Levi Belchior era de longe o personagem mais bonito do jogo, segundo a percepção de Ayla. Ele simplesmente combinava com Falls School por ser tão misterioso quanto o cenário. Até suas vestimentas ‒ uma calça branca com listras pretas e a camisa social branca ‒ estavam em consonância.
Desde o momento em que acordara naquele mundo, Ayla pode ver com os próprios olhos a realidade do seu personagem favorito, sem que seu coração tivesse um descanso. Ouvir sua voz fora um golpe baixíssimo. Encontrar sua rota, ora essa foi um golpe fatal.
Ter Levi Belchior diante de si lhe dirigindo um sorriso misterioso, em um jardim de uma escola amaldiçoada, em pleno evento do eclipse lunar, perguntando se podia lhe fazer companhia..
Ah, poderia morrer, pois, estava feliz.
— C-Claro! — Apressou-se em responder, ajeitando uma mecha atrás da orelha.
Levi aproximou-se o suficiente para Ayla perceber a cesta de palha que ele carregava. Deixando-a sobre o gramado, retirou um tapete branco que fora estendido no grama. O rapaz sentou-se apoiando os braços para trás, inclinando a cabeça para Ayla.
— Não vai se sentar?
Piscando algumas vezes, seu coração bombeara o sangue direto para suas bochechas.
— P-Posso? — Levi assentira calmamente, virando a cabeça para observar a lua. — Com licença...
Fora a vez dela em se sentar no tapete, ajeitando o vestido rendado e olhando para a lua cheia. O nervosismo apenas aumentava naquele silêncio, sem ter coragem de olhá-lo. Até mesmo seu corpo enrijecera, pois não queria se mexer demais ao ponto de fazer Levi pensar que estava nervosa.
Queria parecer natural e não naturalmente ansiosa.
Só que vez ou outra ela se pegava olhando em volta. Qualquer canto que não fosse para ele. Se o fizesse, seu coração saltaria pela boca.
— Ele não vai vir.
— Hm?
— Rafael.
Empertigada, Ayla chegara a umedecer os lábios para parecer plena e calma.
— Não vai vir? Por quê?
— Desapontada?
Maldito fosse Levi Belchior e o seu sorriso ladino. Sentia até a pontinha da orelha pegar fogo.
— N-Não, apenas me pergunto se aconteceu algo ruim.
Levi voltara a observar a lua, mantendo seu sorriso no rosto.
— Não. Fui eu quem pediu para encontrá-la aqui.
A suave brisa que passava por eles não fora capaz de carregar consigo a surpresa presente nos amendoados olhos de Ayla.
— Você? Mas... Por que não veio falar diretamente comigo?
— Não devo conversar com os alunos. Mas ainda queria ter a chance de conversar com você.
Baixando os olhos para as mãos em seu colo, não pudera controlar o sorriso bobo que nascia em seus lábios. O rubor então, não fora capaz de controlá-lo mais. A felicidade simplesmente a inundara como o sol no verão. Uma sensação gostosa e quentinha jamais sentida antes.
Pelo canto dos olhos ela o observou, ou seria melhor dizer que o admirou?
Finalmente tinha a sua chance de interagir com ele. Aproveitaria aquele cenário para isso. Só deveria ser cuidadosa, pois desbloquear a rota romântica dele era muito difícil.
Muito bem, Ayla! Pensara a garota. O que deveria saber? Levi era sensível às respostas, e diferente dos demais personagens paqueras ela não fazia a menor ideia de quais respostas poderiam aumentar a intimidade entre eles. Seria, literalmente, como um relacionamento da vida real.
Toda palavra seria arriscada, então precisaria colher informações primeiro. Isso!
— Disse que queria conversar comigo, sobre o que seria?
— Não sei ao certo. — Admitia o rapaz, abraçando os próprios joelhos encostando o queixo neles — No refeitório antes de ontem, tive a impressão de que não era uma aluna qualquer.
Ayla engolira em seco. Teria ele descoberto que ela viera de outro mundo depois de um assalto? Rafael teria contado isso à ele já que são amigos?
Respire fundo, Ayla. Está tudo bem, acalmava-se a garota em mente.
— No meu ponto de vista, vocês é que não são alunos qualquer. — Levi a olhara, e Ayla se surpreendeu com isso — Quero dizer, histórias de fantasmas e tudo mais.
Ele ficou a olhá-la intensamente por um longo momento. Logo Ayla começara a se recriminar por ter dito aquelas palavras. Ficar no silêncio com ele estava a deixando ainda mais nervosa do que imaginava.
— Não que isso seja estranho! De maneira alguma — Desesperou-se a garota — Isso os tornam único.
