Lara não lembrava exatamente quando começou. Talvez na noite em que trancou a porta do quarto para não ouvir o resto da casa gemendo de silêncio. Talvez quando cansou de contar as rachaduras no teto. Talvez quando riu sozinha de uma piada que não existia.
A primeira vez que viu Alegria, pensou que era um sonho.
A criatura estava sentada na poltrona velha, as pernas finas balançando como as de uma criança animada. O rosto era todo sorriso: largo demais, rasgado até onde não deveria, de onde escorriam faíscas douradas que pingavam no tapete como cera quente.
— Quem é você? — Lara perguntou, a voz falhando entre a vigília e o sono.
Alegria não respondeu de imediato. Jogou a cabeça pra trás e gargalhou. A risada ecoou dentro do peito de Lara, tremendo as costelas.
— Eu sou tudo o que você prefere sentir — disse Alegria, inclinando o rosto perto do dela. — Você não quer mais tristeza, não é? Vamos rir juntas, Lara.
Na primeira semana, Lara tentou ignorar. Tinha trabalho, tinha café, tinha música alta. Mas toda noite, às três e três, o quarto era tomado por um cheiro de balas infantis e ferrugem doce. Alegria vinha. Sentava. Sorria.
E quanto mais Lara chorava, mais a criatura se aproximava, sapateando com pés que não faziam barulho, deixando rastros cintilantes pelo chão.
No décimo dia, exausta, Lara sorriu de volta. Pequeno, quebrado, como quem pede desculpas.
Alegria se deitou ao seu lado, o corpo gelado, os braços finos rodeando seus ombros.
— Isso, isso... assim está melhor... — sussurrou a criatura, enquanto enterrava as unhas curvas na base de sua nuca.
Lara sentiu um puxão quente, como se algo fosse arrancado — pensamentos, memórias, pesos que ela mesma não sabia nomear.
Tudo parecia leve, tão leve. Pela primeira vez em muito tempo, Lara riu de verdade. Riu tanto que as lágrimas escorreram. Riu até o peito doer, até o ar faltar.
E lá fora, se alguém passasse pela janela, veria apenas uma jovem deitada na cama, sorrindo para o teto, cercada de brilhos dourados que evaporavam no escuro.
Na manhã seguinte, Lara ainda sorria. A porta do quarto trancada por dentro.
E no canto da poltrona, Alegria balançava as pernas, batendo palmas para si mesma, pronta para quando a próxima risada fosse necessária.