Quando finalmente encostara as portas do guarda roupa, Ayla simplesmente se jogara na cama e suspirara pesado. Suas costas doíam de cansaço, e só de imaginar descendo as escadas de novo já ficava com preguiça. Pela janela o pôr do sol era visível, sinalizando que em breve Rafael bateria na sua porta.
― Estou de volta! ― Anunciava Mayla ao entrar no quarto, tirando os sapatos ― Oh! Vejo que terminou de arrumar suas coisas.
― Foi uma árdua tarefa, admito. Estou acabada.
― Tome um banho e vá descansar. Posso trazer algum lanche da cantina para você.
― Agradeço, mas ainda tenho uma coisa a fazer. Daqui a pouco Rafael vai passar aqui.
― O senhor Zanetti? Por quê? Aconteceu algo?
Percebendo o olhar preocupado da colega de quarto, Ayla lhe dirigiu um afável sorriso e se sentara na cama.
― Apenas o encontrei mais cedo e falei sobre o uniforme. Ele se prontificou a me ajudar.
― Uau que gentil de sua parte. Então... Logo ele vai vir. Quer que eu te espere para irmos jantar juntas?
Ayla estava prestes a dizer para a colega ir sem ela, porém recordou-se de como foi no café da manhã. Os olhares e os sussurros repletos de rumores. Só de imaginar Mayla tendo de lidar com isso sozinha não a deixara muito alegre, pois sabia muito bem o peso das palavras.
― Claro! Eu te mando uma mensagem quando terminar as coisas do uniforme e poderemos nos encontrar no refeitório.
A decisão fora certeira, percebera isso quando Mayla pulara até si para segurar suas mãos e sorrir toda alegre. Até mesmo suas bochechas ficaram rosadas. Não controlara o próprio sorriso, a acompanhando em risos baixinhos.
Enquanto esperavam a chegada do presidente do grêmio, as duas garotas desataram a conversar. Apesar de fingir a inexistência de sua curiosidade, Ayla perguntara várias coisas sobre a escola. Evitara tocar no assunto rumores e fantasmas, pois sabia muito bem que sua colega de dormitório não acreditava no sobrenatural.
Mesmo que sua família viesse de xamãs ou exorcistas.
Que irônico.
Não, ela preferira perguntar da escola pois havia um problema que não sabia resolver. E antes de tomar qualquer decisão queria ter todas as informações possíveis.
Mas o assunto logo fora interrompido com as batidas na porta. Prontamente Ayla pulara da cama e fora receber o presidente do grêmio estudantil em seu uniforme comum.
― Senhorita Bitencourt, espero que não tenha se esquecido de nosso compromisso.
Soltando um riso nasalado, Ayla colocava o celular no bolso da calça e negava com a cabeça.
― Quanto antes resolvermos isso melhor, não?
― Exatamente. Ah, boa noite senhorita Maldonado.
― Senhor Zanetti. ― Acenava Mayla ao fundo do quarto.
Ayla olhara para os dois e arqueara a sobrancelha. Tamanha cordialidade, pareciam dois velhos conversando. Apesar de não deixar de serem fofos.
― Vamos indo. Mayla, nos vemos no refeitório então, ok?
― Até mais tarde!
Fechando a porta atrás de si, os dois estudantes logo desciam as escadas do quarto andar para chegarem até a recepção. Fora a partir do terceiro andar que Ayla encontrara os demais estudantes de Falls School.
Trajando seus uniformes e carregando seus livros, eles a ignoravam por completo somente acenando para Rafael. Nem mesmo os garotos deixavam de sorrir alegremente e acenarem para o presidente, que retribuía elegantemente.
Sua presença era completamente inexistente. Só não sabia dizer se isso era um benção ou não.
― É realmente bem popular entre os alunos, hein.
― Considero um sinal de que desempenho bem o meu papel de presidente do grêmio.
― Falando nisso, não deveria estar cuidando do conselho após as aulas?
Rafael direcionou um olhar de canto para a garota, como se notasse sua pergunta perspicaz. Demorara alguns segundos para que Ayla percebesse que havia mostrado saber demais para uma aluna nova.
