— Eu terei de participar da peça?
Ayla e Rafael apenas concordavam com a cabeça, contemplando a cena inédita de Levi surpreso. O rapaz havia faltado a aula de Daniel mais uma vez, refugiando-se para a sala do conselheiro onde dedicou-se à costurar alguns vestidos.
— Sabe que todos os alunos devem participar das atividades desse festival.
— Certamente, mas estava pronto para ficar responsável pelas vestimentas.
— E ficará, já que nenhum aluno deseja costurar.
Levi baixara os olhos para a tesoura e fitas que tinha em mãos, soltando um suspiro baixo. Ayla olhara para Rafael, movendo a cabeça em direção do rapaz em um pedido silencioso para falar algo, mas o presidente apenas negara silenciosamente.
Respirando fundo, a garota coçara a bochecha sem ter coragem de encarar o vilão do jogo.
— P-Pensando pelo lado positivo, irá contracenar com pessoas que conhece. Então está tudo bem, não?
— Não fico surpreso de Rafael estar no palco. Ainda assim não imagino como isso daria certo.
— Eu quis dizer que nós três estaremos no palco. — Imediatamente Levi erguera os olhos para Ayla, que corara como um pimentão — F-Farei Christine Daae.
Levi olhara para Ayla e então para Rafael, intercalando por duas ou três vezes sua atenção até desviá-la para a tesoura novamente. Seus ombros relaxaram depois de um longo suspiro.
— Não acho que os alunos irão se sentir confortáveis comigo no papel principal.
— Te ajudaremos nisso. — Sorria Rafael.
— Isso! — Exclamava Ayla, abrindo um sorriso contagiante para Levi — Estamos juntos nessa.
— Muito bem, não tem jeito. — Levi estendera a mão, onde Rafael entregara o roteiro da peça. Folheando as páginas e lendo alguns trechos, fora até o final onde arqueara a sobrancelha — Isso aqui é um final aberto?
— Foi ideia do professor Daniel. Se não as meninas da sala iriam sair no tapa para beijar um certo alguém...
— Minha culpa, admito isso. — Ria Rafael ao erguer as mãos em sinal de rendição. — Também peço que faça as suas roupas e as de Ayla, o pessoal responsável pelo traje... Bem, você sabe.
— Já estava tendo algumas ideias, só esperava o roteiro.
— Se vocês dois me dão licença, tenho que ir até o grêmio resolver alguns assuntos. Vejo vocês mais tarde.
Com a saída de Rafael aquela sala ficara silenciosa. Ayla deu-se conta de estar sozinha com Levi pela primeira vez desde o evento anterior do eclipse lunar. Logo o nervosismo lhe abraçara, chegando a suar frio nas mãos e a se coçar na nuca. Evitava de olhá-lo ao mesmo tempo que desejava admirá-lo, principalmente enquanto ele lia o roteiro tão concentrado.
Deveria dizer alguma coisa?
Mas afinal, o que ele esperava dela depois daquela pergunta? Será que estaria nervoso também? Duvidava muito, Levi era a serenidade em pessoa. Enquanto Ayla estava prestes a entrar em curto circuito de tamanho nervosismo, ele continuava a ler o roteiro da peça como se ignorasse a sua presença.
Por um lado até que queria isso. Adoraria se sentar em um canto da sala para observá-lo fazer os trajes da peça. Seria uma cena tão inédita quanto vê-lo surpreso.
— Está nervosa?
Piscando algumas vezes, Ayla só se dera conta de que ele falava consigo quando aqueles olhos delineados foram mirados para si.
— E-Eu? Imagina... Espera, nervosa com o quê?
— Com a peça. Será a protagonista afinal de contas.
— Ah, sim com a peça... Realmente... É estou nervosa. — Ria ela, procurando incessantemente uma cadeira para se sentar. — Acho que será a primeira vez que eu farei algo assim, geralmente gosto de ficar nos bastidores.
— Em sua outra escola você não atuava nos festivais?
Ainda bem que Ayla finalmente encontrara uma cadeira e se sentara, pois a mera menção de outra escola fizeram suas pernas bambearem. O sorriso desaparecia de seu rosto dando lugar para uma ligeira tristeza.
Levi teria notado o seu baixar de olhos, pois o roteiro fora fechado e toda sua atenção ia para Ayla.
— Minha escola não tinha muito o hábito de fazer festivais como esses. As peças de teatro eram atividades bem menores onde apresentávamos apenas para a nossa classe.
— Não me parece se sentir feliz em lembrar disso.
Ayla surpreendeu-se em notar que Levi havia arrastado uma cadeira para se sentar na sua frente, a olhando com tamanho interesse que a envergonhara um pouquinho.
