Monochrome Ghost não era um jogo qualquer, justamente por mesclar sobrenatural com romance. Para aqueles que viveram sonhando com seu príncipe encantado sendo um vampiro vegetariano, seria fácil apaixonar-se por um fantasma que amedronta uma escola particular.
A proposta era simples, ser diferente. Enquanto a protagonista se permitia apaixonar pelos misteriosos personagens, ela resolvia os rumores e enfrentava fantasmas para livrar o seu par romântico. Nada melhor do que uma protagonista cética que nasceu em uma família cujo ancestrais eram exorcistas, para lidar com o sobrenatural.
Ayla tivera medo quando jogara pela primeira vez e vira as cenas dos monstros. A história em si não era assustadora, mas os gráficos eram. Por ser jovem demais tudo parecia assustador para uma mente fértil. Mas quando tornara a jogar após o relançamento, não sentira tanto medo.
Não diria isso agora.
No caminho ao seu quarto, ela cavucava cada memória sobre o jogo. Cada informação que anotara com tanto esmero em seu caderno amarelado, que pudesse lhe dar pistas do que acontecia. Fora nas escadarias que lembrou-se daquele termo, “corpo”, sendo usado para se referir à Levi.
Os alunos de Falls School haviam escolhido dois estudantes para responsabilizar dos terrores que aconteciam nas pendências escolar. O corpo era Levi, aquele cuja presença era temida por ser considerado o próprio espírito fantasma de um dos alunos mortos. Já o segundo era chamado de alma, e Rafael fora escolhido para representar o segundo aluno assassinado.
Parecia que todo o terror dos fantasmas envolviam a morte daqueles dois estudantes, mas o jogo não explorava sua história. Talvez as preciosas informações estivessem na rota não explorada.
Apesar de que aquilo não fazia sentido para Ayla. Nunca havia visto uma figura mascarada como aquela que surgira no refeitório, muito menos fora mencionado alguma morte de alunos, apenas de sustos que alguns deles tomavam em eventos.
Nada de tão grave acontecia dentro do jogo.
Quando finalmente a porta do quarto fora fechada, Ayla pode ver sua colega suspirar alto e cansada, fechando as janelas e as cortinas.
— Está bem, Mayla?
— Admito que desde a minha transferência eu ignorei os rumores de fantasmas, já que nunca tinha visto um. — Sussurrava a garota ao se sentar em sua cama e olhar para as próprias mãos — Mas isso é completamente diferente do que um filme de terror, sabe?
— Como assim?
— Aquele que estava no refeitório. Chamamos ele de fantasma, pois sempre aparece fazendo pedidos absurdos e quando não se sente agradado ele tira a vida de algum aluno.
— Espera um minuto — Exasperou Ayla, se sentando ao lado de sua colega a fitando surpresa — está me dizendo que não é a primeira vez que isso acontece?
— Dizem que não, mas é a primeira vez que vejo. Não sei ao certo, já que os veteranos não se sentem muito à vontade para falar mais do que aconteceu nos outros anos.
Fazia sentido, pensava Ayla. Por que raios iriam contar sobre aquilo que dá medo? Seria preferível ignorar e fingir que nada aconteceu, se não fica difícil de encarar a situação. O pensamento de que seria a próxima vítima não abandonaria suas mentes.
— Mas ninguém sabe quem é?
— Eles acham que é o senhor Belchior por causa da altura, e também porque jamais viram os dois no mesmo lugar ao mesmo tempo.
— Claro que não é ele! Levi não tem uma voz alta como daquele maluco! Além disso, eu estive com ele, assim como Rafael estava, antes de irmos ao refeitório. Não daria tempo de ter cometido uma atrocidade dessas! — Defendia Ayla. — De toda forma, o que raios ele teria pedido e que não foi atendido?
— De não fazer o evento de amanhã.
Ayla piscara algumas vezes. Ora essa, o evento do eclipse lunar acontece no jogo de qualquer forma, por que raios não aconteceria no sonho?