Surpreendentemente Levi soltara um riso baixo.
— Acha que isso nos torna único? Fantasmas e morte?
— Eu disse algo bem estranho, não? — Ayla rira baixinho, um tanto quanto desanimada, e então baixara os olhos para a sua mão novamente.
Encarando seus finos dedos, lembrara-se do perigo da vida real. Que diferença haviam entre aqueles mundos, afinal de contas? Ela mesma fora vítima de assaltantes em um mercado no dia do seu aniversário. Só de lembrar que existia a mísera possibilidade de nunca mais ver sua família, Ayla se entristecia e tinha os olhos marejados.
A tristeza aproximou-se ligeira e silenciosa, estendendo os braços para envolvê-la como o acalento de uma mãe.
— Não seriam coisas da vida que a gente tem que lidar? Fantasmas de um passado não resolvido e a morte que nos aguarda do futuro.
— Parece entender bem a dor.
— Talvez — Sussurrava a garota ao se lembrar da visão de sua irmã mais velha chorando no mercado. Inconscientemente levara a mão ao peito, onde levara os tiros — Carrego comigo esse fantasma que me deixa bem confusa. Estaria eu viva ou já cheguei ao meu último ponto do futuro?
— Seria por esse motivo que ficou cabisbaixa hoje de manhã?
Ayla corara sem ousar erguer os olhos para encará-lo. Ora, Levi havia reparado em si. Reparado o suficiente para saber que ela estava triste com alguma coisa, mostrando que Rafael, talvez, não tivesse contado sobre sua conversa.
— Uhum — Concordara com um sorriso triste, novamente ajeitando a mecha do cabelo atrás da orelha. — Bobeira, não?
— Por que você finge viver na felicidade quanto na verdade está a derramar lágrimas?
Quão deplorável era perceber que Levi a observava com tanta atenção ao ponto de perceber sua falsidade? Na outra noite, em que seu uniforme fora entregue, ele dissera algo parecido, não? Não teria sido naquele momento da qual Ayla dissera algo que não deveria, sendo escutada por Rafael?
Naquele momento que parecia tão mágico e tão desastroso, ela fora desmascarada pelo seu personagem preferido.
Uma atmosfera tensa começara a surgir entre os dois, e Ayla se recriminara por isso. Teria direcionado a conversa para assuntos mórbidos demais, sendo que sua intenção era conhecer Levi. Apesar de sua intuição berrar para não perguntá-lo sobre nada.
Ambos calados presos nos próprios pensamentos, assustaram-se quando ouviram um batuque. Olhando para todos os lados, Ayla enxergara apenas as luzes das lamparinas, mas ninguém por perto.
— Temos visitas.
Quando virou-se para Levi, percebera que o rapaz olhava sobre o ombro. Seguindo o seu olhar para a janela da cozinha, ela vira os fantasmas cabeçudinhos pulando empolgados na frente do vidro, agitando seus pequenos braços com desespero.
— O que eles estão fazendo?
— Querem falar contigo.
— Comigo? — Questionava ela com surpresa, logo se levantando do tapete.
Aproximando-se da janela da cozinha, Ayla tivera todo o cuidado para abri-la por fora percebendo que os cabeçudinhos se amontoaram um sobre o outro desajeitados.
— O que foi? Precisam de alguma ajuda?
Os cabeçudinhos começaram a grunhir ao mesmo tempo, tornando a comunicação horrível. O que já era difícil como Ayla percebera naquele entardecer. Agitados eles se reuniram sobre a bancada próxima à janela, puxando uma cesta de palha marrom escura.
Inclinando-se na janela, Ayla estendera o braço para segurar a cesta e ajudar os cabeçudos fantasmas, que praticamente expulsavam a cesta da cozinha.
— Isso seria para mim? — Os pequenos fantasmas concordavam com a cabeça, logo pulando da bancada e se escondendo na escuridão da cozinha. Encarando a cesta em mãos, Ayla erguera a tampa vendo alguns bolos ali — Isso... Não foi o que preparamos hoje?
— É um agradecimento — Ayla assustou-se com a voz baixa e próxima dela. Olhando sobre o ombro, a garota deparou-se com seu rosto próximo — por ter ajudado hoje.
— Você sabia disso?
Os olhos delineados e azuis como o céu naquele momento foram direcionados para Ayla. E pela milionésima vez seu coração perdera o compasso.
— Quando se trata dos fantasmas, não há nada que eu não saiba.
— Inclusive... Sabe o que eles falam? Aqueles grunhidos? — Levi assentira calmamente. — Uaaau, que demais!
— Acha mesmo?
