Capítulo 4

Sua pele áspera e enrugada havia esquecido completamente a suavidade dos lençóis finos. Essa sensação a deixou nostálgica, acreditando que finalmente descansaria em paz no céu.

Um céu onde poderia se deitar em colchões confortáveis e ter lençóis para se cobrir ou brincar. Também haveria um céu sempre azul e uma noite sempre estrelada para nunca perder a luz. Seus pés caminhariam sobre grama fina, areia ou neve apenas para ir aonde quer que fosse e voltar para uma cama confortável. No entanto, ela já sabia que não estava em tal céu fantástico, porque o antigo quarto onde estava não poderia ser isso.

—Já acordou — Disse uma voz feminina de forma rude e insípida.

Uma última coisa sobre o seu céu: não havia mais ninguém além dela, porque em vida não havia alguém que desejasse como companhia. Mesmo amando muito, nunca foi amada e sempre sentiu que isso era culpa sua. Mas tal sentimento desapareceu nos seus últimos momentos de vida. Sua velhice, preenchida por uma infância, juventude e adultez de dor e ingenuidade, foi solitária e com raiva. Tudo devido a uma verdade que não para de atormentá-la uma vez que se apoderou de todos os seus pensamentos: o fraco é quem cai, sofre e morre primeiro. E com essa verdade, que ditou em sua mente como sentença antes de morrer, deixou claro que só tinha a si mesma. Ela era a sua verdade, sua família, sua melhor amiga e até mesmo seu amor. No final, sua confiança só deveria recair em si mesma. Infelizmente, não pôde mais viver com esse pensamento, as dificuldades da velhice e o império impediram-na.

—Acorde logo! —gritou a mesma voz — O que diabos está acontecendo?!

O primeiro sentimento que teve ao acordar foi surpresa e incerteza. Sua mente queria divagar sobre como e por que havia voltado no tempo. No entanto, não pensou mais sobre isso. Não se sentiu assustada, perturbada, angustiada ou feliz com seu retorno inesperado. Ao ver a desrespeitosa empregada, que conhecia bem, lembrou-se de tudo o que ela havia lhe feito. Como se fosse uma reação em cadeia, sua mente desenhou as memórias dolorosas de outras pessoas.

Sua face se deformou diante de tais memórias, assustando as duas damas presentes. Então, após a surpresa, o que sentiu foi ódio puro, tão profundo que a fez levantar da cama e caminhar até o espelho para se ver, mantendo aquela expressão assustadora e sem piscar. As rugas e cabelos grisalhos haviam desaparecido, e era difícil imaginar como era antes de morrer, já que mesmo o espelho estava distante de suas mãos. Em vez disso, estava sua velha pele juvenil, seus olhos tristes, uma mistura de névoa noturna e mar noturno: roxo escuro, suas mãos delicadas e seu cabelo negro sem vida.

- Estou de volta.-

Ela havia voltado a ser Diannel Uma Verlur, a Duquesa Bastarda.

—O que está acontecendo? —perguntou a mesma donzela muito irritada.

—Talvez tenha enlouquecido —respondeu outra que estava um pouco distante da cama.

—Só faltava essa —exclamou a primeira — Por que não poderia morrer logo?

Diannel beliscou os braços para, mais uma vez, ter outra prova de que ainda mantinha a sanidade. Ao tê-la, sua expressão sombria desapareceu e, em seu lugar, um grande sorriso se estendeu e seus olhos roxos escuros brilharam por um breve momento.

—Voltei —disse como a primeira palavra em sua nova vida, mas somente ela escutou.

Nesta sala, testemunha das injustiças, Diannel mais uma vez voltou a ser o que foi em sua primeira vida: uma bastarda, indecente, infiel e cruel. Embora agora essas percepções só sejam para o resto do mundo, porque ela não mais se via dessa forma. Então, seus olhos se voltaram para o primeiro rosto que viu: a empregada rude que ordenou que ela acordasse: Aylin Leiwen.

—Caramba — expressou Aylin — estou cansada de você.

Aylin, como se fosse a dona da casa, pegou impensadamente Diannel pelo braço, que ela e outros torturaram com agulhas ou água fervente, e a jogou no chão como se ela merecesse. A Duquesa Bastarda passou por esse tratamento e por outros piores. No entanto, como uma pessoa renovada, Diannel deu seus primeiros passos em direção a um novo destino que distorceria os sonhos e a luxúria dos demais. E, em seu primeiro ato, ela puniria a criada Aylin.

