Pelo restante da aula, Ayla fora incapaz de acalmar seu coração. Mesmo com a voz alta do professor ecoando pela sala, e o seu caminhar ente as carteiras, ela não prestara muita atenção na aula. Apenas fingira algumas vezes ler as linhas dos livros, tendo sua atenção roubada pela sensação de ser observada.
Não tivera a coragem para buscar o causador de tamanho desconforto, pois ficara mais nervosa ainda. Chegara a encolher os ombros na tentativa de minimizar sua presença. Somente relaxara quando ouvira o sinal findando as aulas vespertinas.
Com os alunos arrumando seus materiais e seguindo para seus respectivos clubes, Ayla finalmente encontrara paz naquela bagunça.
— Pareceu bem distraída em minha aula, hein.
Erguendo a cabeça percebera o professor Daniel ao lado de sua carteira, a olhando com os olhos cerrados. Soltando um risinho envergonhado, Ayla coçava a nuca.
— Desculpe, professor.
— Irá se acostumar com a nossa escola, logo mais conseguirá ignorar esse falatório.
Por um instante Ayla não parecera compreender, e até inclinara a cabeça infantilmente para seu professor. Logo sua dúvida se fora quando vira, atrás de Daniel, duas garotas a olhando e cochichando uma para outra.
Ah, certo. Ela era a garota transferida que residia no quarto andar. Não poderia esquecer que os alunos teriam medo de si, o que lhe desapontara.
— Não posso fazer nada além de ser paciente, não é?
— Se o problema for enturmar, posso te ajudar. Já deu uma olhada nos clubes da escola?
— Ainda não — Respondera com certa relutância na voz. Ora essa, duvidava muito que algum clube fosse aceitá-la. Seria perda de tempo procurar um, não?
— Se entrar em um e fizer amizades, os seus colegas irão ter menos medo. Verão que é apenas uma garota.
— Para ser sincera não acho que seja tão simples assim, além disso não tenho nenhum talento em especial para participar desses clubes.
Daniel a fitara por um tempo em silêncio, e então estalara a língua. Sorrindo levemente de canto, algo brilhava em seus olhos. Ayla sentira um arrepio passar em sua espinha ao se defrontar com aquele olhar determinado, e até sentira necessidade de fugir.
Ponderou a ideia, admitia.
Mas Daniel bloqueava a sua saída da carteira. Erguendo o queixo arrogantemente, seu sorriso se alargava.
— Então, que tal dar uma mão para o clube de astronomia.
— Astronomia? — Cerrando o cenho Ayla segurou o ímpeto de fazer uma careta. Não entendia nada de astronomia, e duvidava muito que seria de grande ajuda. Oh céus... Como escaparia? — Professor eu...
— Como benfeitor do clube, também estou dando uma mão já que somos nós os responsáveis pelo evento de hoje à noite. O que acha?
Ayla recordou-se do evento no refeitório, e das palavras de Mayla em seguida. O evento do eclipse lunar não deveria acontecer por pedido daquele sujeito medonho e horrendo. Se o clube de astronomia estava organizando-o isso significaria que fora o professor Daniel quem desobedecera o pedido do mascarado?
Um fio de pensamentos e lembranças se erguera.
Da noite anterior quando Rafael a levara para ver o uniforme, haviam encontrado o professor no corredor. Nenhum dos dois pareciam se dar bem, e haviam significados ocultos em seus olhares.
Será que Rafael estava ciente de que fora o professor quem causara toda a desordem com o mascarado?
Oh... Ayla sentiu mais uma vez aquele arrepio em sua espinha.
— Não entendo nada de montar telescópios, tem certeza de que o seu clube iria aceitar minha ajuda?
— Irá me ajudar. Não precisará interagir com eles, apenas fique do meu lado e me ajude. Tenho um pequeno problema para resolver até o anoitecer.
— Certo... Tudo bem, então.
