No horário do almoço os alunos puderam retornar para o refeitório, mesmo que a contra gosto. Mesmo seguindo a marcha pelos corredores rumo ao almoço, Ayla fora a única que seguira em frente para a saída aos fundos.
Arrastava os pés, mantinha seus ombros baixos e os olhos ainda perdidos. Pensariam que estava sonolenta já que dormira na aula de educação física, sendo poucos a perceberem que o sono seria uma verdadeira benção para uma mente atormentada.
Não conseguia pensar direito e deixara que seus pés a levasse para onde quisesse. Pouco se atentara para onde ia, desde que não desse de cara com uma parede ou tropeçasse em uma pedra. Pois aí sim xingaria o mundo.
Tivera uma sensação de ter se agachado, se arrastado na terra e depois levantado. Somente quando piscara e respirara fundo, percebera uma mão se movendo em frente aos seus olhos freneticamente.
— Ooooi! Tem alguém aí?
Piscando uma, duas, três vezes, Ayla olhara em volta encontrando a casa empoeirada de madeira. Ora, como fora parar lá? Baixando os olhos para os próprios pés, recordara ter caminhados à esmo.
Então fora para a casa abandonada de Pedro que ela queria ir?
— Está pálida. Aconteceu algo?
Pedro a olhava curioso, uma curiosidade curiosa já que seus olhos ainda transmitiam cansaço com as olheiras grandes. Alguém cansado teria um olhar daquele?
Esfregando o rosto, Ayla respirara fundo tentando encontrar sua voz novamente. Sua garganta parecia seca demais, com certeza falharia em dizer algo. Ainda assim tentara.
— Nada, apenas alguns pensamentos.
— Que tipo de pensamentos a faria andar como um fantasma?
Ayla se arrepiara por um instante, e então retribuía o olhar do garoto.
— Do por que estou aqui.
O mais baixo não respondera ou esboçara alguma reação, permanecendo a fitar a garota silenciosamente. E então ele lhe dirigiu um singelo sorriso ao estender a mão.
— É tão ruim assim estar aqui?
Piscando algumas vezes sem entender, Ayla segurou a mão do garoto e fora puxada para a sala empoeirada, onde Pedro oferecera o estofado para si. Sentando-se ela deu-se conta do outro sentido de suas palavras, logo balançando as mãos.
— Não quis dizer que estar aqui na sua casa seja ruim! Pelos céus, é apenas...
Pedro a olhava mais curioso ainda, apoiando os cotovelos sobre suas pernas podendo se inclinar para observá-la. Sendo um alvo claro, Ayla corara levemente mantendo os olhos baixos em suas mãos.
— Estou com saudades de casa, apenas isso. Quero ver minha família mais uma vez.
— Tanta saudade ao ponto de parecer triste?
Tocando o próprio rosto, Ayla não reconhecera a covinha que surgia quando sorria. Talvez Pedro tivesse razão de que estaria triste, mas não sabia dizer o quanto.
— Bem... Tivemos uma despedida bem dramática, então é natural ficar arrependido, não?
Pedro respondera com um mover de ombros, encostando-se no estofado jogando a cabeça para trás. Em uma pose completamente relaxada, se não preguiçosa, o rapaz fitava o teto pensativo.
— Deveria escrever uma carta para eles.
— Pensei que iria me dizer para telefonar. — Questionava Ayla.
— Não sei mexer com telefones, por isso ignoro sua existência barulhenta. — Virando a cabeça no estofado, Pedro tornava a olhá-la — Mas uma carta pode transmitir suas emoções, sua letra diz quem você é. É mais verdadeiro do que um... Como dizem? Mensagem? Email?
Pela primeira vez naquele dia Ayla rira. Baixando os olhos para seus pés, chegou a agradecê-los por terem trazido-a até Pedro. Sua simplicidade era reconfortante.
— Farei isso então. Mas não sei como enviar essa carta.