Lá estava ele a lendo tão facilmente.
Ter aquele céu estrelado refletido naqueles olhos lhe causara borboletas na barriga. Borboletas essas que subiram para seu peito e multiplicavam sua ansiedade. Quando menos esperou, como se estivesse embriagada por aquelas sensações, simplesmente sussurrara:
— Para ser sincera, eu detesto qualquer lembrança daquela escola.
Com a cadeira de costas para Ayla, e Levi sentado de frente para ela, ele apoiou-se no topo da cadeira deitando a cabeça sobre seus braços.
— Por quê?
Ah ela havia notado.... Em sua mente era como se Levi tivesse encontrado um fio enferrujado prestes a ser quebrado. Puxava-o trazendo para perto o baú que ela fizera tanta questão de esconder. Porém não tinha forças para afugentar o rapaz para longe do fio. Apenas permaneceria parada o observando.
O baú se abria com as lembranças saindo intactas. Imediatamente Ayla baixara os olhos para o seu colo, sem coragem de encarar Levi.
— Porque aquele não é mais o meu lugar. — Soltando um riso baixo, novamente erguera a cabeça, dessa vez detinha um olhar decidido. — Todo mundo me odeia.
Um leve arregalar de olhos fora perceptível em Levi. Erguendo a cabeça e se ajeitando na cadeira, o garoto a encorajava silenciosamente para continuar. Mas Ayla simplesmente emudecera depois, sem coragem alguma em admitir aquilo.
— Isso é uma afirmação perigosa, Ayla.
— É a verdade. — Ria ela. — Para ser sincera eu não vou à escola há meses.
— Como assim?
— Eu tinha desistido de estudar. Simplesmente era insuportável ter que ir para aquele lugar, fingir que não sei que estão falando mal de mim. Fingir que não me importo... Fingir é simplesmente difícil, e eu não aguentei mais. Então como uma covarde, eu fugi.
Seus amendoados olhos começaram a marejar, e as emoções há tanto tempo ignorados finalmente tinham sua vez. Ah, ele a olhava com tanta atenção que tornara impossível conter tantas emoções. Ayla sabia disso. Por esse motivo deixara vir, pois sabia que Levi a escutaria de bom grado.
— Sabe, isso começou por causa de um professor que havia chegado na escola. Ele era novo e se dava bem com os alunos. E como eu era representante da turma, sempre me pedia ajuda para preparar as aulas e recolher material dos alunos. As meninas da sala começaram a fazer piadas sobre eu estar dando em cima do professor, como uma oferecida.
— Estava o ajudando, não há motivos para se envergonhar disso.
— Foi o que pensei no começo. Mas depois acabei me encontrando com o professor fora da escola, e continuei o ajudando com as aulas. Um dia simplesmente combinamos de nos encontrar na casa dele, pois lá haveriam mais livros para prepararmos um seminário sobre os planetas.
— Você foi?
— Sim, ele mora com os pais e eles queriam ajudar também. Seria uma aula bem legal e diferente e eu não enxerguei maldade em seu convite. Já tínhamos desenvolvido uma amizade. Mas então as meninas da sala apareceram na casa do professor, e então me viram lá.
— O que elas foram fazer?
— Ele era bonito, então provavelmente queriam chamá-lo para sair. Não sei ao certo. Apenas sei que no dia seguinte todos me olhavam torto e os rumores mais escabrosos começaram a surgir.
— O professor poderia desmentir a situação e explicar, não?
— Poderia se quisesse. Mas não o fez. Manteve em silêncio ignorando os rumores, então entendi que era para fazer o mesmo. E então ele me pediu para falar comigo depois da aula. E foi nessa tarde que o professor de matemática roubou o meu primeiro beijo.
Inconscientemente Ayla levara os dedos para os lábios, os tocando sem sorrir. Não fora capaz de encarar Levi, apenas desejara continuar falando mesmo que fosse para as paredes a escutar.
— Mais uma vez as meninas da sala viram, e então a situação perdeu o controle. O professor foi convidado a se retirar da escola, mas quem ficou como a sedutora fui eu. Os meses seguintes foram um inferno, porque não paravam de falar dessa situação. Então.... Eu fugi.
Finalmente uma lágrima caíra em seu colo, em seguida de outra e mais uma. Respirando fundo, Ayla sentia seu peito doer, mas controlara a vontade de chorar alto feito uma criança. Não queria fazê-lo na frente de Levi, seria patética demais.
Contudo, o acalento que recebera quebrara todas as suas barreiras.
Levi havia se levantado da cadeira ficando de frente para Ayla. Puxando a cabeça da garota para sua barriga, a escondera do mundo. Ela se dava conta de a mão dele era gelada, mas carinhosa. Com sua testa encostada na barriga dele, Ayla permitiu-se chorar silenciosamente.