-O que pensa que está fazendo? -Solte-me, você está me machucando!

A outra criada avançou com intenções de parar a frágil mulher que enlouquecera. No entanto, Diannel lembrou-lhe do castigo em que todos haviam fugido há tanto tempo por causa de sua velha alma fraca. Agora, ela estava ciente do que tinha e nunca usou sendo a duquesa: o sobrenome de seu pai.

— O que você acha que meu pai fará se você me tocar? — A criada parou — Você causará mais problemas à sua Excelência? Lembre-se de que meu pai é o homem que o obrigou a se casar comigo! — Isso era uma verdade inegável — É óbvio que ele se preocupa comigo como filha! — mas a última parte era uma triste mentira.

- Mas todos acreditam que meu pai me aprecia muito- .

Era sabido que o atual duque foi um plebeu que se tornou cavaleiro do ducado Verlur aos olhos de seu verdadeiro pai: Jonathan Quill Verlur, que nunca teve filhos. Em seus últimos momentos de vida, reconheceu seu bastardo para torná-lo seu herdeiro. Assim, pôde evitar que suas posses e poder caíssem em mãos estrangeiras. Um simples plebeu como Oliver não duraria muito, de acordo com a sociedade, mas ele aceitou o cargo e jurou proteger o ducado Verlur e seu povo. Pois esse plebeu tinha a amizade de cada servo, cavaleiro e habitante próximo ao ducado desde que se tornou um famoso cavaleiro. Amado e quase não odiado por muitas pessoas no ducado. Oliver daria sua vida por seu povo e, da mesma forma, eles dariam suas vidas por ele. Por isso, todos compartilhavam seu ódio por Diannel, a bastarda cujo pai obrigou Oliver a desposá-la para acalmar os terríveis rumores que a cercavam. Apenas ele permaneceu sem ódio para com ela, mas indiferente pela desconfiança e trabalho.

Diannel sabia que ao envolver as criadas em problemas, iria quebrar seus corações, pois agora ele não era mais um simples plebeu ou cavaleiro, ele era o Duque Oliver Hanz Verlur, um dos quatro poderosos ducdos. Diante da ameaça de Diannel, a criada não se atreveu a se mover, receando ser atingida pela Duquesa.

- Aylin\, a criada que se vangloriava do favoritismo do meu marido como se fosse ser a sua esposa.-

- É hora do castigo\, Aylin.

- Hora da vingança.-

Uma das mãos de Diannel apertou com força os cabelos de Aylin até que ela foi forçada a se ajoelhar na frente do professor. As lágrimas logo escorreram, os insultos se seguiram, mas eles se transformaram em súplicas. Então, com sua mão livre, Diannel apertou os lábios de Aylin até que suas unhas lhe causassem dor. Agora, aquele rosto magnífico parecia o de um peixe inchado.

-Aylin- , sua voz arrepiou as duas donzelas, - sua boca só cospe mentiras, insultos e desrespeito por sua senhora. Acho que você não precisa mais dela, não é mesmo?

Mas não houve resposta, Diannel cerrou os lábios com mais força assim que tentou falar. Ao redor dos lábios, os arranhões causados por suas unhas se tornaram visíveis. Então, suas mãos deixaram essas dores e começaram a empurrá-la para o chão. Quando Aylin tentou se levantar, Diannel lhe deu um forte tapa que a derrubou no chão novamente. E assim foi toda vez que ela tentou se levantar. Ela chorou novamente, implorando por misericórdia com a boca ensanguentada.

- Isso não é nada comparado a tudo o que você fez comigo.-

Com esses gritos, algumas empregadas espiaram e até mesmo a empregada-chefe entrou perguntando o que estava acontecendo. Mas ela foi ignorada por Diannel, que ordenou que a outra empregada lhe trouxesse um lenço do quarto do marido. Quando o pegou, ela novamente agarrou os lábios de Aylin, forçou sua boca a se abrir e colocou o lenço em sua boca.

-Isso, Aylin- , ele a forçou a olhar para ela, - é a única coisa que você terá de meu marido- , sua primeira ordem foi ouvida. Aylin está proibida de tirar o lenço do duque de sua boca mentirosa e imunda até que eu sinta vontade.

-Mas...- , falou a camareira-chefe: Lola- O que pensa que está fazendo? -perguntou ela, irritada.

— EU dou ordens — respondeu Diannel — porque sou a Duquesa de Verlur... — avançou até Lola e a olhou enraivecida diretamente nos olhos —. Mas se você, Lola, acha que não tenho o direito de fazer isso e mais, pode reclamar com Oliver e eu falarei diretamente com meu pai. O que acontecerá depois? Quantos problemas você dará à sua Excelência por desobedecer-me?