— Traga para mim. — Recebendo um olhar inquisidor da garota, Pedro tornara a fitar o teto — Não pergunte, mas eu consigo levar sua carta até seus pais.
Será que diferente de Rafael, Pedro teria consciência de que é um personagem de jogo? Ayla não tornara a pensar no assunto depois que o presidente do grêmio havia dito sobre sua... Enfim. Se o esquecido saberia desse pequenino detalhe, e estava se propondo a ajudá-la, então ele teria alguma forma de voltar ao seu mundo.
Se perguntasse ele responderia? Ora, era claro que não! Acabara de pedir que não perguntasse. Então... Tentaria outro meio.
— Por que faria algo assim por uma desconhecida como eu?
Fechando os olhos cansado, Pedro soltara um suspiro.
— Também me pergunto.
— Hm... Você tem caneta e papel?
Pedro apontara para a estante amadeirada, que cobria uma parede inteira da sala. Ayla chegara a reprimir o riso de ver o rapaz todo largado no sofá, de olhos fechados e apontando de forma tão preguiçosa. Nem ousara em pedir por detalhes e estragar seu descanso.
Levantando-se do estofado, Ayla aproximou da estante amadeirada empoeirada. Abrira uma ou outra porta, tendo de cobrir o nariz com a destra para não respirar a poeira. O que fora uma boa ideia, já que também abafara o pequeno grito que soltara ao ver uma aranha pequena saindo de uma gaveta da qual abrira.
Encontrando um caderno que parecia velho e um lápis, Ayla os agarrou rapidamente antes que outro bicho surgisse de surpresa das gavetas. Fechou rapidamente e retornara para o estofado, apoiando o caderno em suas pernas para folhá-lo.
Fizera um esforço tremendo em não olhar o conteúdo do caderno, pulando direto para a última folha amarelada. Fora nela que depositara a ponta do lápis e esperou as palavras surgirem em sua mente. Pensara, pensara e pensara sem chegar numa conclusão satisfatória.
Pelo canto dos olhos fitara Pedro, que permanecia de olhos fechados. Estaria dormindo? Se incomodaria caso ela quisesse perguntar algo?
— O que foi?
— Pensei que estava dormindo.
— Estou quase.
— O que eu deveria escrever em uma carta dessas, Pedro? Nunca escrevi algo do tipo. — O rapaz suspirara ao desencostar do estofado — Desculpa.
— Tudo bem, posso dormir depois. — Pedro dera um pulo no sofá, ficando mais perto de Ayla — Não havia dito sobre estar arrependida da forma como se despediram, comece por aí.
— Hm... Faz sentido.
E então as primeiras palavras começaram a surgir. Rabiscando aquilo que vinha em mente, ela se perdera naquela simples atividade de escrever. Sob os olhos sonolento, ainda assim observadores, de Pedro, ela sorria vez ou outra, soltava risinhos baixos e então voltava a parecer mais emotiva.
Estava em contato com suas emoções naquele momento, da qual Pedro evitara ao máximo em não interrompê-la. Por vinte minutos Ayla escrevera a carta de duas páginas, e então formava um ligeiro bico nos lábios.
— O que foi dessa vez?
— Escrevi na carta que eu estou bem, que fiz amigos por aqui. Mas... Quando olho para essas páginas eu não sinto felicidade alguma. Parece tão...
— Sem graça.
Mirando os olhos amendoados no rapaz, ela assentira levemente.
— É, sem graça e mentirosa.
— Então faça alguns desenhos. Coraçõezinhos e essas coisas que garotas costumam desenhar.
— Na verdade, se fosse para desenhar algo queria que fosse uma flor. Mas eu não sei desenhá-las.
— Não sabe desenhar uma flor? É a coisa mais fácil que há para se desenhar. — Ayla enrubescera e desviara os olhos para as duas páginas em mãos. Pela segunda vez Pedro suspirava e então rompia a distância entre os dois. — Você não tem jeito mesmo, eu te ajudo.