— Pode me ensinar? Eu queria me comunicar melhor com eles.
Enquanto olhava admirada para a cesta, Ayla não notara ser alvo de Levi. Alvo daqueles misteriosos olhos, e sabe-se lá o que mais poderia haver em seus pensamentos.
— Não deveria vê-los novamente. Os fantasmas não devem interagir com os alunos.
— Do que está falando? Somos amigos que compartilham doces! Venha, temos que experimentar isso aqui.
Ayla já não se importara com a súbita tensão criada anteriormente, a bendito fosse o doce que salvara a situação. Como uma amante dos chocolates que era, ela segurara o pulso de Levi e o puxara para o tapete onde poderia comer os bolos de chocolate.
Mal dera atenção para Levi, apenas para lhe entregar um dos pedaços suculentos e macios de bolo. Pouco importou-se como parecera para ele ao morder, com gosto, o doce. Até soltara um gemidinho de prazer em sentir o chocolate derreter em sua boca. Pelos céus os fantasmas da cozinha eram excelentes confeiteiros. Não parecia que ela teria ajudado por horas para fazer alguns daqueles doces.
Quando vira duas tacinhas de pavê de chocolate e bombom branco, quase surtara. A primeira colherada a levara aos céus. Há quanto tempo não comia um doce tão bom quanto aquele? Meses? Talvez anos? Não sabia, e talvez pouco importasse, pois não existiria doce melhor do que aqueles.
— Minha nossa, você tem que provar isso aqui, Levi! — Ayla remexera na cesta pegando a outra colher para pegar um pouco do pavê e oferecer ao rapaz.
— Quer que eu... Coma algo feito por um fantasma?
— O que foi? Está realmente delicioso justamente por ter sido preparado por fantasmas. Vamos, vamos...
Ela continuara com a colher estendida, esperando com expectativa que Levi abrisse a boca. Timidamente ele o fizera, permitindo que ela lhe desse o doce à boca, e finalmente provasse. E ainda continuou a olhá-lo comendo, de olhos arregalados e a boca aberta.
— Delicioso não?
Levi rira. Uma risada doce e baixa.
— De fato, delicioso.
Sua resposta enchera o seu peito de alegria. Logo entregara a outra taça ao rapaz e retornara a atacar do seu doce com toda a felicidade pueril existente em si. Pouco importara em como se parecia para Levi, aquela cesta repleta de gostosuras ganhara sua atenção por completo.
E então ouviram os alunos falando mais alto pelo jardim. Imediatamente os dois ergueram os olhos para a lua, onde era possível ver o início do eclipse lunar.
Se fosse possível dizer, a lua a hipnotizara por alguns instantes. Ayla simplesmente não conseguira deixar de admirá-la. Ver a sombra projetada na lua cheia parecia ser um sinal do universo de que algo estava para a mudar.
Bem... Algo havia mudado, afinal ela estava dentro do seu jogo. Não sabia como fora parar lá e nem o porquê, tampouco questionaria naquele momento. Pois estava vivendo o primeiro evento dentro do jogo, com o seu personagem preferido, e não haveria nada mais especial que isso.
— Ah, está começando! Uaau, que lindo...
Suspirara por um instante quando se dera conta de que não fazia a menor ideia de quanto tempo mais ficaria ali. Será que desapareceria repentinamente? Isso deixaria os personagens tristes?
Repentinamente um toque gélido a despertara de seus pensamentos. Virando o rosto lentamente, Ayla se surpreendia quando vira que era a mão de Levi tocando o canto de seus lábios.
Como se tudo passasse em câmera lenta, deu-se conta de que Levi estava perto, perto demais. Seu coração disparou com a ponta dos dedos gélidos dele tocando sua pele quente, e o rubor não fora possível de controlar.
— Parece uma criança comendo doce. — Sussurrava ele ao afastar os dedos de Ayla.
Naquele instante nada mais importaria para Ayla. Não ponderou os seus filtros e análises na busca da resposta perfeita. Muito menos se importara se isso iria arruinar todas as chances de se aproximar dele. As palavras simplesmente escapavam de sua boca com a inocência de uma garota meramente apaixonada.
— Né, Levi, está tudo bem eu gostar de você?
Aqueles olhos misteriosos não refletiram suas emoções, mas Levi parecera petrificar no lugar. Já Ayla não se movera e muito menos demonstrara ter consciência de suas palavras. Apenas o aguardou pacientemente.
Mesmo que nenhuma palavra fosse dita naquele momento, a vozinha tímida e baixinha fora a única a ressoar uma possível resposta.
“ Rota do fantasma desbloqueado.”
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 71
Comments