— Aquele sujeito tirou a vida de uma pessoa por uma besteira dessas? Pelos céus!
A conversa fora interrompida com batidas na porta. Percebendo que sua colega de quarto não parecia disposta a abri-la, Ayla fora atender, surpreendendo-se com Rafael.
— Rafael? O que faz aqui?
— Boa noite, senhorita Bitencourt, peço desculpas por incomodar a você e sua amiga à essas horas, mas gostaria de conversar com você por um instante. — Notando que Ayla olhara para sua amiga dentro do quarto, o rapaz logo continuara — À sós.
— Ahn... Tudo bem.
Dando uma breve justificativa para a colega e saindo do quarto para seguir o rapaz pelo quarto andar, Ayla percebia uma postura diferente em Rafael. Apesar de parecer manter sua compostura, seu semblante estava sombrio.
Não deveria ficar surpresa, o que acontecera no refeitório deveria apavorar qualquer ser humano em plena consciência.
Acreditando seguir para as escadarias, Ayla ficara surpresa de apenas darem à volta no corredor e seguindo para ala oeste, onde ficava o dormitório masculino. Em meio ao caminho não vira nenhum movimento. Por um instante tivera medo de ir para um local tão isolado, principalmente quando Rafael abrira uma porta e lhe dera espaço para entrar.
O cômodo tinha apenas camas e armários, não parecendo ser ocupado por algum estudante. Escutando a porta ser fechada, virou-se para Rafael o observando fechar as janelas do cômodo.
— Mais uma vez eu peço perdão em trazê-la para cá, mas creio que nossa conversa deva ser em particular.
— E o que poderia haver de tão secreto assim?
— Eu escutei sua conversa com Levi mais cedo, e fiquei bastante intrigado.
— Mas você não estava lá... Espera um instante, chegou antes e ficou escondido atrás da porta?
— Bem, sim — Admitia o rapaz, coçando a nuca com certa vergonha — Quando a ouvi perguntando o motivo de Levi ter mexido em seu cabelo, fiquei curioso já que ele não é de... Encostar em outras pessoas.
Fora a vez de Ayla em se encostar na parede, cruzando os braços sem deixar de olhar atenta para Rafael. Dependendo do que acontecesse, estaria perto o suficiente da janela para abri-la e pular. Independente de machucaria um braço ou perna. Isso não importaria diante daquele olhar claro e sério que era entregue à si.
— E então, o que te intrigou?
— Mencionou algo sobre jogo, não foi? Disse que Levi era um personagem.
Talvez o espanto tivesse passado por seu rosto, pois Rafael parecera imitá-la. Ayla percebera que prendera a respiração por um instante, lembrando-se de ter dito algo do tipo no calor do momento.
Ora essa, havia ficado furiosa naquela hora. Sua intenção era apenas questionar o motivo de não poder agir como desejava dentro de um mundo que lhe pertencia. Apesar que agora enxergava isso como uma birra sua, e era grata por Levi ter tido paciência consigo mesma.
Mas o problema agora era outro. Um personagem de um jogo parecia ter escutado que sua realidade era uma farsa. O que deveria responder?
Deveria dizer que ouvira errado?
Que era mentira?
Ou admitir ser verdade?
Mas se o fizesse, como seria a reação de Rafael?
Certamente riria de si. A chamaria de maluca, fantasiosa, que deveria escrever livros de fantasia.
E se aquilo era um sonho seu, enquanto dormia depois de ter levado um tiro no mercado, então não deveria se importar com a reação dele, certo? Aquele mundo lhe pertencia, como dissera Levi.
Mesmo assim Ayla não estava segura do que responder. E por isso optara por tomar outro caminho, mais cauteloso.
— Eu ter dito isso o incomoda tanto ao ponto de pedir pra conversar à sós? Nem considerou uma piada?