Passando o braço direito em volta de Ayla, ele segurara sua mão direita com o lápis. Sentindo a proximidade com um garoto, seu coração acelerou de imediato, e face levemente ruborizada se tornara um verdadeiro pimentão.
Seu corpo perdera o jeito repentinamente. Ela já não sabia mais como agir. Pelo canto dos olhos dava-se conta do quão perto ele estava, tendo de fugir o olhar logo em seguida.
Suave e delicadamente Pedro deslizava o lápis pelo papel desenhando as pétalas da flor. Ayla o acompanhava buscando concentrar-se no desenho a fim de acalmar seu pobre coração. Isso se o infeliz não ousasse acelerar mais ainda de nervoso quando sentia os dedos de Pedro apertarem os sonhos algumas vezes.
Ah, aquele desenho parecia durar horas. Algo dentro de Ayla parecia se remexer ansiosamente, até que aquela voz teimosa e baixinha marcava sua presença novamente.
“Encontro artístico com o esquecido, conquistado”.
Ora, tal evento existia? Pois Ayla ficara deveras surpresa em saber que Pedro saberia desenhar. Julgando os traços da grande flor que surgia na página amarelada, sabia desenhar muitissimo bem.
— Está bom assim?
— Hm? Ah. Sim, perfeito.
— Pode deixar aí — Avisava Pedro quando a garota estava prestes a destacar as páginas do caderno — O almoço logo terminará, então eu coloco tudo num envelope por você.
Sorrindo, Ayla ajeitara uma mecha do cabelo atrás da orelha e logo se levantou ao ouvir o sinal tocando na escola. Levantando-se de pressa, ela caminhara de costas apenas para acenar alegremente para Pedro.
— Obrigada por hoje, Pedro! Te vejo amanhã!
— Sim. Ah, antes que eu me esqueça — Ayla até parara de caminhar ao vê-lo sorrir tão belamente. Maldito personagem de jogo. — Você ficou muito bonita com esse uniforme.
Corando dos pés à cabeça ela virou-se tão depressa quanto saíra do casebre. Deveria existir uma lei universal que proibissem os garotos bonitos a fazerem carinhas bonitas, isso seria um claro atentado aos corações frágeis.
Mesmo com vergonha, Ayla não deixara de respirar fundo ao passar pelo buraco no muro. Esticando os braços e encarando o céu, agradeceu em mente mais uma vez por ter ido ver Pedro. Talvez o destino do jogo quisesse que ela tivesse ido visitá-lo, o que lhe fizera bem.
A tristeza ainda existia ali. O medo ainda a cercava. Ayla ainda se via rodeada da escuridão da morte lhe encarando. A diferença era que na sua mão direita ela sentia Pedro a segurando, estando ao seu lado como quem a encorajaria a seguir em frente.
Para a mais estranha das sensações, naquela visão meramente figurativa ela sentia que sua mão esquerda também estava sendo segurada por alguém. Mas não saberia dizer quem.
※
Diferente do período matutino, Ayla estava mais atenta em sua volta. Dera-se conta de que pela primeira vez em seis meses estava a frequentar a escola, uma sala de aula com outros alunos de sua idade. Ficou ligeiramente ansiosa, sentindo um revertério em seu estômago, porém encarou o desafio.
Seus colegas de classe não pareciam interessados em si, o que lhe rendera em motivação para continuar. Tudo ficaria bem. Já não era o mesmo lugar.
Sentando-se em seu lugar, encontrara Mayla a fitando tão surpresa ao ponto de derrubar na mesa um pouco do suco que bebia.
— Está se sentindo melhor? Que mudança de humor...
— Desculpa ter te preocupado, Mayla.
— Não precisa disso, agora somos amigas, não é?