Seus olhos furiosos, seu castigo pesado e sua presença intimidante foram suficientes para que todas entendessem essa ordem, sobretudo Aylin e Lola. Diannel sorriu satisfeita ao ver os resultados de sua nova versão de si mesma. Depois, perguntou a data exata, a resposta aumentou seu sorriso que acabou por assustá-las ainda mais do que já estavam.

-Ele disse, sorrindo como um gato, e assim todos foram embora.

- 17 de março de 932\, tenho 25 anos de idade...-

Mas o prazer de Diannel não se devia a isso, mas ao fato de que Aylin não poderia escapar de sua punição, derrubando-a com a indiferença do marido. Em vez disso, de agora em diante, ninguém poderia ir chorar para o duque pela crueldade de sua esposa.

- Meu marido chega hoje\, mas ferido por uma flecha envenenada\, e depois adormece por um longo tempo- .

No passado, depois de tal evento, seu inferno aumentou ainda mais. Agora ela jurou a si mesma, tendo apenas seu reflexo como testemunha, que alcançaria sua liberdade, mas não antes de fazer sofrer todos aqueles que a condenaram no passado. Aqueles que a usaram, outros que a ignoraram porque a odiavam, enfim: aqueles que a condenaram desde o nascimento.

- Um por um\, primeiro começarei com ela\, aquela que me usou\, que se aproveitou de meu desespero por afeto e que se tornou alguém que eu amava tanto. Eu a amava tanto que não hesitava ao seu comando só para que ela me olhasse com doçura e não enlouquecesse de solidão. A primeira pessoa que destruirei com todo o meu coração\, minha meia-irmã- .

— Hahaha! - Sua risada saiu como uma completa loucura - Eu voltei apesar de todo o meu sofrimento até a velhice!

- Agora que eu voltei\, não terminarei da mesma forma... só espere por mim\, minha querida irmã- .

Sua felicidade por sua nova oportunidade fez com que jogasse tudo o que era velho fora da estante. Juntos com eles foram arremessados vestidos escuros e antiquados, as cortinas foram abertas para que o sol entrasse e seus pequenos raios solares pudessem tocar a pele de seu rosto.

- Eu nunca mais esquecerei esta sensação- \, disse ele enquanto acariciava os lençóis finos.

Apesar do sorriso, da nova oportunidade e do conhecimento do futuro, o ódio dentro dela não se dissipou. Ela nunca havia odiado ninguém mais do que ela no passado, deixava-se enganar pelas palavras daqueles ao seu redor: tudo era sua culpa. Com essa mentalidade, se arrastava como um verme por um pouco de afeto, mesmo que fosse algo pequeno que caísse acidentalmente de suas mãos. E quando esse afeto pequeníssimo e falso caía, ela se entregava a essas esmolas e dizia a si mesma que era mais do que suficiente para viver arrastando-se por mais um dia.

E ele se rebaixou mais do que qualquer outro por sua meia-irmã, acreditou nela, deu-lhe tudo o que ela queria, contou-lhe tudo e até mentiu por ela. Ela se esforçava ao máximo para receber um único olhar do pai e do meio-irmão. Agia com tranquilidade e obediência, sem reclamar da dor ou da comida ruim, na frente do marido. No final, ela acabou na miséria quando sua meia-irmã lhe revelou que ele só a usava para obter apoio, dinheiro e reputação. Seu pai e seu irmão olhavam para ela, mas apenas para dizer o quanto ela era desprezível. E seu marido, bem, ele não olhava para ela, nem antes nem depois de ser envenenado. Ele só queria a prosperidade de Verlur, sabia o quanto era frágil perante os nobres por ser um bastardo e, no final, caiu morto diante da espada do novo imperador. Diannel soube de sua morte pelos rumores do povo, teve que fugir do ducado porque foi caluniada pelos sacerdotes, que diziam que tudo era culpa dela: desde o envenenamento de seu marido até as mortes causadas por uma terrível praga. E ninguém parou para perguntar se isso era verdade, pois sua meia-irmã a condenou desde jovem com rumores de amantes, joias, terras e maus-tratos a viver na solidão. Mas até ela morreu pelo novo imperador.

—O novo imperador... —sussurrou Diannel— Será meu aliado na minha vingança?

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Marcia Ramalho Mecias

Marcia Ramalho Mecias

uau muito lindo

2023-06-26

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