— Do jeito que havia falado, não senti nenhum teor de piada apesar de ser risório. E fiquei muito surpreso em ter percebido que fazia sentido.
— O que fazia sentido?
Rafael dera pequenos passos em direção da garota, mantendo os olhos delineados e cansados sobre ela. Mesmo que Ayla não movesse um centímetro sequer, estava sendo encurralada contra a parede.
Surpreendentemente, Rafael estendera o braço ao lado de sua cabeça espalmando a mão na parede. Um claro sinal de que não a deixaria fugir.
— Você sempre soube demais. Sabia o nome do Levi antes mesmo de ter pisado na escola, e ainda tem o Grande Ministro como seu padrinho. Quem é você realmente, senhorita Bitencourt?
Mencionar o nome de Levi não surpreendera Ayla tanto quanto o Grande Ministro. Ou sujeito mascarado como chamava desde que o conhecera no mercado. Para piorar, ela notara que Rafael estava decidido a descobrir sobre si, além de conhecer o mascarado. Justamente quando aquele sujeito mascarado fora claro na carta ao pedir que nada sobre o assunto devesse ser contado à terceiros.
Não poderia contar a verdade sobre o grande ministro... Ou deveria contar até um determinado ponto?
Ser verdadeira ou omitir informações à Rafael? Até que ponto ele estaria disposto a ir só para desvendá-la?
Ah, pagaria para ver.
— Sou uma aluna transferida, apenas isso.
— Não precisa mentir para mim, pois eu senti em cada palavra sua dita ao Levi o quanto conhece à todos nós. Finalmente percebi que tens interesse no meu amigo, e quero saber o motivo. Que jogo é esse?
Suspirando pesado, Ayla apertava os dedos em seus próprios braços.
— Sim, vocês todos não são reais. Falls School não existe, assim como essas assombrações e terror todo. São parte de um jogo chamado Monochrome Ghost, que foi lançado à mais dez anos.
E então Ayla contara sobre o jogo. O seu enredo, o fato de sua colega de quarto ser a protagonista do jogo, os eventos que acontecem no jogo e as cenas desbloqueadas. Contara tudo o que haveria ser necessário para Rafael saber.
Ele, por outro lado, ouvira silenciosa e pacientemente. Não a interrompera um minuto sequer, muito menos se distanciara dela. Mantivera o braço erguido ao lado de sua cabeça impedindo sua fuga.
— Então, o que explicaria a sua vinda para cá?
— Como bem escutou às escondidas, um sonho. Quando fui ao mercado com minha família, fomos vítimas de um assalto onde levei dois tiros. Depois disso acordei aqui. Então deve ser um sonho.
— Compreendo. Infelizmente isso aqui não é um sonho, senhorita Bitencourt.
Fora a vez de Ayla espreitar os olhos com desdenha.
— E você realmente quer que eu acredite ter sido transportada para dentro de um jogo? Como?
— Grande Ministro. Você o conheceu antes de vir para cá, não?
Lembrara do corredor do amaciante, onde ficara com medo daquela máscara com dentes e o brilho no lugar dos olhos. Do mistério que rondava aquele sujeito. Fica ainda mais pálida ao recordar-se de tê-lo visto logo após ter levado os tiros.
Como uma entidade misteriosa que está presente sem ser notada, e tudo observa silenciosamente.
— E-Eu o vi... É...
— E ele te fez uma pergunta, não?
— Fez. Como sabe?
Rafael baixara a cabeça e suspirara fazendo uma pausa silenciosa. Logo em seguida erguera os olhos claros para Ayla, afastando-se para caminhar pelo quarto. Dera alguns passos surdos como quem pensasse no que fazer em seguida, sob os vigilantes olhos amendoados de Ayla. Virando-se abruptamente para ela, segurou de suas mãos com urgência, implorando algo ao seus olhos.
— Isso aqui é real, Ayla. E se não acredita em mim, então me diga se nesse seu jogo acontece o que acontecera no refeitório.
