Em um quarto escuro cujo único foco de luz vinha de um monitor de computador, estava uma garota. Fones de ouvido, olhar vidrado na tela, postura curvada para frente, seus olhos amendoados liam ligeiramente as linhas que apareciam em sua tela. Depois de reler por cinco vezes a fala do personagem, a garota desvia o olhar para a direita onde seu caderno de páginas amareladas se encontrava aberto.
Depois de doze anos sem abrir aquele caderno, havia o feito para relembrar cada anotação contida ali garantindo o sucesso. O sucesso de ter o final romântico com os personagens paqueras do jogo.
Ah sim, ela era uma desvairada por jogos. Os personagens masculinos com belos traços e personalidades encantadoras foram seus grandes heróis nos primeiros meses em que se trancara no quarto. Quando a realidade parecera assustadora e perigosa demais, a garota ligava seu computador e jogava por horas.
Ponderando as respostas anotadas em seu caderno e relendo o diálogo pela sexta vez, a garota finalmente escolhia uma das alternativas de reposta. Desbloqueando assim a continuação do diálogo, ela ponderara as respostas por mais vinte minutos até que uma música baixa soasse em seu headset.
Ligeiramente ela arregalava os olhos, encostando suas costas doloridas na cadeira e suspirando aliviada. A imagem do personagem de cabelos platinados e comprido ao lado de uma mocinha de cabelos curtos e castanho aquecera seu coração. Finalmente conquistara o final romântico da terceira rota, o popular. Apesar que sua intenção originalmente não era essa.
Jogando a cabeça para trás, fechara os olhos por um instante os sentindo arder. Massageou suas pálpebras com as pontas dos dedos, ao longo que um suspiro pesado e cansado escapava de seus lábios. Abrindo os olhos novamente, piscara algumas vezes para o teto e então encarara o grandioso poster colado na sua parede, ao lado da mesa em que se encontrava.
Ali em uma pose estava o seu alvo. Com seus cabelos negros e olhos azul marinho. A seriedade e serenidade em seu semblante diziam que era um rapaz charmoso e fantasmagórico.
Pelas quatorze horas que passara em frente ao computador jogando “Monocohrome Ghost”, ela tentara encontrar a rota daquele infeliz. Quer dizer, depois de ter notado que sua personagem Mayla seguia para a rota do esquecido, optara em verificar se algo teria mudado nas demais rotas dos personagens. E de praxe, tentaria descobrir alguma coisa que levasse à rota do vilão.
Obviamente não dera certo. Não houvera uma pista sequer de onde a rota nova começava. Apesar de os diálogos novos parecessem bastante suspeitos, nenhuma resposta desbloqueara uma cena inédita. Parecia completamente inacessível e desafiador.
― Está bem escondido, não é? Mas não vou desistir, gastei toda a minha mesada só pra te ver.
Sorrindo motivada, a garota esticava os braços para cima e se espreguiçava. Movendo os ombros e o pescoço espantara qualquer sinal de sono, e mais uma vez se curvara para frente do computador. Salvara a imagem do final romântico da terceira rota, e clicara para recomeçar o jogo.
Enquanto a tela inicial carregava, aproveitara para se levantar depois de três horas sentada. Fora até o banheiro lavar o rosto, prendera os cabelos compridos em um coque frouxo antes de retornar à mesa. Colocando o headset mais uma vez sobre suas orelhas, ela se ajeitava na cadeira pronta para mais longas horas de jogo.
Puxando o caderno para mais perto analisara com extremo cuidado as rotas. Anotava os novos diálogos e as respostas corretas para cada paquera, evitando ao máximo de olhar na internet a resposta para a rota do vilão. Descobriria por conta própria, com sua astúcia.
E foram diante de tentativas e erros que ela conseguira encontrar.
Mas não era a rota tão desejada.
Cada personagem paquera tinham dois caminhos que eram determinados pelas respostas do jogador. O final desastroso que culminava em um trágico fim para ambos os personagens, ou o final romântico que trazia um casal feliz por ter passado pelos obstáculos.
Diferente da primeira versão do jogo, que haviam apenas três personagens paqueras, ou seja três rotas diferentes, o update trouxe uma nova rota para um velho personagem. O vilão finalmente tinha sua rota exclusiva, e segundo a empresa criadora do jogo, ela trazia novas informações sobre o enredo prometendo dar nó nas pontas soltas.
No instante em que percebera seguir um caminho que o vilão aparecia com maior frequência, a garota chegara a sentar sobre as próprias pernas sem piscar. Fora cuidadosa em cada resposta, levando em consideração que não sabia qual aumentaria a intimidade entre os personagens ou não.
Mesmo assim, depois de quatro horas jogando, ela alcançara um final...
