Ninguém se aproximava da mansão Silvanor desde a noite em que o último descendente desapareceu. Envolta por uma névoa que parecia nunca dissipar, a mansão de janelas trancadas e portas seladas guardava mais do que apenas móveis antigos: ali repousava um espelho do século XVII, cujas molduras de prata estavam talhadas com símbolos que nem mesmo os estudiosos mais experientes conseguiam decifrar. Diziam que esse espelho havia pertencido a uma condessa amaldiçoada, e que ele não refletia o que estava à frente — mas sim a verdade mais escondida da alma de quem ousasse encará-lo por muito tempo. Entre lendas e sussurros, havia uma certeza: toda mulher que olhava para ele desaparecia. Exceto uma. E essa mulher não era mais do mundo dos vivos.
Amara tinha quinze anos quando seu irmão gêmeo foi tragado pelo espelho. Ninguém acreditou nela, nem mesmo seus pais. Disseram que era uma alucinação, um trauma, uma invenção. Mas Amara sabia. Ela viu os olhos dele sendo sugados para dentro da moldura, viu o vidro tremeluzir como se fosse água, e viu, por fim, o reflexo do irmão se afastar, enquanto o corpo real desabava em fumaça. Desde então, ela prometeu vingança. Jurou que libertaria seu irmão — e que destruiria o espelho, mesmo que para isso tivesse que perder a própria alma. Durante sete anos, estudou a história da mansão, mergulhou em livros esquecidos, aprendeu línguas mortas e segredos que queimavam a mente. Aos vinte e dois, Amara retornou à mansão, levando consigo apenas uma chave de prata, uma vela negra e um caderno com anotações riscadas por mãos trêmulas.
Na noite em que retornou, a lua desapareceu do céu. A neblina era tão densa que parecia sussurrar em sua orelha. Ao adentrar o salão principal, o tempo parou. Pássaros congelaram no voo, o vento deixou de soprar, e tudo o que restou foi o som de seus próprios passos ecoando pelas paredes vazias. O espelho estava lá, no centro da sala, coberto por um véu vermelho que tremulava sozinho. Amara não hesitou. Tirou o véu. E ali estava ela — ou algo parecido com ela — sorrindo do outro lado do vidro. Mas o que a encarava não era um reflexo. Era uma noiva. Vestia branco, mas o vestido era manchado de sangue seco. Seus olhos eram os mesmos de Amara, mas cheios de dor. E atrás dela, centenas de sombras murmuravam. Eram as almas presas. Eram os gritos não ouvidos. Eram o irmão dela.
Ela sabia o que tinha que fazer. Para entrar no espelho, era preciso aceitar a troca: o amor por algo sombrio. O sacrifício por um pacto. E ele apareceu. Um homem de rosto coberto por uma máscara prateada, alto, envolto em um manto escuro como breu, estendeu a mão a ela. Seu nome era Lior. Um ser entre os mundos. Um guardião da ponte entre realidade e ilusão. Ele lhe ofereceu um acordo: ele a levaria até o irmão, mas em troca, ela se tornaria sua noiva por sete luas eternas. E não poderia contar a ninguém o que viu lá dentro. Amara aceitou. Pela primeira vez, sentiu que a escuridão não a esmagava, mas a completava. E quando segurou a mão de Lior, o espelho se partiu — por dentro. Fragmentos voaram ao redor deles, mas nenhum a feriu. Ao atravessar o vidro, o mundo real desfez-se, e o verdadeiro pesadelo começou.
Dentro do espelho, o tempo era circular. Havia jardins mortos que cresciam para trás, criaturas que choravam ao sorrir, e portas que levavam a versões diferentes de si mesma. Amara se viu criança, depois velha, depois monstruosa. Mas nada a fez parar. Guiada por Lior, enfrentou os guardiões do esquecimento, atravessou o lago das memórias distorcidas e, enfim, encontrou seu irmão — dormindo, suspenso por fios de prata. Para despertá-lo, precisaria oferecer algo puro. Algo real. Seu coração.
Ela hesitou. Mas não por medo. Ela temia não mais querer sair dali. Lior estava sempre ao seu lado. Ele a compreendia como ninguém. E pela primeira vez, ela se sentia vista. Sentia-se amada, mesmo que por um ser sombrio. Mesmo assim, arrancou o próprio coração. Entregou-o ao espelho. Seu irmão acordou. Acordou no mundo real. Sozinho.
Mas o que ninguém contou foi que o amor sombrio não destrói — ele transforma. Amara não morreu. Tornou-se parte do espelho. Parte da casa. Parte do próprio Lior. Agora, ela é a noiva do espelho negro. E quem se aproxima da mansão pode ouvir sua voz, doce como o vento, convidando os corações solitários a entrarem. Muitos vêm buscando respostas. Outros, vingança. Mas todos saem apaixonados. Ou não saem nunca mais.
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