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Como escrever um diálogo bom?

Aula 3. Dicas para fazer diálogo melhor

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Você já conheceu a estrutura básica de qualquer diálogo: o que dizer, como dizer e a necessidade de dizer. Agora vamos um pouco além: está na hora de tratar também das entrelinhas das vozes em conflito para refinar ainda mais seu texto.

Você já conheceu a estrutura básica de qualquer diálogo: o que dizer, como dizer e a necessidade de dizer. Agora vamos um pouco além: está na hora de tratar também das entrelinhas das vozes em conflito para refinar ainda mais seu texto.

Em termos simples: se seus diálogos são ruins, você escreve mal. Se eles são bons, você escreve bem. Mas por quê?

No primeiro caso, você ainda é um iniciante e não entende muito bem como articular as falas para passar uma mensagem além do que está sendo dito, como na vida real; exagera nos advérbios, nos verbos dicendi, e parece que seus personagens são feitos de gesso: eles falam de maneira tão irreal que chega a ser chato.

se você é um bom escritor, seus diálogos não servirão apenas para avançar o enredo, mas também para dar foco aos personagens e criar relações entre eles.


DICA #1: FUJA DO ÓBVIO


Assim como tudo no mundo da escrita, as pessoas são atraídas pelo que foge da regra. Não adianta escrever uma história de tantas páginas se tudo o que acontece nela é previsível. Da mesma maneira, diálogos que são fáceis demais também devem ser evitados a todo custo. Afinal de contas, uma conversa previsível não necessita existir: é só perda de saliva.


O que motiva uma conversação é justamente um conflito, em geral. Se existe alguma coisa em que os personagens pensem diferente, você encontrou um bom material para diálogos (claro, respeitando as regras de tempo e espaço). Quando você coloca dois pontos opostos juntos, fica difícil prever o que vai sair dali: um sem braço, outro sem um olho, os dois vivos, os dois em pânico? E se eu não consigo prever o que vai acontecer, só me resta uma coisa: assistir isso se desenrolar. Ou seja, ler e entender os diálogos que vêm a seguir:


  Fulano se aproximou de Ciclano como quem não queria nada. Então, pensou se não seria bom puxar uma conversa.

   — Oi.

   — Oi, tudo bem?

   — Tudo, e você?

   — Tudo também.


Eu sei que é tentador fazer isso para mostrar o que todo mundo faria. Mas se todo mundo faz, você não precisa ficar mostrando. Vamos ver um jeito mais legal de fazer isso.


Exemplo:


  Começaram a conversar sobre o tempo. Então, passaram para a política e religião. Até que, após alguns goles, mostraram-se verdadeiros um com o outro.


Pronto. Sem diálogos desnecessários e com brecha aberta para uma nova leva de conversação. E isso nos leva ao nosso segundo ponto: equilibre os diálogos com a narração.


DICA #2: EQUILIBRE OS DIÁLOGOS COM A NARRAÇÃO


Algumas vezes, seus diálogos simplesmente devem não existir. Imagine uma cena tensa em que todos os personagens estão presos em um quarto escuro, cada uma em um canto, e um sociopata a espreita. Você não vai ficar enchendo essa situação de diálogos, vai?

É necessário construir uma sensação de tensão em determinados momentos. O diálogo, em si, representa um deslocamento do foco do ambiente para as personagens. Logo, quando você precisar utilizar o tempo/arredores ao seu favor, tente balancear melhor as coisas através de falas mais curtas e diretas para dar espaço à construção de ambientação. Dessa maneira, você estará construindo tanto seu mundo quanto seus personagens, sem pesar para um ou para outro.


Um gênero literário que trabalha bem a questão de balancear os diálogos com a narração são as crônicas. Como são baseadas em experiências verossímeis, elas trabalham tanto com diálogos — afinal, os personagens são pessoas — quanto com construção de mundo. Se estiver com maiores dificuldades, recomendo dar um pulo em algumas crônicas brasileiras e analisar como isso é construído na base da literatura.



DICA #3: ALGUMAS VEZES É MELHOR DEIXAR SUBENTENDIDO


Como já falamos na postagem sobre especificidade, as coisas ficam muito mais legais quando o leitor descobre sozinho o que está acontecendo. O seu casal de personagens principais está tendo um conflito grave na relação. Já brigaram muito, arremessaram coisas contra a parede, xingaram um ao outro. Em resumo: a relação deles está um caos.


Mas você, um ferona muito amável, quer ter certeza de que seus leitores entenderam esse cenário. Por isso, faz algo assim:


  — Você sabe o que eu estou achando dessa relação, Matheus?

  — O que você está achando, Álvaro?

  — Que ela está um caos! A gente está brigando todos os dias, eu não aguento mais!


Não seja um ferona amável porque seus leitores não são burros. Além desses diálogos estarem totalmente inverossímeis, parecendo saídos de uma novela mexicana, eles explicam o óbvio. Então, vamos ser bem claros: não explique o que já foi mostrado e não mostre o que já foi explicado. Se você já colocou isso na história e tal acontecimento causou algum impacto, está mais do que óbvio que ele está ali. Entretanto, se for um ponto muito pequeno, citado somente uma vez sei lá quando, pode ressaltá-lo novamente.