Um final desastroso.
Nem ficara tão aborrecida, a cena era inédita. Prestara tamanha atenção no desfecho da história que seus olhos ardiam com a claridade do computador. E até mesmo chegara a lacrimejar de emoção, ou seria de tristeza pelo trágico final que o vilão levara? Ele apenas despedira dela como se fosse uma velha amiga e então desaparecera.
Desviando os olhos para o pôster em sua parede, ela sorria ao enxugar uma lágrima solitária.
― Como pode desaparecer sem me dizer uma palavra? Pensei que tínhamos algo de especial rolando entre nós!
Estando prestes a clicar para recomeçar o jogo pela trigésima vez, ela ouvira batidas na porta. Não desviara os olhos e nem baixara os fones, apenas clicara para salvar o final e recomeçar.
Quando a figura de sua irmã mais velha passara a porta carregando uma bandeja, a garota já tinha recomeçado o jogo.
― Está jogando de novo? Não se cansa, não? ― Sem respostas, ela apenas pousara a bandeja na cama desarrumada e olhara em volta soltando um suspiro ― Mas que chiqueiro isso aqui. Se tem tempo para jogar, porque não usa para limpar seu quarto?
― Se já terminou pode sair, está me atrapalhando.
― Ah, ganhei uma resposta dessa vez. ― Sorria abertamente a irmã, abaixando-se para ver a tela do computador ― Oh, é o bonitinho do seu pôster! Mas está diferente...
― O que quer?
― Eu não te disse mais cedo que almoçaríamos juntas? ― Sorrindo triunfante, a irmã pegara a bandeja e colocara um dos pratos na mesa do computador, empurrando o teclado para ter espaço. ― E também disse, caso tenha se esquecido, de que mais tarde iremos ao mercado.
― Eu não vou.
― Vai sim! É o seu aniversário de dezessete anos Ayla. Mamãe está ansiosa pra comer bolo de chocolate contigo.
Ah, o golpe baixo fora dado.
Era verdade que sua amada mãe sempre fora um golpe baixo, pois Ayla sabia que ela tentava exaustivamente lhe tirar do quarto. Com ela não poderia lhe dar respostas malcriadas, muito menos sentir raiva por ter seu espaço sagrado - vulgo quarto - invadido. Afinal, ela era compreensiva até certo ponto.
Negar celebrar o seu aniversário poderia magoá-la. E Ayla não queria isso.
― Eu espero aqui o bolo.
― Nada disso, as duas filhas amáveis irão acompanhar sua mamãe nas compras para fazê-la feliz. Pelo menos essa noite. ― A irmã olhara em volta do quarto e abria um sorriso gentil ― Podemos comer aqui mesmo, se é o que deseja.
Ponderou encarando o poster em sua parede. Depois de tantas horas focada no jogo, talvez comer um doce e ouvir a risada de sua mãe e irmã fossem dar um alívio para o seu cérebro. Talvez chegasse a espairecer o suficiente para desbloquear o final romântico com o seu personagem preferido.
E seria apenas por aquela noite.
Não deveria ser tão má assim com aquelas duas, certo?
― Tudo bem, eu vou. Mas depois comemos o bolo aqui.
― Está certo, prometido capitã ― Ria a irmã empolgada, puxando um puff para se sentar e comer junto da caçula ― Aliás, a última vez que entrei aqui você já estava jogando... Há quanto tempo começou?
― Desde que comprei o jogo.
― E quando foi isso?
― Ontem à tarde.
― E desde então está jogando? ― Questionava surpresa a irmã. ― Você foi dormir?
― Não. E não pretendo ― Apressara a dizer, apontando o indicador para a irmã que se calou imediatamente. ― Não até conquistar o final dele.
― Do bonitinho? O que ele tem de especial pra sacrificar seu sono, Ayla?
Dando uma garfada no arroz e feijoada, a garota ponderou pela segunda vez. Encarara o poster e não deixara de sorrir levemente ao lembrar da sensação que tivera ao jogar pela primeira vez Monochrome Ghost. Apesar que era mais nova, e aquele fora o primeiro jogo de simulação que experimentara.
Ainda assim, Ayla jamais se esqueceria do pensamento que viera em mente quando o vira pela primeira vez. “Tão bonito”. Poderia ser por conta de seu gráfico 2d bem desenhado, mas com o passar do tempo ela se tornara sensível aos nuances de sua personalidade. Tudo o que queria era que ele tivesse uma rota para ela conquistar e se projetar na personagem que controlava.
E lá estava ela com essa chance em suas mãos depois de três anos.
― Ele é especial por conta própria, não preciso destacar nada.
