O mundo todo parou quando ele cruzou a porta da biblioteca naquela tarde chuvosa. Chovia há horas, como se o céu chorasse por tudo o que estava prestes a acontecer. Eu já o tinha visto antes. Nos corredores da universidade, nas sombras de festas estranhas às quais nunca fui convidada, e, às vezes, do lado de fora da minha casa… observando.
Mas nunca tão perto. Nunca me encarando com tanta fome nos olhos.
— Você gosta de ler. — ele disse, como se aquela fosse uma confissão imperdoável.
— Sim. — respondi. Minhas mãos tremiam ao virar a página do livro. Fingi que lia. Era impossível com aquele cheiro de perigo tão perto.
Ele se sentou diante de mim sem ser convidado. Alto, ombros largos, olhos de tempestade. A tatuagem em seu pescoço parecia uma serpente adormecida, mas havia algo em seu sorriso... que despertava os monstros dentro de mim.
— Sabe quem eu sou? — ele perguntou, quase entediado.
— Sim. — engoli em seco — Rafael Deveraux.
O nome soava como veneno e desejo. Filho do mafioso mais temido da cidade. Expulso de três escolas. Recolhido por boatos de assassinato. Repetente, rebelde, e... meu novo colega de curso.
Ele sorriu, mas seus olhos diziam outra coisa.
— Então por que está tremendo, boneca?
— Porque você tem cheiro de fim. — respondi sem pensar.
Ele riu. Uma risada rouca, suja, que parecia lamber a minha pele com promessas de dor e prazer. Nunca fui boa em fugir, mas aquele era o tipo de homem que ninguém escolhe se aproximar. A gente apenas cai. E quando cai... é tarde demais.
Naquela noite, ele me seguiu. Fingiu que era coincidência. Eu fingi que acreditava.
— Tá com medo de mim, Elena? — ele perguntou, me encurralando entre o muro e seu corpo quente como febre.
— Não. — menti.
Ele se aproximou, e eu senti seu hálito quente contra minha bochecha.
— Deveria.
Foi o primeiro beijo. Sujo. Errado. Vicioso. E eu desejei nunca mais ser limpa depois dele.
Os dias viraram um vício. Eu era boa, ele era caos. E o caos ama destruir tudo o que é bom. Rafael me beijava como se estivesse roubando minha alma. Tocava meu corpo como se quisesse arrancar a pureza dele com as mãos. E eu deixava.
A cada vez que dizia “não”, ele sussurrava:
— “Então por que geme quando eu chego perto?”
Minha mãe me alertou. Meus amigos se afastaram. Mas eu... eu só queria mais.
Mais da dor dele. Mais dos olhos sombrios. Mais da história que ele nunca contava, mas que se escrevia na pele marcada por cicatrizes.
— Você tem alguma ideia do que eu sou, Elena? — ele perguntou uma noite, com sangue nas mãos e feridas no coração.
— Não. Mas quero saber.
— Não quer. Porque, se souber, nunca mais vai conseguir fugir.
— Talvez eu não queira fugir.
Ele me olhou como se eu fosse a maior das blasfêmias. E me beijou como se eu fosse o último pedaço de céu que ele ainda podia alcançar.
Na véspera do meu aniversário, encontrei um envelope embaixo da minha porta. Nele, fotos minhas... dormindo, tomando banho, me trocando. Um bilhete rabiscado dizia:
— “Ele está te destruindo. Se continuar com Rafael, você morre.”
Mostrei a ele. Rafael ficou em silêncio por longos minutos. Depois, disse:
— Isso é o preço de ser minha.
— Alguém quer me machucar?
— Alguém quer te tirar de mim.
— E o que vai fazer?
— Matar. — disse sem emoção — E se for você quem tentar fugir... mato você também.
Fiquei em choque. Mas não corri. Porque a parte mais doente de mim... se sentiu protegida.
Três dias depois, meu apartamento foi arrombado. Não levaram nada. Só deixaram um aviso no espelho:
— “Última chance.”
Quando Rafael chegou, me encontrou encolhida no chão, chorando.
— Eu avisei, boneca... agora não tem mais volta.
Ele me levou. Para longe. Para uma casa no meio do nada. Lá, ele me trancou, me viciou em seu toque, em suas palavras e em seu gosto. Me ensinou que o amor pode ser a prisão mais linda. E que algumas grades têm a forma de braços tatuados.
Mas o pecado não se esconde para sempre.
Naquela noite, quando os homens invadiram a cabana, Rafael me escondeu no porão. Lutou por mim. Matou por mim.
E morreu por mim.
Ou assim pensei.
Dois meses depois, fui encontrada e resgatada. Disseram que ele estava morto. Que eu precisava de terapia. Que nada daquilo era amor.
Mas como explicar que meu corpo ainda queimava pelo toque dele?
Como apagar a tatuagem que fiz em segredo, igual à dele?
Como sufocar o desejo de vê-lo na sombra do meu quarto?
Hoje faz um ano. Estou namorando com alguém bom. Gentil. Seguro.
Mas ao abrir a porta da estufa de flores pela manhã, vejo um bilhete preso à única rosa negra do jardim:
— “Você achou que eu morreria por você, boneca? Errou. Eu vou viver por você. E matar… por nós.”
Meu coração para. Minhas pernas falham.
Naquela noite, deixo a janela aberta.
E sorrio.
Porque o pecado... voltou para casa.