— Ótimo, pode deixar seu material no seu quarto e me encontre na escadaria.
O professor logo saía da sala todo alegre, distribuindo sorrisos para as alunas que acenavam para si. Ayla o acompanhava com os olhos suspirando baixo. Sentira que debaixo daquele sorriso havia algo. E esse algo Ayla queria evitar.
— O que o professor queria?
— Que susto! — Esbravejara Ayla levando a mão ao peito.
— Desculpa!
— Tudo bem, Mayla. O professor apenas me pediu para ajudá-lo com os preparativos do evento essa noite.
— Eles devem estar bem ocupados.
— Foi o que imaginei. Não tem problema se eu for, não é?
— Acho que não, isso vai te ajudar a entrar no nosso ritmo.
Sentindo-se mais segura, Ayla acompanhara sua nova amiga para o dormitório. Diferente daquela manhã onde Mayla parecia acompanhar um zumbi, as duas realmente agiam como duas adolescentes compartilhando confidências.
※
— Então... O que viemos fazer no refeitório?
— Garantir o nosso rango! — Sorria o professor com as mãos na cintura, em uma pose completamente heroica. — É um piquenique, não?
— Pensei que os alunos fossem preparar os próprios lanches...
— O chefe daqui não gosta dos alunos mexendo em seus ingredientes, por isso disse que prepararia algo.
Ayla rira baixo ao imaginar um chefe de cozinha baixinho, usando um avental maior que ele, brigando com os alunos enquanto os ameaçava com uma colher de pau.
Logo sua visão meramente imaginativa se tornara real quando um senhor de idade, de sobrancelhas e bigode grisalhos e grossos saíra à passos duros por detrás do balcão.
— Falando no diabo... Boa tarde senhor Fruit!
— O que há de bom? — Ralhara o senhor, apontando o dedo para o professor — Ousaram macular meu templo sagrado, duas vezes! Duas vezes, senhor Alvarez.
— Entendo bem o que quer dizer, mas veja bem temos de manter o cronograma pelo bem dos alunos. — Acalmava o professor, mantendo o sorriso afável.
— Como pode me pedir para cozinhar nessas condições? Meu templo foi invadido duas vezes! Duas vezes, senhor Alvarez. — Senhor Fruit erguera uma das grossas sobrancelhas e espiara atrás do professor, arregalando o olho acinzentado ao ver a estudante ali presente — E ainda me trás mais má sorte! Por que trouxe a garota pra cá? Quer que se tornem três vezes?
O sorriso do professor se desfizera, assim como sua voz ficara mais séria. Ainda assim, ele tentava manter sua pose de bom professor.
— Senhor Fruit, a senhorita Bitencourt e nossa nova aluna. Está fazendo a gentileza de me ajudar com os preparativos do piquenique.
— Vai matar mais um aluno em meu templo sagrado, senhor Alvarez? Como se minha cozinha já não fosse rechaçada o suficiente por esses fantasmas, ainda ousa sujar minhas bancadas de sangue.
A mera menção do incidente calara o professor e o próprio chef.
— Deveríamos continuar com o piquenique justamente para que ele vá em paz. — Respondia Ayla pensativa. Percebendo o olhar surpreso dos demais, logo apressou-se em continuar — Quero dizer... Quem ficaria feliz em ver os amigos e colegas continuando a viver com medo. Deveríamos mostrar que não seria isso que nos impediria de apreciar o sabor da vida... Não?
Aquelas palavras tiveram um sabor amargo na boca de Ayla, que tão apressada fingira não sentir.
— Não tem jeito... Falando desse jeito não posso ignorar. Mas saiba que não irei tolerar uma terceira vez, senhor Alvarez!
— Muito obrigado, senhor Fruit. — Respondera um empolgado professor, estendendo a mão às suas costas e olhando para Ayla sobre o ombro.
Dando de ombros, a garota fizera um “toque aqui” com o professor, sentindo-se feliz pela segunda vez naquele dia.
