Pela primeira vez aquela voz tímida fora responsável por deixar sua mente em branco. Ou teria sido aquele reflexo? Talvez os dois juntos, não?
A grande questão era que Ayla não sabia o que fazer. Sua mente parecia em frangalhos naquele entardecer. Havia realmente encontrado a rota romântica do fantasma? Mas como? Aliás, como ela havia desbloqueado tantas coisas sem perceber? Justo ela que se considerada a grande conhecedora de Monochrome Ghost.
— Há algo errado? Não gostou do uniforme?
Piscando lentamente, Ayla descia os olhos sobre o próprio reflexo no espelho que usava aquele belo vestido. Simples, mas belo. Só que a incomodava era si mesma, não a roupa.
Quando tornara a erguer os olhos para seu rosto, enxergava aquilo que tanto escondia.
— Por que tirou minha maquiagem? E soltou meu cabelo?
O cerrar de punhos e o morder do lábio inferior eram a repreensão a si mesma. Ayla castigava a si mesma em pensamento, por sua voz ter parecido mais grosseira do que era esperado. E quando voltara os olhos amendoados para o reflexo de Levi atrás de si, controlou-se para não gritar.
Ele não tinha culpa.
Era só um sonho besta. Certamente que ali essas coisas aconteceriam, não?
— Em Falls School somente uma pessoa pode usar uma máscara. Você não é essa pessoa.
Cerrando o cenho e espreitando os olhos, Ayla virara o rosto sem compreender. Aquilo definitivamente estava se tornando algum tipo de brincadeira. Sua mente estava agindo maldosa consigo.
Fora a gota da água.
— Está dizendo que eu estou fingindo ser algo que não sou? Que não tenho o direito de fingir? — Fitando novamente o reflexo no espelho, a raiva sobressaía em sua fisionomia. Suas mãos tremiam do nervoso que corria em suas veias — Desde o momento que acordei nesse maldito sonho, vocês ficaram a me dizer que eu deveria tirar essa maquiagem. Por que eu deveria? Vocês mal sabem o motivo de eu usá-la!
Para sua frustração, Levi não mudara sua fisionomia. Permanecera calmo e sereno a encarando pelo reflexo do espelho. Isso a enfurecera ainda mais. Por que sua mente estava usando o personagem preferido do seu jogo para lhe pregar peças? Para brigar consigo? Por quê?
— O que a faz pensar que está sonhando?
A pergunta soara como uma brisa gélida em um corpo fervendo no calor do verão. Aquela brisa que refrescava e carregava consigo o calor. Ainda assim o sol quente fazia uma nova nuvem abafada surgir em seu peito.
Soltando um riso nasalado, ela revirara os olhos para o espelho.
— E por que não seria um sonho? Você é um jogo, alguém que não existe de verdade. Devo estar sonhando porque na realidade meu corpo está em um hospital lutando para sobreviver. E por amar demais o jogo estou delirando!
Levi não respondera. Ficou a encará-la com seus olhos frios, sem mesmo piscar.
Então, suavemente ele erguera a mão para lhe tocar no ombro. Empurrou-a para frente do espelho, diminuindo a distância entre o próprio reflexo.
— Se considera tudo isso um sonho, então por que usa essa máscara? Esse não seria o seu mundo?
Ah, estava odiando a si mesma. Ayla não tinha coragem de encarar novamente o seu reflexo, por isso mantivera os olhos naquele garoto pálido como o luar. Havia uma serenidade que parecia indestrutível, e invejável até certo ponto.
Fora então que ela admitira para si mesma.
Ele tinha razão.
Sonho ou não, aquele mundo era seu. Pois nele existia. Poderia ser quem quisesse, pois escolhera não ser reconhecida. Conhecia todos, pois era o seu jogo preferido, mas ela era apenas uma garota estranha. E se alguém sussurrasse sobre si, não seria por causa de um professor de matemática, mas sim por causa de fantasmas da própria escola.
Ela não havia feito nada de errado.
— Então, está me dizendo que está tudo bem eu voltar a viver?
Novamente a brisa voltava para espantar o calor, e dessa vez ela trouxera consigo o entardecer. Ayla sentia-se na beira do mar observando o por do sol de um verão inesquecível, conseguindo assistir o céu alaranjado obscurecer com diversos pontos brilhantes.
Esses pontos brilhantes eram o ligeiro sorriso que Levi lhe dava naquele reflexo.
— Está tudo bem. Poderá ser difícil tirar essa máscara, mas um pedaço dela eu a tirei nessa noite. — Ayla encara o próprio reflexo, o uniforme bonito que, agora, parecia combinar consigo. Já não se sentia enjoada em ver o próprio reflexo. — Minha composição é perfeita.
— Bobo, perfeição não existe. — Rira ela ao relaxar os ombros.
