Capítulo 14

Passou um mês que eu venho aturando as variações de humor do senhor Heitor. Às vezes ele é detalhista e cheio de sacarmos e tenta me deixar constrangida com suas piadas sem graça, outras vezes é gentil e me faz pensar ser uma pessoa amigável. Esse era meu patrão um homem cheio de fases e eu estava tentando desvenda-lo.

Naquela manhã ele estava de bom humor felizmente e quando eu havia chegado na mansão, Rafael e ele me esperavam no jardim com uma cesta de piquenique para montar. O mesmo deu a ideia de irmos ao Parque Ibirapuera para aproveitar a manhã ensolarada.

Sentados abaixo de uma árvore, ele permanecia calado olhando para algumas crianças que brincavam com uma bola. Eu retirei dois sanduíches da cesta e me aproximei dele para dar na sua boca.

Mariana: Come tudinho senhor, Rafael me contou que no final de semana você não se alimentou direito.

Ele me encarou deu um risinho fraco e mordiscou o sanduíche, em seguida eu posicionei a garrafinha de suco com o canudo na sua boca.

Heitor: Muito bom.

Falou me encarando eu continuei o alimentando.

Heitor: Seu namorado não se incomoda em deixar você comigo? Se eu tivesse uma namorada não ia suportar ela dar comida para outro cara, ainda mais na boca babá.

E riu.

Mariana: Joaquim confia em mim.

Heitor: Então o nome do cara é Joaquim!

Ergueu a sobrancelha curioso.

Mariana: Sim.

Heitor: Hum...

Fez bico encarando um velho arbusto.

Mariana: E você deve ter tido muitas namoradas, eu vi você antes do acidente com mulheres muito bonitas. — Fechei a boca quando ele abriu a dele surpreso.

Heitor: Viu? Você andou pesquisando sobre minha vida particular babá?

Mariana: É... é... Foi sem querer, eu estava conversando com dona Márcia a vizinha e ela pediu pra ver sua foto.

Fiquei constrangida.

Heitor: Então além de você ficar bisbilhotando minhas fotos, você também fala de mim com a vizinhança?

Mariana: Não, não, quero dizer não é isso que você tá pensando, pelo menos não desta forma.

Tentei me justificar porém, ele gargalhava me deixando ainda mais vermelha.

Heitor: Interessante. Nunca iria imaginar isso.

Mariana: Senhor!

Heitor: Para de me chamar de senhor, me chama só de Heitor, por favor.

Mariana: Só se você me chamar de Mariana.

Heitor: Não. Mas eu gosto tanto de te chamar de babá. Me conta um pouco sobre você, algum sonho? O que você almeja, o que você fazia antes de vim trabalhar aqui?

Mariana: Você já sabe, trabalhava numa creche para cachorros.

Heitor ergueu a sobrancelha e soltou uma risadinha.

Heitor: Bem inusitado, eu nem sabia que existia esse tipo de creche. Você é daqui mesmo de São Paulo?

Mariana: Não, sou de Guararema. Clarissa se mudou para São Paulo para cursar Medicina e quando se formou arrumou um emprego, então quando terminei o ensino médio vim em busca de trabalho.

Heitor: E você não quis fazer faculdade? Geralmente família de médicos sempre tem mais de um.

Mariana: Então, Clarissa é a primeira, somos de família humilde meu pai tem uma oficina de mecânica e minha mãe é costureira. Clarissa estudou muito para ganhar uma bolsa na faculdade, passou em primeiro lugar no Enem tirou nota máxima na redação.

Heitor: Uau! Sua irmã é muito inteligente.

Mariana: Muito, eu costumo dizer que Clarissa roubou toda inteligência do genótipo dos irmãos e incluiu tudo em seu DNA.

Acabei rindo e Heitor acompanhou, costumava brincar sobre isso quando comparava meu boletim e os da Clarissa.

Heitor: E você porque não tentou também um curso superior? Como gosta tanto de animais podia tentar veterinária?

Eu suspirei fundo.

Mariana: Aconteceu muitas coisas no meio desse sonho que me fizeram desistir. Eu não gosto de lembrar disso porque foi uma época muito dolorosa na minha vida.

Heitor: Se você não quiser contar tudo bem eu entendo.

Risquei o gramado com um graveto, pensando se voltaria ao passado com essa história, ou se colocava uma pedra e nunca mais tocava no assunto.

Mariana: O terceiro ano do ensino médio foi um terror, sofri muito bullying. Tudo por inveja da atenção que os professores depositavam em mim, minha irmã meio que se tornou uma lenda na escola, uma fonte de inspiração para alguns e muita inveja para outros. Os professores não cansaram de rasgar elogios a Clarissa, e quando os alunos ficaram sabendo que eu era irmã dela começaram a pegar no meu pé, por conta de ser a "queridinha" dos professores.

Heitor: Tinha esquecido com os adolescentes costuma ser babacas quando querem.

Mariana: E isso nem foi tudo, se não bastassem as picuinhas resolveram fazer uma brincadeira de mau gosto, uma montagem horrível de uma garota da Playboy com meu rosto colado. Eu passei ser chacota de toda escola e não quis mais voltar, então para não perder o ano me colocaram para o turno da noite, mas não adiantou nada cidade pequena a fofoca corre rápido e o meu resto do ano foi terrível. Não consegui me concentrar nos estudos, faltava muito as aulas e por final acabei tirando nota baixa no exame eliminando qualquer chance de conseguir uma bolsa. Depôs disso resolvi morar com Clarissa e procurar um emprego.

Heitor: Eu não acredito que você desistiu de um sonho por causa de uns bandos de babacas invejosos.

Mariana: Já passou, eu estou bem não se preocupe.

Cruzei os braços analisando Heitor que parecia irritado.

Heitor: É inacreditável, você apenas se deixou por vencida? Não tentou mais? Deixou um bando de invejosos sabotar seu futuro brilhante?

Mariana: Deixei.

Falei envergonhada, Heitor revirou os olhos. Bom... Quando se é adolescente uma espinha é uma vergonha imagina uma montagem ridícula, era como se fosse uma terceira guerra mundial.

Heitor: E agora como ficou seus sonhos, ainda existe algum?

Mariana: Não sei... Ei porque está tão curioso em saber sobre minha vida hein?

Heitor: Eu não sei, só sei que quero. Aliás, eu quero saber muitas coisas sobre você babá.

Ele me olhou com um sorriso lindo e por alguma razão nesse mundo o meu coração acelerou.

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