Miguel e o mestre partiram da destruída cabana para Anginópolis, localizada entre as cidades de Manauba e Samaria. Lá, foram exatamente ao local onde a casa dos pais dele deveria estar, mas, em vez disso, havia um restaurante no lugar e o dono do empreendimento nem sequer era um conhecido da família Luz.
Sob os olhares dos clientes que olhavam principalmente para o manto branco do velho, Miguel sentou-se a uma das mesas, sentindo a expectativa de encontrar os pais se dissolver rapidamente, pois se eles não estavam ali, onde mais estariam?
— Se não vão consumir nada, será que podem pelo menos sair do meu restaurante? — pediu o dono, envergonhado pela má impressão que os dois recém-chegados transmitiam aos cidadãos da cidade. — Vocês estão assustando os meus clientes.
— Por acaso pensam que eu sou um fantasma? — questionou o mestre Zen, encarando o dono do local. — Se estou todo de branco é porque...
— O senhor gosta de branco — deduziu o dono do restaurante em tom apressado.
— Não, não — contestou o velho, sorrindo. — É porque eu realmente sou um fantasma.
De imediato, assustando o dono do restaurante e fazendo os clientes ao redor saírem correndo para fora do estabelecimento, o velho de branco ficou invisível ao ponto de não retornar mais a visibilidade naquele lugar.
Miguel ouviu a voz dele ecoar em seus ouvidos, dizendo:
— Nos veremos novamente algum dia, meu aprendiz, até lá não deixe de pôr em ação tudo que lhe ensinei.
Assim que a voz do mestre cessou, Miguel correu para fora do restaurante e, olhando de um lado a outro, não o avistou mais.
O mestre Zen havia sumido!
A princípio, Miguel pensou que ele estivesse tentando lhe punir pelo que havia feito com a cabana dele. No entanto, passaram-se horas, um dia inteiro, e nem mais um sinal dele foi percebido.
O mestre o deixou sozinho naquela cidade com algumas poucas moedas e uma bolsa de couro contendo o único livro salvo das chamas, um livro antigo sobre a milenar medicina chinesa, que Miguel deveria lê-lo diariamente a fim de esse conhecimento o preparar melhor para a obtenção do Poder Espiritual restando cinco anos de silêncio.
Relembrando, então, o quanto foi difícil encontrar um local para se hospedar naquele dia, Miguel contou ao samurai que acabou por passar a noite sentado sobre o batente da porta de uma casa a poucos quarteirões do restaurante a partir de então taxado de assombrado.
— Assim que o dia nasceu e os primeiros raios de sol atingiram o meu rosto, despertei sentindo o meu corpo mais cansado do que descansado — contou Miguel, deixando o samurai ainda mais envolvido com a narrativa. — E, ao meu lado havia uma bandeja com um inesperado café da manhã. Tinha uma xícara de café e, talvez algumas torradas, não tenho certeza, pois quem comeu o alimento que havia no prato foi um felpudo cachorro de rua, que saiu correndo assim que a porta da casa foi aberta e uma senhora portando uma vassoura em mãos tangeu o pequeno animal.
— De novo esse cachorro por aqui! — Ela resmungou, abaixando-se para apanhar a bandeja. — Miguel, porém, foi mais rápido e a ergueu para ela. — Obrigada, meu filho! Eu vi que você passou a noite na frente da minha porta. Tive medo de convidá-lo para entrar, por isso lhe preparei esse café da manhã como uma forma de me desculpar, mas a peste daquele cachorro comeu tudo.
Miguel sorriu, expressando-lhe a vontade de dizer que estava tudo bem, embora seu estômago estivesse roncando de fome.
— Por favor, meu filho, entre, que eu irei lhe preparar outro café da manhã.
Miguel aceitou a gentileza da idosa de voz tão doce e afável que parecia acariciá-lo com cada palavra que pronunciava. Miguel a acompanhou até a cozinha, onde ela fazia seus maravilhosos e irresistíveis bolinhos de chuva.
— Sente-se, meu filho — pediu a idosa, apontando a mesa de madeira no centro do local. — Sei que não é confortável essas cadeiras de pau, mas é o que tenho, meu filho. Sou uma mulher simples, não cresci na vida, mas o pouco que tenho tento repetir da melhor forma com o próximo.
A idosa direcionou-se ao fogão, em que se concentrou e, com a lentidão que tinha nos próprios movimentos, começou a preparar mais meia dúzia de seus deliciosos bolinhos.
Não tardou para que o bom cheiro alcançasse o olfato de Miguel, que, sentado à mesa, permanecia em seu constante silêncio, deixando a idosa um pouco preocupada, até ela concluir que ele certamente não falava.
— Então, o gato comeu a sua língua, não foi, meu filho? — indagou a idosa, rindo consigo mesma, até Miguel expôr a língua em sentido de contradizê-la, porém, ela o interpretou mal. — Guarda essa língua, ou te atiro essa frigideira — ameaçou, com um olhar sério de mãe que era de um único filho, que surgiu ali, após ter despertado com mau-humor, perguntando:
— O que tem pra comer, velha?
— Esse é jeito de se comportar diante de uma visita, Tomás?
— Ah! Não enche — resmungou Tomás, sentando-se à mesa no lado oposto a Miguel. — Quem é esse? — perguntou ele à mãe, enquanto fitava com certa hostilidade o convidado da idosa.
Naquele dia Miguel foi acolhido por aquela bondosa idosa, de tal forma que ela o hospedou definitivamente em sua casa, quando diante de sua própria porta viu Miguel pernoitar também nos dias seguintes sentado sobre os curtos degraus.
Ela, portanto, entendeu, apesar de Miguel não falar, tampouco explicar nada, que ele não tinha para onde ir até então. Por isso, ela o acolheu como um filho ao ponto de também pagar uma escola básica para ele frequentar e, dois anos mais tarde, por apresentar um conhecimento superior à média graças a tudo que aprendeu com o mestre Zen, ele passou a frequentar a universidade LC, cujas mensalidades foram pagas pela idosa até o seu último dia de vida.
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Atualizado até capítulo 102
Comments
J. P. S. BEZERRA
Hummm! São realmente uma delícia divina, Gabi!😋
2022-08-21
3
GabiiLoveYuri&Yaoi/Otaka🔥🌚
amo bolinhos de chuva 😊❤
2022-08-20
1