Minha Musicista
A chuva batia com força nas janelas da sala vazia, o som ecoando pelo prédio quase vazio da faculdade. Eu estava sentada ao piano, meus dedos deslizando sobre as teclas enquanto a melodia tomava forma. Era algo que eu havia criado sem querer, apenas para preencher o silêncio. Tocava sempre que me sentia deslocada – o que, ultimamente, era quase sempre.
Vir para a cidade grande parecia um sonho impossível há alguns meses. Agora, era a realidade que me engolia a cada dia. Minha mãe sempre dizia que eu precisava de uma carreira estável, algo que pagasse as contas e garantisse um futuro seguro. Música, para ela, era apenas um passatempo, algo que não devia ser levado a sério. Então aqui estou, cursando Administração, fingindo que estou confortável com isso.
Os relâmpagos iluminavam a sala, e por um momento, fechei os olhos, deixando a música me envolver. Foi aí que ouvi o som da porta se abrindo.
– Sério, piano a essa hora? – A voz masculina carregava um tom sarcástico, um sotaque levemente carregado que parecia destoar do ambiente acadêmico.
Eu parei imediatamente, minhas mãos parando sobre as teclas. Quando me virei, vi o dono da voz encostado no batente da porta, os braços cruzados. Ele tinha cabelos loiros bagunçados, como se tivesse acabado de sair da chuva, e olhos azuis que brilhavam, mesmo na luz fraca da sala.
– Desculpe se atrapalhei seu silêncio. – Respondi, minha voz carregando um leve toque de ironia.
Ele deu um passo para dentro da sala, seus sapatos molhados fazendo barulho no chão.
– Não é isso. Só não esperava encontrar alguém aqui. A maioria dos alunos está fugindo da chuva, não se escondendo para tocar piano como uma personagem de filme dramático.
Minha vontade era revirar os olhos, mas me controlei. Ele tinha um ar despretensioso, como se estivesse sempre à vontade, o tipo de pessoa que parece pertencer a qualquer lugar.
– Eu não me escondo. – Retruquei, levantando-me do banco do piano. – E, a propósito, não é proibido usar as salas.
Ele sorriu, um sorriso pequeno, quase arrogante.
– Não disse que era. Só achei curioso. Você é nova aqui, certo? Do interior?
Eu franzi o cenho, desconfiada.
– Como sabe disso?
– Pequena faculdade, grandes fofocas. – Ele deu de ombros e se aproximou, os olhos percorrendo o piano antes de se fixarem em mim novamente. – Além disso, você tem cara de quem ainda está tentando se acostumar.
Respirei fundo, tentando não me irritar. Ele estava certo, mas não precisava esfregar isso na minha cara.
– E você, quem é? Um inspetor noturno da faculdade?
Ele riu, um som genuíno que quase me pegou de surpresa.
– Não. Sou apenas alguém que gosta de evitar a chuva e, aparentemente, invadir os momentos privados dos outros. Sou Noah, aliás.
– Octavia. – Respondi, sem estender a mão.
Noah olhou para mim com aquele sorriso ainda no rosto, como se estivesse me estudando.
– Bem, Octavia, se você vai continuar tocando, espero que seja algo menos melancólico. A chuva já está fazendo um bom trabalho nisso.
Revirei os olhos dessa vez, sem me conter.
– Você sempre aparece para dar opiniões não solicitadas ou é só uma noite especial?
Ele deu um passo para trás, como se se rendesse.
– Tudo bem, estou saindo. Mas vou te dizer uma coisa: para alguém que não gosta de ser interrompida, você é bem fácil de provocar.
Antes que eu pudesse responder, ele se virou e saiu, deixando-me sozinha novamente.
Olhei para o piano, mas a vontade de tocar tinha desaparecido. Sentei-me no banco por mais alguns minutos, ouvindo o som da chuva lá fora e me perguntando quem era, de verdade, aquele garoto sarcástico com olhos azuis.
Talvez a cidade grande não fosse tão monótona quanto eu imaginava.
Capítulo 2
O sol finalmente apareceu entre as nuvens depois de uma noite de chuva incessante. Eu caminhava pelo campus com a minha amiga, Clara, tentando ignorar a quantidade de estudantes que pareciam estar perfeitamente à vontade ali. Clara, por outro lado, parecia pertencer àquele ambiente desde o primeiro dia. Sempre sorridente, cheia de energia e disposta a me arrastar para todos os cantos.
