A pequena cidade de Vale Escuro era conhecida por sua tranquilidade. Uma fileira de casas antigas, feitas de madeira e pedra, alinhava a única rua principal. No entanto, uma casa em particular permanecia desocupada há décadas. Era a Casa dos Espelhos, assim chamada por suas janelas que refletiam o luar de uma maneira incomum, como se olhos observassem a todos.
Dizia-se que, anos atrás, um homem chamado Elias morara ali. Elias era um relojoeiro, um sujeito pacato e reservado. Poucos conheciam sua verdadeira face: ele era um psicopata meticuloso, obcecado por capturar o tempo e a vida. Seus crimes eram como obras de arte macabras, as vítimas dispostas de maneira ritualística, com relógios parados ao lado dos corpos. Um dia, ele desapareceu sem deixar rastros, mas os moradores acreditavam que sua alma nunca deixara a casa.
Clara, uma jovem jornalista, fascinada pelos mistérios da cidade, decidiu investigar a lenda. Armou-se com uma lanterna, um gravador e sua curiosidade. Chegou à casa ao cair da noite, quando o luar já tocava as janelas como dedos pálidos. O silêncio era denso, como se o mundo prendesse a respiração.
Ao entrar, Clara sentiu o ar pesado, impregnado por um cheiro de mofo e algo mais... ferroso. O chão rangia sob seus pés, e cada passo parecia despertar ecos longínquos. As paredes eram cobertas de espelhos quebrados, que refletiam pedaços de seu rosto de formas distorcidas. No centro da sala principal, um velho relógio de pêndulo ainda ticava, apesar do pó acumulado.
De repente, ela ouviu um som. Não um tic-tac, mas uma risada baixa e distante. Virando-se rapidamente, viu uma sombra se movendo pelo reflexo de um espelho, mas ao olhar diretamente, não havia nada. Seu coração disparou.
Subiu as escadas, guiada por uma curiosidade irresistível e mórbida. No andar de cima, encontrou um quarto trancado. A porta estava marcada com arranhões, como se alguém ou algo tivesse tentado sair. Clara respirou fundo e empurrou a porta. Dentro, encontrou uma oficina. Havia ferramentas espalhadas, peças de relógios e... cadernos. Em um deles, Elias registrava seus pensamentos. Cada página descrevia uma vítima, como ele escolhia o momento exato de parar seus relógios e capturar sua "essência".
Clara estava tão absorta que quase não percebeu o som de passos atrás dela. Virou-se, mas não viu ninguém. O reflexo de um espelho na parede, no entanto, mostrava uma figura ao seu lado: um homem alto, com olhos frios e mãos que seguravam uma ferramenta afiada.
Ela gritou, mas sua voz foi engolida pela casa. Correu escada abaixo, mas parecia que os degraus se multiplicavam. O tempo dentro da casa já não fazia sentido. Ao chegar à sala, o relógio de pêndulo havia parado, e o silêncio absoluto a envolveu.
Na manhã seguinte, moradores encontraram a porta aberta, mas Clara nunca mais foi vista. No centro da sala, sobre o relógio de pêndulo, havia um gravador. Quando o ligaram, ouviram sua voz sussurrando:
"Ele está aqui... o tempo é dele."
Desde então, dizem que a Casa dos Espelhos escolhe suas vítimas. E à noite, quando a lua brilha em suas janelas, os reflexos ainda mostram os olhos de Elias, esperando por mais alguém.