E continuaria feliz, de fato, se não fossem os sons de panelas caindo ecoando pelo refeitório. Os três viraram-se para além do balcão de mármore, onde as luzes estavam apagadas na escura cozinha.
Mesmo espreitando os olhos Ayla não fora capaz de enxergar algo. O entardecer aumentava a escuridão do ambiente, ao contrário do vento gélido que circulava no refeitório.
— De novo! De novo, senhor Alvarez! Estou cansado dessa brincadeira.
— Quem me dera que fosse uma brincadeira, senhor Fruit.
— Vou reclamar com o diretor, ah se vou!
Os sons das panelas aumentaram, tão agudo e perturbador quanto arranhar o quadro negro. Ayla cobrira as orelhas com força, tendo do som ecoando até em seu cérebro.
— O que é isso, professor?
— Ahn?
— O... Que... É... Isso? — Gesticulava o mais alto que podia para o atento professor, que também cobria seus ouvidos.
— Fantasma! — Berrava de volta.
Irritada com o som das panelas, Ayla começara a olhar em sua volta desesperada. Correndo para a janela aberta, colocara a cabeça para fora onde pudera baixar os braços cansados e respirar ofegante.
— Senhor Fruit! Ei, nada de dormir!
Virando-se rapidamente Ayla vira o velho cozinheiro de joelhos com as mãos nos ouvidos. Certamente para ele aquele som seria ainda mais perturbador por conta da idade. Erguendo os braços chamando a atenção do professor, o chamara para perto da janela onde o som seria menos agonizante.
Daniel pegara o velho chefe de cozinha para segurá-lo em suas costas, e correra o mais depressa para a janela onde sentara senhor Fruits. Ayla rapidamente o abanara, mantendo os olhos esbugalhados em pura atenção sobre ele.
— O que devemos fazer, professor? Parece que fora do refeitório o som não nos afeta.
— Isso não é bom... Nada bom. Esse espírito escolheu uma péssima hora para se manifestar.
— Espirito...
Ayla dera um tapa na própria testa no ligeiro momento de distração do professor. Como pudera se esquecer dos malditos fantasmas? Falls School era uma escola assombrada, ora essa!
Em Monochrome Ghost o jogador sempre tinha de lidar com alguns desses espíritos, sendo o total de sete deles espalhados pela escola. O da cozinha era um deles. Quando acontecia algum evento, era possível ver um fantasma cozinheiro preparando pratos em plena felicidade, que diferente dele eram visíveis e comestíveis.
Só que no jogo aquele espírito jamais dera trabalho para o jogador, sendo considerado pacífico. Não haviam motivos para lidar com ele, já que nunca ameaçava os jogadores. Então que raios de situação era aquela?
— Há algum jeito de acalmá-lo?
— Só se soubéssemos o motivo de sua revolta. Mas acho difícil...
Chegava a ser meramente cômico que o professor Daniel realmente estivesse pensando em conversar com um fantasma em uma sessão de terapia. A questão seria quem teria coragem para fazê-lo.
Descendo os olhos para os dois homens que lhe acompanhavam, os descartou rapidamente. O pobre cozinheiro ainda estava atordoado com o panelaço, enquanto o professor Daniel tremia sua mão e fitava a cozinha de uma maneira estranha. Parecia ter raiva...
Não haveria nenhum outro aluno por perto que pudesse ajudá-los. Talvez sua única saída fosse chamar por Rafael, mas até sair do refeitório e encontrá-lo poderia atrasar os preparativos do evento.
Levando a mão ao peito sentindo o coração acelerar, ponderara em ela mesma ir. Se encarasse a situação como um sonho do jogo, poderia ter a coragem necessária, não é mesmo? Mesmo que estivesse com medo poderia lidar com isso.
Não poderia ser protegida novamente.
— Cuide do senhor Fruit.
— Ei ei, onde pensa que vai? — O professor fora ligeiro em segurar o pulso de Ayla.