Porém, ele nada comentara à respeito.
― Ajudar uma aluna transferida com seu uniforme também faz parte do meu trabalho. Devo verificar o motivo de ele não ter sido enviado antes de sua chegada.
Dobrando corredores e saindo do zum zum de alunos, os dois logo se encontravam no mesmo extenso corredor em que ficava a enfermaria. E fora lá que viram, ao longe, a figura de um homem alto segurando uma caixa.
Ayla o reconhecera de imediato o professor.
Seria a primeira vez que dois paqueras cruzavam caminho tendo ela no meio? Não deveria ficar empolgada com isso, certo? Afinal... Não tinha intimidade com nenhum deles. Por ora. Que soubesse.
― Oh, a aluna fujona! Não a vi na minha aula hoje.
Ayla notara que Rafael passara reto pelo professor, sendo que este não pareceu se importar. Como fora alvo de um começo de conversação, ela não tivera escolha a não ser parar de andar para respondê-lo.
― Peço desculpas, ainda preciso me atualizar dos horários daqui.
― Não falte amanhã, hein.
― Sim senhor. ― Apressara a garota, mas ficara curiosa quando vira um cano grosso na caixa. ― O que é isso?
― Hm? Isso? Um telescópio, ou parte dele. Estou levando para o clube de astronomia para montá-lo.
Os preparativos do evento corriam à solta, independente de ela estar interagindo ou não com os rapazes. Mas também seria um sinal de que o tempo estava passando, e logo perderia a chance de chamar Levi para ficar consigo.
― Devemos ir, senhorita Bitencourt.
― Hm? Ah, certo! ― Ayla apressou-se para retornar ao lado de Rafael, que não se virara para o professor. Estando prestes a retomar o caminho, foram impedidos com a pergunta de Daniel.
― Onde vocês vão?
Ayla iria se virar e responder, mas sentira algo segurar o seu pulso. Baixando os olhos percebera que a mão enluvada de Rafael a impedia de dar sua atenção ao professor. Sobre o ombro, com um olhar indecifrável, Rafael abria um sorriso falso.
― Estou a levando para o nosso conselheiro.
― Para quê?
Ah ela notara tão claramente a tensão surgindo entre os dois, que fora uma benção manter-se quieta. Diferente da forma como havia falado consigo, professor Daniel parecia mais frio e grosseiro com Rafael. Uma troca de olhares repleta de significados ocultos acontecia bem sua frente, e Ayla não entendia o porquê.
Não se lembrava de alguma rusga entre ambos. No jogo pareciam ignorar a presença um do outro. À menos que mantivesse a intimidade alta com os dois, pois desbloqueavam os diálogos enciumados. Porém ela não se encontrava naquele estágio...
― Nosso conselheiro poderá preparar o uniforme dela, que não fora entregue com antecedência.
― Posso me encarregar disso, procurando na loja assim que abrirem de manhã.
― Ela precisa do uniforme para amanhã, professor. Presumo que a loja da escola não tenha um sobressalente.
― Quanta besteira.
Mordendo o lábio ao perceber o aperto em seu pulso, Ayla tentava a todo custo compreender o significado daquelas palavras. Deveriam estar se comunicando em código, não era possível. Aluno e professor discutirem sobre um mero uniforme?
Ela não estava com a bola toda. Nem mesmo em seus sonhos.
― Com licença, devemos ir. Prometi levar a senhorita Bitencourt para jantar junto de sua colega de quarto, e não quero me atrasar.
Colocando um ponto final com uma reverência cordial, Rafael puxava a garota para continuarem a caminhar pelo corredor. E ela nem ousara olhar para trás, estava aturdida com aquela discussão.
Não andaram por mais tempo, assim que pararam em frente à uma porta preta, Rafael batera três vezes e adentrara sem pestanejar. Puxando a garota para dentro, fechara depressa. Ayla tivera de se encostar na parede ao se desequilibrar com o puxão em seu pulso.
Ficara surpresa, com direito à olhos arregalados, quando Rafael a soltara e ajeitava os cabelos platinados como quem se recompunha de uma briga fervorosa.