— Peço perdão em demorar para resolver os problemas. — Anunciava um Rafael entrando na saleta. Seus passos se encerraram no instante em que olhara Ayla. — Uau.
Desviando o olhar com certa vergonha, Ayla não deixava de sorrir satisfeita.
— Ficou... Excelente, Levi. Agora compreendo o pedido de seu padrinho.
— Meu padrinho — Sussurrava a garota voltando a se ver no espelho — Devo agradecê-lo por isso.
— Resolveu o problema no conselho?
— Ah, em partes. Era esperado que os alunos ficassem ansiosos com o evento de amanhã, então problemas também devem ser esperados. — Aproximando-se de Ayla, Rafael lhe dirigira um afável sorriso — Devemos ir, senhorita. O refeitório logo servirá do jantar.
— Tudo bem, irei me trocar e logo poderemos ir.
Quando Ayla se escondera no trocador, não percebera a troca de olhares entre os garotos. Fosse por estar feliz de se sentir livre de uma amarra ou fosse por ter encontrado Levi, o mundo simplesmente parecia belo mais uma vez na sua vida.
Aproveitaria as chances como ninguém. Não pensaria, não deixaria ser levada pelo racional. Aquele mundo lhe pertencia.
※
Os cochichos e olhares não foram diferentes quando as duas garotas entraram no refeitório para o jantar. Apesar de tantas coisas acontecerem em um único dia, Ayla sentia-se viva graças ao seu vilão favorito.
Chegava a ignorar os demais estudantes só para contar à Mayla sobre ter encontrado Levi, e de como ficara surpresa em descobrir que ele era o conselheiro do Grêmio Estudantil.
— Você parece gostar muito dele, não é mesmo?
— Você acha?
— Sim! Hoje de manhã ficou o olhando daquele jeito, e agora ele a elogiou e ainda fez o seu uniforme. — Explicava Mayla ao deixar sua bandeja sobre a mesa, sendo imitada pela colega — Admito que fico receosa, já que o senhor Belchior parece ser bem reservado.
Sentando-se na cadeira, Ayla tirava os talheres do pequeno plástico para remexer a comida. Era óbvio que Levi seria reservado, já que era alvo dos rumores dos fantasmas. Provavelmente era o mais alvejado dentre tantos outros.
— Mas isso não quer dizer que ele seja mal, certo? Eu sinto que há algo à mais nele.
— Deve ser por isso que nós garotas costumamos nos interessar pelos garotos misteriosos — Comentara Mayla ocasionalmente.
Fitando a colega, Ayla percebia seu olhar perdido na mesa ao lado. Virando-se para trás reconhecera a mesma mesa em que Rafael e Levi haviam se sentado no café da manhã. Tornando a encarar a amiga, perguntou-se intimamente se a protagonista do jogo poderia seguir alguma rota romântica por conta própria, e por quem seria.
— Bem... Admito que é um charme. Só que eu sinto que há algo à mais. Não sei explicar.
— Eu entendo, seria realmente muito bom que vocês se tornassem amigos já que o senhor Belchior está sempre sozinho.
Ayla estava prestes a questionar sobre aquele comentário de sua amiga, quando as lamparinas do refeitório foram apagadas repentinamente com uma rajada de vento. Os alunos gritaram, dando início à uma onda de desespero coletivo.
As cortinas avermelhadas soltaram de suas presilhas e esvoaçaram com a abertura repentina das janelas. Com a luz do luar sendo a única iluminação, os alunos enxergavam a silhueta em pé no peitoril de uma das janelas centrais.
Imaginava coisas ou estava vendo uma silhueta bastante similar da que encontrara na casa de Pedro naquela tarde? Pelo menos os arrepios e a ponta de medo eram idênticos de mais cedo.
— O fantasma — Sussurrava Mayla, de olhos esbugalhados e mãos petrificadas sobre a mesa.
— O quê?
— Silêncio! — Gritava a silhueta, em alto e bom tom. Os alunos encolhiam os ombros medrosos, baixando suas cabeças. — Vocês ousaram me desafiar quando não cumpriram com seus deveres. E eu vos disse que haveria um preço à pagar por isso.
Olhando sobre os ombros, de um lado à outro, Ayla encontrava os alunos paralisados de olhos arregalados e boca aberta trêmula, fitando aquela silhueta. O que raios estaria acontecendo ali? Quem era aquele sujeito e sobre o que estava falando?
As perguntas pipocavam em sua mente, mas o medo jamais a abandonara.
Mais gritos ecoavam pelo refeitório quando um estalo quebrara o silêncio da silhueta. Virando-se rapidamente para onde o som vinha, Ayla não enxergava nada direito. E quando buscara a silhueta uma vez mais, tivera tempo de vê-lo usar uma máscara branca e então desaparecer noite a fora como uma fantasma.
