Capítulo 1: A Primeira Mordida 🌹
A vida nunca foi leve pras duas.
Mas quando se encontraram... tudo ficou ainda mais complicado. E deliciosamente errado.
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[Recife, oito horas da manhã]
👩🏼— MERLIAH, EU JURO QUE VOU ENFIAR ESSE DESPERTADOR NO TEU R@BO! — gritou Hira do quarto, a cara enterrada no travesseiro e o corpo pedindo paz.
A morena ria alto da cozinha, com a colher de brigadeiro na boca e os pés descalços batendo no chão. O rádio tocava música brega, o ventilador zumbia como uma abelha bêbada, e o despertador tinha tocado pela quarta vez em uma hora.
👩🏽— Vida, não é minha culpa se você fica toda empolgada pra pintar e esquece que existe tempo! — retrucou Merliah, abrindo a geladeira como quem procurava coragem.
No quarto, Hira estava toda bagunçada: cabelo loiro embaraçado, uma camiseta larga com a estampa de um sapo de olhos vermelhos/fumando e uma calcinha preta.. aquela que Merliah amava. O lençol grudado em tinta guache, migalhas de salgadinho e uma plantinha quebrada no canto do quarto completavam o cenário do caos.
Ela era um furacão artístico, ciumenta, explosiva — mas Merliah a amava como se fosse a própria salvação.
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[Três anos antes – o começo de tudo..]
Foi num velório.
O sol rachava o céu quando Hira chegou, de vestido preto colado e óculos escuros. Tinha ido por educação. A tia dela era amiga da família da falecida — uma prima de Merliah que morreu em uma rave ao misturar doce com energético e três tipos de irresponsabilidade.
Hira estava encostada num canto, tomando café morno e desenhando as pessoas tristes. Ela sempre achou bonito ver gente chorando com elegância.
Foi quando viu ela.
Morena. Alta. Cabelão ondulado. Cara de quem sabia bater e depois pedir desculpa com sexo.
Merliah entrou bufando, suando, de short jeans e camiseta branca amassada. Sentou perto do caixão e falou alto demais:
👩🏽— Não acredito que ela morreu de insolação. Quem inventa de usar casaco numa rave em Olinda?!
Hira se engasgou de rir e foi a primeira vez que sentiu aquele friozinho no estômago.
👩🏼— Você é bonita demais pra estar aqui — disse Hira, com o copo de café na mão e os olhos fixos na boca da outra.
Merliah a olhou de cima a baixo. Avaliou. Arqueou uma sobrancelha.
👩🏽— Você tá me cantando num velório?
👩🏼— Tô. E se não quiser sair comigo, vou ter que matar alguém só pra te ver de novo.
E foi assim.
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[Hoje – no presente]
O relacionamento cresceu rápido, como mato em dia de chuva. No início, era só piada e pegação. Depois virou rotina. Depois virou vício. E vício, todo mundo sabe, cobra caro.
Dividiam tudo: apê, conta de luz, ciúmes, orgasmos, e às vezes... crimes.
👩🏼— Tu viu aquela menina do time novo? Aquela que vive te olhando como se quisesse dormir no teu colo? — perguntou Hira, deitada no sofá, com o gato no peito e o olho semicerrado.
👩🏽— Hira… ela tem 17 anos. Relaxa — respondeu Merliah, passando a mão no cabelo e tentando mudar de assunto.
👩🏼— Relaxar? Eu relaxo… depois de enterrar gente.
A morena soltou um riso nervoso. Sabia que a loirinha falava coisas absurdas, mas... às vezes, não parecia só brincadeira.
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[Mais tarde]
Mais tarde, as duas discutiram feio por besteira. Hira ficou muda. Merliah gritando. Copo quebrado. Porta batida. Silêncio. Vento.
Horas depois, estavam se beijando com tanta fúria que pareciam querer se matar e se amar ao mesmo tempo.
👩🏼— Você me odeia, né? — sussurrou Hira, montada no colo dela.
👩🏽— Não. Mas às vezes eu tenho medo.
👩🏼— E mesmo assim fica comigo?
👩🏽— Porque te deixar seria bem mais assustador.
E ali, se amaram. Com força. Com raiva. Com aquela sensação de que estavam presas num destino sem volta. Mas que pelo menos seria intenso.
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[No dia seguinte...]
Uma menina do trabalho de Merliah sumiu.
Juliane. A que mandava emojis de coração. A que "não sabia que ela tinha namorada". A que teve o azar de cruzar o olhar com Hira na rua.
Desapareceu.
Ninguém sabia. Mas Hira... estava plantando margaridas novas na varanda. Com as unhas sujas e um sorrisinho sereno no rosto.
— Que perfume é esse? — perguntou Merliah.
— Sangue e flor. Nosso jardim precisava disso.
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🌙 Fim do Capítulo 1: A Primeira Mordida