― Peço perdão pela atitude, mas peço que não pergunte nada.
Piscando algumas vezes, Ayla apenas concordara com a cabeça.
Como poderia enchê-lo de perguntas quando nem ela sabia compreender a situação? Precisaria de um bom tempo para processar e comparar com o que lembrava do jogo.
― Então... Por que viemos ver o conselheiro?
― Ele deve ter feito o seu uniforme.
Rafael caminhava pela sala, e somente então Ayla prestara atenção em onde estava. Um cômodo relativamente pequeno, mas as paredes revestidas de vermelho bordô e os diversos manequins com uniformes lhe chamaram muita atenção.
Até se aproximara de um que usava, para a sua surpresa, um vestido de renda branco com um imenso laço preto. A peça mais delicada e bela que já vira em toda a sua vida. Até estendera os dedos para tocar o tecido, sentindo sua maciez lhe encantar mais.
― Ah,você está aí. Tudo está pronto?
Demorara uns segundos para reconhecer a voz de Rafael e despertar de seu torpor. Virando a cabeça, mais uma vez estava estupefata com o que via.
Ou melhor, quem via.
Entre diversos panos estendidos e uma mesa bagunçada, estava Levi de costas para si segurando um cabide e um uniforme encapado de plástico. Ele a erguia e virava de um lado a outro como quem averiguasse todos os detalhes.
― Está pronto. Fiz de acordo com o pedido.
Ayla reconhecera um vestido azul marinho e uma camisa branca social. De saia rodada e delicada, com detalhes de pequenas pérolas brilhando contra a luz.
― Esse é o seu uniforme, senhorita Bitencourt.
―M-Meu uniforme? Mas não seria apenas uma saia e o colete? Isso é um vestido.
― Fora pedido que seu uniforme fosse feito dessa maneira, e o diretor permitiu a alteração desde que as cores de Falls School fossem mantidas.
― Pedido? Por quem?
Levi finalmente a olhara por cima do ombro, sem baixar o braço que segurava o cabide onde o vestido estava. Ela nem conseguira olhá-lo de volta, da forma como havia feito no refeitório de manhã. Desviara os olhos para Rafael que parecia curioso.
― Ora... O seu padrinho.
― Padrinho? Que padrinho?
― Sua matricula foi feita por esse familiar, disse que era seu padrinho já que não morava com seus pais.
Não morava com os pais? Até onde sabia nenhum de seus tios e primos eram seus padrinhos. Não tinha dessas coisas em sua família. Teria alguém se passando...
A carta.
O sujeito mascarado havia dito que cuidaria de suas coisas em Falls School, e ainda se proclamara padrinho. Então... Ele era alguém real?
Ora essa, certamente era, o vira no mercado!
― C-Claro... Meu padrinho. ― Rira baixo desviando os olhos para o uniforme ― É, ele me avisou. Devo ter me esquecido por causa da... Mudança.
Havendo batidas na porta, Rafael fora atender enquanto Ayla fitava o uniforme atônita. Mesmo que tentasse entender a situação, pela segunda vez consecutiva, ela ouvira as vozes baixinhas sussurrando algo Logo o rapaz platinado retornava ao cômodo.
― Peço desculpas, parece que tenho de resolver uma questão no grêmio. Levi pode terminar por mim, certo?
Ele não ouvira uma resposta, pois saíra do cômodo deixando os dois outros para trás. Somente quando a porta fechara é que Ayla se dera conta de estar sozinha com Levi Belchior.
Oh céus, ela estava sozinha com Levi Belchior.
Em um quarto.
Sozinhos.
Seu coração não conseguia se controlar. Inconscientemente ela olhara para o rapaz, percebendo seus olhos azul marinho como o céu estrelado olhando-a analiticamente.
Como era bonito o infeliz!
― Poderia experimentar o uniforme?
Seria a primeira vez que ele falava consigo? Ah, sua voz era baixa, mas gostosa. Suave como uma nuvem. Estava prestes a babar se não percebesse a sua demora em lhe responder.