― É... Ele até que é bonitinho para um desenho. Mas ficar viciada no jogo apenas por sua aparência é bem terceira série.
Movendo o garfo em uma resposta muda, Ayla girou a cadeira para ficar de lado e olhar para a irmã mais velha.
― Concordo, mas eu gosto dele porque é bem misterioso e isso aumenta o seu charme visual.
― Misterioso... Certo. E você já desvendou os mistérios do bonitinho?
Enchendo a boca de comida, Ayla movia o garfo mais uma vez e espreitava os olhos antes de negar com a cabeça. A careta divertira a irmã mais velha, que abafara o riso com a mão. Ora essa, estava há mais de doze horas tentando desvendar os mistérios daquele infeliz, e até agora não encontrara nada.
Quando terminasse aquele prato de feijoada e arroz iria tentar de novo encontrar o final romântico com ele. E não haveria quem a parasse.
Tornando a comer do seu almoço, percebera o olhar caloroso da irmã sobre si. Estranhara o sorriso bobo que tinha em seus lábios.
― Por que está me encarando?
― Acho que essa é a primeira vez que conseguimos conversar direito desde que se trancou aqui. ― Percebendo que Ayla desviara o olhar, a irmã tratara de respirar fundo e mexer em seu prato ― Mas me diga, quem você prefere, eu ou o bonitinho?
― Certamente o Levi.
― Levi? Quem? Espera, você escolheu um personagem de jogo ao invés de sua irmã mais velha? Estou ofendida!
Ayla rira.
Pela primeira vez em seis meses, ela rira por causa de outra pessoa.
Um riso baixo e abafado, mas divertido.
Sua irmã chegara a alargar o sorriso desfazendo a carranca birrenta de outrora. Mas nada comentara, preferira manter a birra na tentativa de prolongar aquele riso.
― Vê se pode uma coisa dessas! Eu sendo substituída por um personagem de videogame. Vou comer todo o chocolate do seu bolo como vingança.
― Se jogasse saberia muito bem o porquê de Levi Belchior ser o número um. Até concordaria comigo.
― Diga-me, ó minha irmã avacalhona, por que o projeto 2d seria melhor que eu? Já que a reles mortal aqui não joga.
Encarando o pôster, Ayla mordia os dentes do garfo pensativa. Não deixara de sorrir em lembrar da rota que recém encontrara no jogo. E das novidades do mesmo.
Levi Belchior era o vilão do jogo, apesar de não ser claro o motivo. O cenário escolar o colocavam no cerne de situações assustadoras como causadoras dos mesmos. Somente seu amigo, o popular conquistado anteriormente, saberia o verdadeiro motivo de Levi ser chamado de fantasma.
Porém, essa era uma informação que Ayla ainda não desvendera. Chegara a conclusão de que as pontas soltas das quais a empresa tanto prometera estavam guardadas no final romântico de Levi.
No entanto, não eram as informações que desejava alcançar. Apenas queria conquistá-lo, agradá-lo, vê-lo sorrir para si. Pois, afinal de contas, Levi merecia.
― Levi é gentil, mesmo que o ofendam estará disposto a ajudar qualquer um. Seria como um... Anjo? ― Fazendo uma careta, Ayla olhara a irmã e então alargava o sorriso ― Apesar que o chamam de fantasma... Mas é melhor do que ter uma irmã vingativa e chocólatra.
― He... Sua sem graça.Já terminou de comer? ― Levantando-se logo após enfiar a última garfada na boca, a irmã mais velha recolheu os pratos na bandeja e logo se preparava para sair do quarto. ― Aliás... Se o bonitinho fosse real mesmo, o que ele seria: um fantasma ou um anjo?
― Isso faria diferença?
― Considerando uma situação hipotética da qual eu não estivesse ao seu lado para roubar seus amados chocolates, o bonitinho poderia lhe fazer companhia no meu lugar.
― E o que isso teria a ver com ser fantasma ou anjo?
― Ficar do seu lado e aguentar seu vicio em videogames... Só um anjo mesmo. ― Gargalhando, a irmã correra para porta antes que uma almofada fosse jogada contra si ― Vou te enviar um fantasma para assombrar seus sonhos!
Fazendo uma careta para a porta fechada, Ayla resmungava ao colocar o headset e girar a cadeira para o computador. Mesmo depois de retomar o jogo, estando concentrada em sua tarefa pessoal, ela sorrira diante do conforto.
Talvez, apenas talvez, não seria tão ruim assim sair do seu quarto e passar um tempo com sua mãe e irmã.
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Atualizado até capítulo 71
Comments
Boreal
imagina entra na rota de amor doce ? eu ia sair na mão com castiel 🥰🥰🥰
2024-02-19
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