— Falar com o espírito.
O rosto de professor simplesmente empalidecera.
— Está maluca?
— Então tem outra saída? — Questionava a garota pacientemente, logo sorrindo — Vou garantir o piquenique dos seus alunos, e tudo ficará bem.
Soltando-se do aperto do professor, Ayla cobrira os ouvidos quando pusera os pés dentro do refeitório novamente. Enfrentando o som agonizante que aumentava à cada passo em que se aproximava da cozinha, fora um verdadeiro desafio conseguir alcançar o balcão de mármore.
Fora ali que se agachara, respirando ofegante enquanto sua cabeça latejava incessantemente. Precisara apoiar os braços em seus joelhos para descansá-los sem descobrir os ouvidos. Enquanto isso pensava em algum plano.
Resgatara as informações do jogo novamente. Tudo o que poderia saber sobre aquele espírito cozinheiro.
Respirando fundo para ter coragem, levantou-se novamente e passara a porta de entrada da cozinha. Piscara algumas vezes para se acostumar com a escuridão, percebendo que as janelas da cozinha haviam sido cobertas com panos escuros.
E fora correndo até elas, abaixando-se sob as panelas que balançavam em pleno agito sob sua cabeça. Tivera de desviar de um carrinho serviço que, assustadoramente, vinha em sua direção. Instantaneamente usara suas mãos para segurar o carrinho e empurrá-lo para outra direção, o que a fizera sentir uma forte dor de cabeça com o som das panelas.
Pelos céus, como simples panelas poderiam ter um som tão infernal?
Tendo finalmente alcançando a janela, Ayla puxara o pano escuro permitindo que o pôr do sol iluminasse a cozinha. Virando-se novamente, arregalava os olhos em perceber pequeninos e cabeçudos espíritos segurando as panelas, paralisados a fitando.
— Pelos céus, são mais de um. — Sussurrara abrindo um sorriso nervoso — Ehr... Olá?
Os cabeçudinhos entreolharam-se e então ameaçaram bater as panelas novamente.
— Espera, espera espera! Vamos conversar! — Erguendo as mãos em sinal de rendição, Ayla permanecera em suas vistas — Prometo não fazer nenhum mal.
Como estava a manter a calma diante de fantasmas? Estava falando com fantasmas! FAN-TAS-MAS! Ayla questionava sua sanidade, até retornara a pensar sobre aquilo ser um sonho. Os cabeçudinhos, por outro lado, não deixavam de olhá-la curiosos e atentos, tendo vez ou outra trocando olhares entre si.
Ótimo, assim como ela estava apavorada com a presença deles, os pequenos fantasmas tinham medo dela. Como poderia resolver aquela situação?
— Me chamo Ayla, sou nova aqui em Falls School — Falara pausadamente, completamente atenta nas reações dos fantasmas. Nem ousara caminhar em sua direção, mantivera parada perto da janela. — Eu posso ajudá-los...
Estavam silenciosos e se aproximavam da garota lentamente. Ayla fizera o máximo em não transparecer o seu medo para eles, o que fora uma tarefa bem difícil diga-se de passagem. Percebendo seus olhares sobre o pano escuro, ela segurou a ponta do mesmo notando suas reações.
Simplesmente pararam de andar e ergueram as panelas, prontos para usá-las em defesa. Afastando o tecido deles, Ayla deparou-se com a possível resposta.
Será que o problema era o escuro daquele tecido?
Ayla abrira a janela e jogara o pano para fora, espantando-se em vê-los baixar as panelas e voltar para seus olhares fundos para ela.
— Estamos bem? — Perguntara temerosa, agachando-se para ficar na altura dos pequenos fantasmas. Eles se aproximaram, sendo que apenas um deles estendera a panela para ela. Sorrindo, Ayla a tocara com a ponta do dedo. — Estamos bem!
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Atualizado até capítulo 71
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