Um idiota

Nem eu me entendi falando aquilo para Túlio. Me senti um total idiota em não deixar acontecer o que eu mais queria, não importasse se fosse apenas mais um toque do meu vizinho favorito, um beijo, uma aproximação mais intensa... Fiquei puto, na verdade, já estava: com Breno me usando, de ainda cair em armadilhas sexuais como se eu fosse ainda aquele garoto de programa.

Não tinha o direito de descontar em Túlio o avisando que eu não presto. Para ele, eu sempre devo prestar.

- Que merda! — disse me lamentando.

Sentei na escada, no meu degrau estratégico que dava para olhar para casa dele, acendi um cigarro para me acalmar e mesmo sem ter uma visão de dentro aquilo era meu passatempo preferido.

- Para piorar, Zaci. Oi.

- O container com suas coisas chegaram. Amanhã estará aí.

- Eu posso pegar é só falar onde está.

- Não. Eu quero te ver, deixarei aí na porta de sua mansão.

- Não precisa.

- É pegar ou largar, a alfândega irá adorar ver suas mercadorias, sabia.

Respirei fundo e tive que aceitar a proposta.

- Amanhã darei um pulo numa entrevista de emprego. A tarde, será melhor.

- Umas três está bom para você?

- Perfeito!

- Você deveria me compensar!

- Te recompensei com quinze mil euros, além dos milhares de dólares que gerei achando que você me salvaria!

- Mas eu te salvei. Está no Brasil, morando nesse palácio sozinho.

- Zaci, amanhã a gente conversa. Eu quero as minhas coisas, sabe o quanto batalhei por cada uma delas.

- Eu te dei a minha palavra, mas eu quero ficar perto, você entende que tenho uma necessidade de você, não entende?

- Tchau, Zaci. Até amanhã!

Quando desliguei aquela ligação, resolvi tomar um banho e conseguir dormir. Minha vida ainda estava presa a um passado que queria passar borracha em cima. Queria muito ter um lugar onde pessoas que me ligassem a ele não fizessem parte, mas ainda precisava me restabelecer e quem sabe ser reconhecido como um profissional respeitado, um bailarino, um professor... Era umas onze horas ainda quando vi Túlio mandando mensagens apagadas por whatsapp. Quando acreditei estar num buraco escuro, Túlio intervia me mostrando o caminho da luz. Só o fato dele se importar ou demonstrar interesse, ajudava a me ver em outra realidade.

Às 23:41, Mensagem de áudio:

- Eu queria muito ler o que você escreveu, quer conversar?

Às 23:43, Mensagem escrita:

- Deixa em off.

À 23:43, mensagem de áudio:

- Certo. Boa noite Túlio.

Às 23:44, Mensagem escrita:

- Boa noite, Vick!

Meu coração explodiu de felicidade e excitação, mas tive medo de continuar aquele lance com Túlio, É Zaci na minha vida, é Breno; é um monte de porcaria juntas que não dão nem o fio de cabelo dele. Exagero? Sim, apaixonado? Muito. Dormir mais leve, e ao mesmo tempo tenso com o dia seguinte, deveria tratar minha ansiedade e buscar novos rumos.

De manhã, tomei meu café um tanto apático, querendo chamar meu vizinho para bater papo, só que existia uma realidade naquele fantasia toda que eu arquitetava na minha mente. Nada é tão simples, ainda mais se tratando de Túlio, um homem cru numa vida perfeita lidando com o seu desconhecido e atraente vizinho que se assumiu perigoso numa situação onde queria apenas uma oportunidade de estar perto.

- Estraguei tudo e ele vai ficar na defensiva comigo! — eu falava comigo mesmo com um cigarro a postos a ser acendido.

Sai do condomínio pela primeira vez a pé. Dei bom dia para Kátia, a porteira do turno da manhã e segui para o ponto de ônibus mais próximo. Estava decidido a conhecer mais a região e buscar um emprego descente. Sem referências — deveria aparecer na que Breno me arrumou na quarta — queria mesmo é fazer amizade e bater em salão de dança e escolas. Me determinei a andar e segui para todos os cantos do centro de Niterói até decidir pegar as barcas e ampliar meu campo de visão.

- Vinícius, né!

- Oi. — era uma das mulheres da casa de Beth do condomínio.

Quando você acha que passou despercebido...

- Oi, novamente. Sou a Yasmin, sua vizinha de condomínio, um tempão que a gente não se vê, né!

- Eu lembro de você, só não lembrava o nome. Esposa do Wesley.

- Isso. Estou indo no meu escritório, as vezes preciso aparecer por lá, enfim, e você?

- Estou correndo atrás.

- Algum casting?

- Não. — Não sabia o que responder a ela. Queria que ela parasse de fazer perguntas, mas ela continuava.

- Você não gosta da carreira de modelo, mas...

- Eu sou bailarino e não gosto muito da ideia de ser modelo, foi só um período. Estou aqui para começar uma vida nova!

- Olha só, acredito que não queria nada de passarela e fotos essas coisas, mas existem trabalhos em eventos.

Olhei para cara dela e pensei em Eduardo que me disse aquelas mesmas palavras em Paris era pequenos trabalhos até um cliente aparecer. No início era interessante, clientes famosos, empresários... E depois eram as pessoas mais malas do planeta quando você deixa de ser novidade.

- O que foi?

Olhei para Yasmin bem receosos e um pouco zangado com ela.

- Eu dispenso esse trabalho, já estamos chegando.

- Eu não sei o que aconteceu com você, mas o que estou sugerindo para você é fazer parte de uma agência séria. Está procurando emprego e posso te arrumar um hoje se quiser. Não tem nada a ver com prostituição Vinícius.

- Eu não quis dizer isso...

- Como já disse: eu já vivi esse mundo e já tive experiências tão bizarras que certamente você deve ter passado. Não estou andando de barca se não tivesse voltado para trás e conseguir me livrar de certas situações. Vamos!

Mesmo que quisesse fazer um personagem mais maduro e com certa bagagem importante, era facilmente desmascarado quando minhas lembranças vinham. Saímos das barcas e seguimos quase nos separando cada um para um lado, mas resolvi tirar aquela má impressão dela sobre mim.

- Yasmin, desculpa! Eu tive uns relacionamentos bem abusivos e por isso estou morando ali naquele condomínio e precisando de ajuda de alguns amigos e familiares.

Resolvi ir até seu escritório na rua da Assembleia. Eu me deixei ser menos esquisito e quem sabe ver o que minha vizinha havia disponível para mim.

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