O coração de Ayla se enchera de alegria pela segunda vez naquele dia. Por mais que doesse pensar ter perdido sua família naquele assalto, havia ganho amigos naquela nova vida. Apesar de ainda não ter perdido as esperanças sobre poder retornar à sua vida.
— Sim! — Respondera animada.
— Mas...— Mayla puxara sua cadeira para perto da amiga, inclinando-se para lhe sussurrar no ouvido — O ocorrido no refeitório a espantou tanto assim?
— O quê? Do refeitório?
— Foi o que o senhor Zanetti disse mais cedo.
Arqueando a sobrancelha, Ayla demorara em processar a informação. Logo recordara de ter chorado nos braços do presidente do grêmio na noite anterior. Oh... Céus...
Agora que se dava conta de ter conquistado dois eventos com dois personagens do jogo, e nenhum deles era o Levi! Havia esquecido completamente da situação.
— O que foi Ayla?
— Nada não... Na verdade ainda preciso me acostumar em como as coisas funcionam por aqui. Provavelmente ficarei em choque mais vezes.
— É esperado, não? Mas parece que o diretor conseguiu resolver a situação.
— Ah é?
— O clube do jornal deve preparar uma edição explicando as coisas. Esperaremos por isso amanhã.
— Ora essa, por que amanhã?
— Porque hoje é o eclipse lunar, então todos os clubes parecem cuidar dos preparativos do piquenique.
— Ora, vejo que se encontra bem novamente, Ayla.
Erguendo a cabeça, Ayla sorrira envergonhada pra Rafael. O rapaz aproveitava a ausência do professor para sentar-se na carteira vazia em frente de Ayla.
— Peço desculpas pelo incômodo que causei nessa manhã, Rafael. E obrigada pelos seus cuidados.
— Eu é quem deveria agradecer.
— Todos em seus lugares, a aula vai começar. — Anunciava professor Daniel ao entrar na sala.
Mayla logo empurrara sua cadeira de volta ao lugar, e enquanto os demais alunos retornavam para suas carteiras, Rafael levantou-se inclinando para o ouvido de Ayla.
— Peço que se una à mim para o evento dessa noite. A encontrarei no jardim da escola, perto das flores azuladas.
Sem lhe perguntar mais detalhes, ou verificar o quão corretamente escutara, Ayla apenas seguira o rapaz platinado com o olhar. Vendo-o se sentar em sua carteira e acenar para ela, arqueou a sobrancelha. No mísero instante em que desviou o olhar para a carteira atrás de Rafael, seu olhar encontrou Levi lendo algo em seu caderno.
Estava com o rosto apoiado em sua mão, ligeiramente inclinado sobre a carteira atendo ao que lia.
Antes de ser pega olhando-o, virou a cabeça para seu próprio caderno.
Isso mesmo! Não deveria se esquecer de que, independente de ser um sonho ou real, ela estava ocupando o mesmo espaço que Levi Belchior. Aquele que parecia misterioso e belo ao mesmo tempo, que fazia parecer compreender suas dores.
Ora essa, fora ele quem costurou o uniforme. Que soltara seu cabelo e tirara sua maquiagem. Fora o primeiro naquele novo mundo a dizer que Ayla Bitencourt era bonita. E agora estavam na mesma classe, o que aumentavam as chances de se aproximarem.
Só precisaria pensar em alguma forma de o fazer. Sem espantá-lo. Sem fazê-lo enxergar como uma oferecida.
Muito menos dizer à ele que era um personagem de jogo novamente. Pelos céus, quando se recordava disso tinha vontade de bater a própria testa com força na mesa. Imagina se ele levasse à sério como Rafael? Tomara que não...
Espiando-o pelo canto dos olhos, da maneira mais furtiva que conseguia imaginar, Ayla encontrara o mar na noite de lua cheia a encarando de volta. Sobressaltando-se nervosa e virando o rosto completamente para ele, fora possível presenciar a cena inédita.
Levi Belchior lhe dirigiu um sorriso de canto.
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Atualizado até capítulo 71
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