Então, há outro aspecto interessante. Assim como o diálogo pode explicar o óbvio, ele pode deixar as coisas nas entrelinhas. É uma faca de dois legumes que você pode usar tanto para incrementar sua trama, quanto para torná-la maçante. Vamos ver um exemplo de diálogo com subtexto.


Exemplo:


  — Eu não quero ir na festa da escola.

  — Mas vai ter alguém na sua casa à tarde?

  — Não... — E encarou o chão. — Mas eu acho que dá para passar umas horas sozinha.

  — Tem pipoca? Eu levo o guaraná.


Podemos concluir com esse diálogo que: uma das personagens não pode ficar sozinha em hipótese alguma; sua amiga tem consciência disso; ela vai ficar em casa com a amiga. E nenhuma dessas informações foi explicitamente colocada.


DICA #4: PARA MELHORAR, PRESTE ATENÇÃO NOS GESTOS


Não tem como você escrever um bom diálogo se você não presta atenção em como as pessoas se comunicam. Elas possuem jeitos únicos de falar, mas isso você já sabe. O problema está na hora de passar para o papel. Por isso, escute atentamente quando estiver conversando com os outros: a linguagem corporal é algo pouco lembrado, mas que pode incrementar muito um diálogo. Preste atenção no jeito como aqueles ao seu redor se comunicam, afinal, uma conversa, como já deve ter percebido, vai muito além de algumas palavras.


Exemplo:


— Você mentiu pra mim.

— Não, eu não menti. Olha aqui... — disse Marcelo, estendendo sua mão para alcançar a de sua companheira.

Em um impulso, como se de nojo, nenhuma das suas mãos se encontrou.


DICA #5: SE PUDER, LEIA EM VOZ ALTA


Ler seu diálogo em voz alta é um meio rápido e eficiente para identificar os problemas. Isso vai te ajudar a entender melhor os problemas relacionados à ritmo, pontuação e verossimilhança. Quando estiver fazendo esse exercício, preste atenção onde você está gaguejando ou colocando pausas que não existem no texto original, quando rimas acidentais aparecerem, ou palavras repetidas estiverem muito próximas. Anote e corrija.


Preste atenção o que você está dizendo e quem estava fazendo isso, originalmente. Será que seu personagem diria isso com essas palavras? De nada adianta um arquétipo de lord inglês usar gírias ao se comunicar com outros membros da elite. No máximo, vai um ficar forçado que tentava ser engraçado.


É impossível ler uma frase ruim sem perceber algo de errado no meio do caminho, então esse exercício de escrita pode se mostrar muito útil em diversas ocasiões, principalmente quando estiver nessa jornada rumo à melhora na escrita.


DICA #6: OS VERBOS DICENDI PRENDEM VOCÊ


Para de colocar "gritou", "explicou", "metaforizou", "jubilou". Você só vai utilizar os verbos dicendi quando precisar identificar quem está falando, para que não pensemos que todos estão falando ao mesmo tempo, parecidos com uma turma de primário. Em um diálogo entre duas pessoas, por exemplo, você só precisa identificar o primeiro falante; afinal, caso você esteja escrevendo na formatação correta, cada linha representará um personagem. Logo, ficarão se alternando continuamente até chegar ao fim da discussão.


Então, não exagere. Dará para entender quem está falando se você seguir uma ordem razoável de discussão, como acontece no mundo real. A não ser que tenha cinco personagens falando ao mesmo tempo, deixe um pouco os dicendis de lado.


Exemplo:


— Álvaro, você está trocando muito de foto de perfil. — disse Nero.

— Eu tenho cinquenta fotos desse personagem aqui. E não estou, não.

— Ontem você estava com uma, semana passada também. Agora isso.

— Você vai ficar me caluniando até quando?

— Até sempre.


Lembre-se: o diálogo é seu foco. Tudo o que possa tirar a atenção dele deve ser riscado sem dó, incluindo verbos dicendi diferentes. Asseverou, ferroou e companhia devem ser deixados de lado.


DICA #7: SER MUITO REALISTA PODE SER PERIGOSO


É comum o desejo de expressar integralmente como os personagens falariam na vida real. Por isso, os autores acabam caindo na cilada de utilizar muitas contrações ou acentos, formando construções características da modalidade falada.


Tenha muito cuidado com palavras como "ocê", "nóis", "tô". Utilizá-los em excesso pode deixar seu texto mais pobre do que parece. Alguns deles ainda podem reforçar estereótipos, o que é ainda pior para uma narrativa que não tem isso como foco. Assim sendo, faça a função de equilibrar o que é real com o que pode transcrito para seu texto.


Exemplo:


— Ou, moleque, já tá pronto?

— Espera aí, pai. Já vou.

— Anda logo, eu tô atrasado!

— Calma, calma, já vai.

— Essa postagem vai acabar logo, sai logo desse quarto!

— Cheguei muito tarde. Acho que já acabou.


Por fim, resumindo, cada autor tem seus próprios hábitos de escrita, e sua compreensão do uso do diálogo também é muito diferente, mas seja ele um autor novo ou um autor maduro, uma coisa é certa, cada autor necessita de treinamento de longo prazo na construção e uso do diálogo para formar seu próprio estilo, e somente depois de muita prática e acumulação as habilidades de escrita podem progredir muito.

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