― P-Perdão?
― Quero saber se preciso fazer algum ajuste.
― Tudo bem, ahn...
― Ali ― Apontava o rapaz para o canto onde havia um minúsculo provador.
Pegando o uniforme e se direcionando para o provador, seu coração não deixava de acelerar. Isso significava que ela ficaria pelada no mesmo ambiente que Levi?
Oh céus. As coisas estavam avançando demais.
Cortinas fechadas, roupas tiradas, uniforme sendo vestido, Ayla não conseguia pensar direito. Afinal de contas seu personagem preferido estava ali, e aquela seria a chance de ouro para conseguir avançar alguma coisa.
Mas como? Nem no jogo ela havia encontrado sua rota romântica, como poderia encontrar em seu sonho? O que deveria falar? Como poderia não parecer uma oferecida?
Saindo de trás das cortinas, ela seguira descalça fora do pequeno provador e o encontrara de costas sentado sobre uma mesa. Levi parecia concentrado com uma almofadinha de agulhas, arrumando algum vestido em um manequim.
Assim que percebera sua presença, mirou seus delineados olhos estrelados para a garota e se levantou para ir até ela. Aproximou-se o suficiente, analisando atentamente o vestimento.
Ela, por outro lado, não deixava de acompanhá-lo com o olhar.
― Ficou apertado?
― Não.
― O modelo ficou bom ― Sussurrava o garoto, afastando exatos três passos para olhá-la por inteiro. E então cruzara os braços ― Mas algo estraga minha composição.
Estraga? Inclinando a cabeça, Ayla chegara a prender a respiração.
― O que foi?
― Me permite alguns ajustes?
― Ah, sim, claro. Certamente entende disso melhor do que eu.
Imaginando que o rapaz fosse lhe encher de agulhas para fazer alguns ajustes no vestido do uniforme, Ayla surpreendeu-se quando Levi fora até uma mesa e pegara uma caixa escura.
Tornando a se aproximar da garota, puxara um lenço da caixa e ficara centímetros de distância de seu rosto.
― Feche os olhos, por favor.
Não questionou, fechou os olhos torcendo para que sua boca não fosse traíra em formar um bico na esperança de um beijo. No entanto fora completamente difícil manter a calma.
Ela podia sentir a respiração dele lhe tocar a face. Um ar quente que denunciava sua proximidade. Não tinha como ficar calma daquela maneira. Principalmente quando sentira os dedos finos e leves dele deslizarem o lenço úmido em sua face.
Estaria fazendo algum tipo de carinho em si? Por quê? Ora essa, que tola estava sendo. Certamente não era um carinho. Mas bem que queria.
Ah, veja só, ele era cuidadoso consigo. A tocava com tanto esmero que parecia lidar com um diamante delicado. Por longos minutos ele permanecera naquele toque gentil.
― Pronto.
Abrindo os olhos novamente, Ayla olhara automaticamente para o lenço, que agora se encontrava sujo de preto. Arqueando a sobrancelha, o vira mais uma vez se aproximar com a mão estendida.
Iria lhe abraçar o pescoço? A tocaria daquela forma quando mal se conheciam? Ora essa, que danado.
Fora frustrada pelos próprios pensamentos quando a mão de Levi fora para o seu coque desajeitado. Um simples tocar de seus dígitos fizera com que o peso em sua cabeça fosse aliviado.
Deixando de estar na sua frente, Levi revelava atrás de si um espelho. E fora ali que Ayla enxergava o próprio reflexo dentro daquele sonho. Seus olhos amendoados não deixavam de se surpreender com a garota que via ali.
Quem era ela?
Estava tão bonita.
No reflexo, atrás de si e por cima de seu ombro direito, surgia a figura de Levi.
― Hm... Ficou bom. Ficou bonita.
O coração de Ayla acelerava, mas de uma maneira diferente de antes. Suas bochechas logo ganharam um tom rosado, e a mão se encolhera contra o peito.
A voz pequena, tímida e teimosa surgia em seu âmago.
“Rota do fantasma, encontrado”.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 71
Comments