? — estranhou o samurai a intensidade e a vibração da voz dela. Por isso, afastou-se o máximo possível dela. — Eu sempre duvidei do motivo pelo qual a senhora corre perigo de vida, mas agora é inegável que a razão seja mesmo o seu filho — revelou, deixando Laura inquieta e estressada por querer entender as vagas palavras dele e não conseguir.
— Será que podem dizer exatamente o que está acontecendo e o por quê?
— Acalme-se, senhorita Anjos — disse Miguel, deixando os papéis nas mãos dela e, então, avançando em direção a Rainha, pediu: — Diga-nos o por quê permiti que espíritos malignos possuam o corpo do seu filho?
— Não lhe devo motivo algum sobre o que faço ou deixo de fazer.
— Então, responda por ela, samurai — sugeriu Miguel —, se ainda quiser o meu perdão por ter me atacado quando cheguei aqui, para manter a sua própria honra de guerreiro oriental, diga toda a verdade que sabe.
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Atualizado até capítulo 102
Comments
Lucinda Basilio
quando vai publicar mais episódio quero ler até o final
2022-07-04
2
Eloiza Helena
amando cada capítulos
2022-07-04
1