— Do refeitório?
— Sim. Pois se aconteceu, então irei pedir, até de joelhos, para que me guie ao caminho que mantenha os alunos à salvo e nenhuma outra vida seja perdida.
Fora então que Ayla compreendera. Rafael não teria pedido para conversar com ela para saber sua história, mas por puro desespero após ter visto um aluno morrer. Ainda mais um aluno que fazia parte do Grêmio Estudantil.
Não havia se tocado de que Rafael estaria tão abalado quanto qualquer outro aluno. Talvez estivesse tão assustado quanto os demais.
Era claro que não considerou essa hipótese, jamais o vira perder a compostura no jogo. Rafael Zanetti sempre tinha tudo em controle, resolvendo as pendências com maestria e elegância. Não seria por isso que os alunos o adoravam?
— Eu sinto muito, mas não tenho a resposta.
— Faço qualquer coisa, apenas me diga...
— Rafael — Interrompia Ayla, segurando as mãos do rapaz e lhe dirigindo um olhar doce — Esse sujeito mascarado não existe no jogo, desconheço ele completamente. Fiquei muito surpresa de Mayla ter dito que ele sempre esteve aqui, fazendo ameaças e pedidos.
— Tens certeza disso? Estou aqui na sua frente, pedindo pateticamente que me ajude. Disse que o jogo foi relançado, que alguma coisa mudou, não seria essa criatura?
— Eu fiquei jogando a nova versão por mais de doze horas, e não encontrei nenhuma criatura como essa. — Fora dolorido para Ayla ver os ombros de Rafael baixarem, assim como seu semblante se entristecera. — Mas há algo que eu não tentei.
Erguendo os olhos diante do fio de esperança, Rafael tornara a segurar com firmeza os finos dedos de Ayla.
— Diga-me então.
— Cheguei à conclusão que todas as atualizações da história do jogo foram inseridas na rota do vilão. Mas não consegui encontrá-la para testar.
— Que vilão?
— A de Levi. — Rafael prendera a respiração, e Ayla logo se apressou — Os fãs pediram para que uma rota romântica fosse aberta para ele, e a empresa atendeu. Mas não consegui desbloqueá-la antes de acontecer o assalto, então...
— Isso só me prova de que isso aqui é a realidade. Onde não temos respostas prontas.
— Rafael, não tem cabimento isso aqui ser real. Chegou ao ponto de ser um pesadelo cruel que brinca com vidas. Além disso você aceitou toda a história com muita facilidade, uma pessoa de verdade riria de mim.
— Na verdade eu acredito que você tenha vindo para a realidade dentro desse jogo.
Empertigada, Ayla estreitou os olhos desconfiada.
— Como é? Eu? Vim parar dentro do jogo? Mas como?
Rafael deixara a mão sobre o ombro de Ayla, a olhando com tamanha compaixão que a deixara mais confusa e ansiosa.
— Por acaso, você viu o Grande Ministro depois do assalto? — Esperando alguma resposta, tudo o que Rafael ganhara fora um aceno de cabeça — Por acaso ele te mostrou alguma visão sua e da sua família?
Mostrou? Será? Não se recordava direito. Tudo o que lembrava era de ter acordado na frente de Falls School com Rafael ao seu lado. Ah, tinha aquela sensação de que havia se esquecido de algo, não?
Seria isso?
Forçara sua mente à trabalhar. Teria visto algo de sua família? Alguma visão estranhara o suficiente para desejar se esquecer?
Flashes brancos iluminavam sua mente. Bipes. Lágrimas.
Oh, estava conseguindo algo. Forçara sua mente mais um pouco.
Um choro. Olhares preocupados de seus pais. Sensação de estar em um hospital.
Lentamente seus amendoados olhos esbugalhavam surpresos. E Rafael a abraçara contra seu peito, sussurrando com um suspiro.
— Você morreu, não é?
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 71
Comments