Havia notado o seu recado. Ele não a olharia chorar, mas a ouviria e receberia suas lágrimas. Dessa forma Ayla pudera chorar, esgotando toda a sua fúria e frustração que guardara por um ano.
Se Levi havia segurado aquele fio e puxado o maldito baú, agora ele se rompera e finalmente desaparecera. Uma vez admitido aquilo que angustiava, era mais fácil de lidar com ele.
— Né, Levi... Foi toda essa dor que você sentiu ao longo desses anos?
Os olhos delineados desceram para Ayla, porém ela mantivera o rosto escondido em sua barriga. A garota estava atenta, mesmo com os olhos fechados, às sensações que o toque de Levi lhe proporcionava. A mão gélida ainda estava em sua cabeça, afagando sutilmente com gentileza.
— Algo parecido, mas já não tenho forças para guardar rancor.
Ayla apertava a blusa branca dele.
— Serei capaz de fazer isso também? Já estou cansada demais...
O toque acolhedor afastara de sua cabeça, e Levi dera um passo para trás obrigando Ayla a erguer a cabeça para olhá-lo. Com o rosto molhado, olhos inchados, ponta do nariz vermelho e a surpresa em si, tivera Levi perto de si. Ele encostara suas testas, mantivera os olhos fechados e voltava a lhe afagar a cabeça.
— Não precisa, você já seguiu em frente.
Não sabia exatamente o significado daquelas palavras. Tampouco as procurara. Ayla apenas apreciou aquele momento em que ele a tocava. Não sentia sua respiração, nem seu calor, mas a intenção de confortá-la era tão quente quanto. Só isso já valia as lágrimas.
※
Estando no quarto o cansaço simplesmente a abraçara. Quando saiu do banho e vestiu seu pijama, foi a sensação de alívio mais prazerosa que sentira em sua vida. Ainda mais quando jogou-se na cama e gemera sentindo suas costas doerem.
Como era bom vestir o manto da preguiça, vulgo pijama.
— Estou pensando em trazer um lanche para nós, o que acha?
— Agradeceria, e muito, se fizesse isso, Mayla.
— Parece bem cansada, andou chorando hoje?
— Um pouquinho... Te conto depois. — Ria Ayla, corando ao se lembrar do toque de Levi.
— Fiquei curiosa... Então já volto.
Mayla saíra em disparada do quarto, deixando sua colega confusa com tanta pressa. Logo dera de ombros, se sentando na cama quando lembrou-se de verificar se teria dever de casa. Ao puxar o caderno, um envelope caíra em seu colo.
Reconhecera o lacre azul escuro, que a fizera simplesmente congelar no lugar. Com os dedos trêmulos o abrira, puxando a carta para ler.
“Minha cara senhorita Bitencourt.
Fiquei imensamente feliz em saber que ganhou o papel principal da peça de sua classe. Aguardarei ansiosamente pela sua estreia, pois desejo saber qual será a sua decisão. Faça-a com sabedoria.
Também gostaria de lembrá-la que temos um acordo em rigor. Pude constatar que tem feito bem seu trabalho, pois soube de suas suspeitas à respeito do corpo docente de Falls School. O seu aliado nessa jornada tem sido bastante solícito, a parabenizo por sua sábia escolha. Estarei acompanhando seus passos, já que com ele compartilhara a verdade.
Ressalto sobre nosso acordo permanecer em sigilo, assim conseguirei manter meus atentos olhos sobre seus passos e finalmente dar fim ao suplício que esses fantasmas tem causado.
Pois bem, chega de congratulações. Está na hora de sua primeira missão. Aparentemente alguns fantasmas que deveriam manter o equilíbrio em Falls School estão agitados e causando desordem. Um deles você já lidou bravamente, e agradeço por isso. O problema agora é outro.
No terceiro andar há uma sala de música, que estranhamente tem seu piano tocado à noite. Em breve isso se tornará um grande problema, então peço que o resolva habilmente antes que isso aconteça. Tenho certeza de que isso a ajudará a tomar uma decisão mais tarde.
Seu padrinho
Grande Ministro”.
— Missão? Terei de lidar com mais fantasmas?
Guardando a carta em sua gaveta, Ayla tornara a se jogar na cama. O que raios o grande ministro queria consigo? Que missões seriam aquelas e por qual motivo ela tinha de lidar com eles?
Um arrepio passara em sua espinha quando tivera um estalo. O sujeito mascarado sabia que ela tinha contado sobre sua vida à Rafael, e compartilhado sua suspeita sobre o professor Daniel.
Mas afinal de contas... Quem seria o Grande Ministro?
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Atualizado até capítulo 71
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