– Você precisa se enturmar mais, Octavia. – Ela dizia, como se fosse uma missão pessoal. – E hoje é o dia perfeito para isso!
– E por que hoje? – Perguntei, ajustando a alça da minha mochila.
– Porque eu vou te apresentar ao Noah! – Ela anunciou com um sorriso malicioso.
Parei de andar, meu estômago dando um nó.
– Noah?
– Sim, Noah Cavalcanti! Você já ouviu falar dele, não é? – Ela perguntou, como se fosse óbvio.
Claro que eu já tinha ouvido falar. Ele era o tipo de pessoa que parecia estar em todos os lugares ao mesmo tempo: nos corredores, nos jogos de futebol, nas festas que eu nunca tinha coragem de ir. O cara era praticamente uma lenda no campus. O que Clara não sabia, e eu não ia admitir, era que eu já o tinha encontrado. Ou, melhor, ele tinha encontrado a minha paciência na noite anterior.
– Ele é tipo... herdeiro de um império? – Clara continuou, cheia de entusiasmo. – A família dele tem uma rede de hotéis de luxo em Recife. Cavalcanti Hotels, já ouviu falar?
Ah, claro. Minha mãe certamente já tinha. Eu já tinha visto o nome estampado em revistas e outdoors quando íamos à capital. Isso explicava muita coisa.
– Acho que não preciso conhecê-lo, Clara. – Tentei desviar o assunto. – Parece que ele já tem fãs suficientes.
– Não seja boba. – Ela segurou meu braço e me puxou em direção ao prédio do centro de convivência. – Ele é super legal! E além disso, ele já está aqui.
Suspirei, derrotada, enquanto ela me arrastava até uma mesa ao ar livre onde Noah estava sentado, cercado por amigos. Ele estava vestido casualmente, com uma camisa branca ajustada que fazia questão de mostrar os músculos, e um sorriso despreocupado enquanto conversava.
Quando nos aproximamos, seus olhos azuis encontraram os meus, e ele arqueou uma sobrancelha, claramente me reconhecendo.
– Noah, essa é a minha amiga, Octavia. – Clara disse animada. – Ela é nova aqui, do interior.
– Nós já nos conhecemos. – Ele respondeu antes que eu pudesse corrigir, seu tom carregado de humor. – Na verdade, tivemos uma conversa bem interessante ontem à noite.
Clara olhou de mim para ele, surpresa e curiosa.
– Sério?
– Não foi nada demais. – Cortei rapidamente, tentando encerrar o assunto.
Mas Noah, claro, não deixou passar.
– Ah, eu não chamaria de ‘nada demais’. Ela tem um talento impressionante no piano e... um sarcasmo afiado.
Clara riu, enquanto eu sentia o rosto corar. Noah estendeu a mão para mim, um sorriso travesso no rosto.
– De qualquer forma, é um prazer oficial, Octavia. Seja bem-vinda.
Eu hesitei por um momento antes de apertar sua mão. Sua presença parecia preencher o espaço ao nosso redor, e eu odiava o fato de ele ser tão confiante.
– Prazer. – Respondi, tentando soar indiferente.
– Então, você estuda Administração? – Ele perguntou, parecendo genuinamente interessado, o que me pegou de surpresa.
– Sim. – Respondi, ainda tentando entender por que ele estava tão à vontade.
– Corajosa. – Ele comentou, inclinando-se um pouco para a frente. – Eu nunca conseguiria passar tanto tempo em uma sala sem me mexer.
– E é por isso que você escolheu Educação Física, certo? – Retruquei, minha voz carregando um toque de ironia.
Ele riu, parecendo se divertir com minha resposta.
– Toca um ponto.
Clara parecia encantada com a interação, enquanto eu só queria sair dali. Mas antes que pudesse inventar uma desculpa, Noah olhou diretamente para mim, o sorriso desaparecendo por um momento.
– Você devia tocar no recital do campus. Tenho certeza de que todos adorariam ouvir.
Fiquei surpresa pela sugestão e, por um momento, não soube o que dizer. Mas antes que pudesse responder, ele deu de ombros e voltou sua atenção para os amigos, como se a conversa estivesse encerrada.
Clara me puxou pelo braço para longe, claramente empolgada.
– Ele gostou de você, Octavia!
Eu revirei os olhos, mas meu coração ainda estava acelerado. Talvez Noah Cavalcanti fosse muito mais complicado do que sua fama deixava transparecer.
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Comments
Nazivania Dias Carvalho
começando a ler
2024-11-18
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