Seria o sujeito mascarado que encontrara no mercado? Não... A máscara daquele sujeito tinha o lado direito trabalhado, haviam detalhes que o destacavam. Aquela ali parecia simples, apenas branca como um gesso.
Quem era?
As luzes das lamparinas retornaram, e então gritos eram compartilhados pela terceira vez naquela noite. Verificando que a amiga estava bem, Ayla a encontrara aterrorizada cobrindo a boca com as mãos. Seguindo seu olhar, a imitava com tanto terror.
O garoto que havia acompanhado Rafael à levá-la ao seu quarto naquela manhã se encontrava morto sobre uma mesa quebrada. Seu pescoço estava quebrado, assim como as pernas. Uma visão horrenda e real.
— Mas o que é isso?
— Isso não é bom... Não tinha dito que um garoto havia acompanhado você e o senhor Zanetti? — Ayla não conseguira responder o sussurro de sua amiga, por isso limitou-se a concordar com a cabeça — Não devemos ficar aqui....
Estando prestes a perguntar o motivo, Ayla percebia os olhares para sua mesa. Já encontrara malícia e zombaria em olhares dirigidos a si, mas era a primeira vez que pareciam ter medo dela.
— Peço que todos os alunos sigam para seus dormitórios — A figura de Rafael em cima de uma mesa surgia entre o tumulto. Um grupo de alunos que o cercavam logo se misturavam entre os demais estudantes os guiando para fora do refeitório. — O grêmio estudantil tomará as devidas providências para elucidar o caso. Enquanto isso retornem para seus quartos e façam seus deveres de casa, amanhã teremos aula normalmente.
— Como podemos ter aula normalmente quando um de nós foi morto? — Esbravejava um rapazinho em meio à multidão.
— Sabem tão bem quanto eu que é o melhor.
— Cale a boca. Aposto que todos nós seremos mortos de qualquer forma por causa desse maldito fantasma! Não deveríamos fazer algo com o seu corpo?
Corpo? Ayla começava a se questionar ao ouvir a discussão entre Rafael e o aluno desesperado. Porém nada parecia fazer sentido para si.
— Ninguém deve tocar no corpo! — Enfatizara Rafael, baixando os olhos friamente para o rapaz. — Sabem muito bem disso. Sigam as orientações do seu presidente e fiquem seguros.
— Seguros uma ova! Vamos todos morrer! Tragam o Belchior! Já perdemos tempo demais.
— Eh? Ele quer aquele cara?
— Só pode estar brincando.
Os murmúrios apenas aumentavam, e o garoto amedrontado agora sorria ladino com malícia.
— Belchior é o corpo, não é? Se dermos um fim à ele, tudo ficará bem.
Rafael não descera da mesa, e mantivera sua calma aparente. Bem, se ele aparentava tal frieza, Ayla estava um caos só de ter ouvido o nome de Levi entrar naquela discussão. Sim, sim, sabia muito bem que Belchior era o vilão do jogo, colocado como responsável por todas as atrocidades que ocorriam em Falls School.
O jogo sempre deixara claro que era pura histeria daqueles amedrontados. Ayla sabia disso, ora essa. Não era uma informação nova. Ainda assim... Ainda assim ver e ouvir isso, sentir a raiva e o medo daquele garoto, justamente quando minutos atrás um corpo fora jogado como uma boneca de pano... Era outra coisa.
A rajada de vento passeava pelo refeitório com violência, como o prelúdio de uma tempestade. Ayla até escondera o rosto em seus braços. Fora tal vento que silenciara os alunos, tendo a maioria seguindo os demais integrantes do conselho para fora do refeitório.
— Vão, meus colegas. Já chamei o diretor, e garanto que medidas serão tomadas! Agora vão, sem pânico e sem gracinhas.
O garoto não questionava, mas não parecera contente quando deixara o refeitório empurrando ombros e resmungando.
Com o fim da discussão, o grêmio estudantil continuara a guiar os alunos ordenadamente para fora do refeitório. As duas garotas colegas de quarto permaneceram em seus lugares. Ninguém dirigia seus olhares para elas, pareciam evitá-las à todo custo.
— O que está acontecendo? P-Por que isso... Está acontecendo?
— Eu te conto quando estivermos no quarto — Sussurrava Mayla, segurando a mão da nova colega de quarto — Até lá, não diga uma palavra.
A última coisa que Ayla queria era se calar. Não quando perguntas e mais perguntas pipocavam em sua cabeça, na frustrante tentativa de compreender o que havia acontecido. Para isso, seus olhos não desgrudavam do corpo, que agora Rafael cobrira com um manto branco.
Quando o rapaz levantara os olhos e a encarara, Ayla respirava fundo ao imaginar que aquele era o início do primeiro evento do jogo.
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Atualizado até capítulo 71
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