Na província de Echigo, em frente à Ilha de Sado, no Mar do Japão, a neve cai pesadamente. Às vezes, acumulam-se sete metros acima do chão. Muitas foram as pessoas que sepultadas pela neve, cujos corpos não foram encontrados até a primavera. Há muitos anos, três companhias de soldados, com exceção de três ou quatro homens, foram dizimadas em Aowomori. E passaram-se muitas semanas até que fossem desenterrados. Evidentemente, estavam todos mortos.
Naturalmente, os desaparecimentos misteriosos dão origem a fantasias em um povo imaginoso, e desde os tempos imemoriais os Fantasmas da Neve animam a imaginação dos povos do Norte, enquanto os do Sul dizem que os nortistas tomam tanto saquê que tomam por mulheres as árvores cobertas de neve.
Seja como for, devo narrar o que viu um agricultor chamado Kyuzaemon.
Na aldeia Hoi, que consistia em apenas onze casebres muito pobres, vivia Kyuzaemon. Ele era paupérrimo e duplamente infeliz por ter perdido tanto o seu filho quanto a sua mulher. Levava uma vida solitária.
Na tarde de 19 de janeiro do terceiro ano da era Tem-po — ou seja, em 1833 —, desabou uma tremenda tempestade de neve. Kyuzaemon fechou as venezianas e se acomodou o melhor que pôde. Por volta das onze horas da noite, despertou com uma batida na porta. Era uma batida singular e se repetia intervalos regulares. Kyuzaemon sentou-se na cama e olhou para a porta, intrigado. A batida repetiu-se e, com ela, a voz suave de uma moça. Pensando que poderia ser uma das filhas de seu vizinho querendo ajuda, Kyuzaemon pulou da cama. Mas, quando chegou à porta, teve medo de abri-la: a voz e a batida elevaram-se em uníssono e ele pulou para trás, gritando:
— Quem é você? O que quer?
— Abra a porta! Abra a porta! — veio a voz do lado de fora.
— Abrir a porta?... Não a abrirei até saber quem é você e o que faz tão tarde em uma noite como esta.
—Mas você tem que me deixar entrar. Como posso seguir em frente nesta nevasca tão violenta? Não peço comida; somente abrigo.
— Sinto muito, mas não tenho colchas ou roupas de cama. Não posso deixá-la ficar em minha casa.
— Não quero colchas nem roupa de cama. Peço-lhe somente abrigo —implorou a voz.
— De qualquer forma, não posso deixá-la entrar. É muito tarde e permitir que entre vai contra os costumes e a lei.
Dizendo isto, Kyuzaemon reforçou a porta com uma barra de madeira resistente, sem sequer se aventurar a entreabrir as persianas para ver quem seria a visitante. Quando se voltou para a cama, viu, sobressaltado, a figura de uma mulher ao seu lado, vestida de branco, com os cabelos fluindo pelas costas. Não tinha aparência fantasmagórica. Seu rosto era belo e ela parecia ter cerca de vinte e cinco anos. Kyuzaemon, tomado de surpresa e muito assustado, gritou:
— Quem é você? Como entrou aqui? Onde estão os seus tamancos?
—Posso penetrar em qualquer lugar quando quiser — respondeu ela. — Eu sou a mulher que você não queria deixar entrar. Não preciso de tamancos, porque me movo com os redemoinhos na neve e às vezes flutuo no ar. Estou a caminho da próxima aldeia, mas o vento está contra mim. Era por isto que eu queria que você me deixasse descansar aqui. Se fizer isto, partirei assim que o vento amainar. De toda sorte, irei-me embora pela manhã.
— Fosse você uma mulher comum, não me importaria em lhe conceder descanso. Eu deveria, de fato, alegrar-me com isto. Mas eu temo muito os espíritos, assim como os temiam os meus antepassados — disse Kyuzaemon.
— Não tenha medo — disse a figura. — Você tem um bustsudan[1]?
— Sim, eu tenho butsudan — disse Kyuzaemon. — Mas por que quer saber?
— Disse-me que tem medo dos espíritos e do que posso fazer a você. Mas desejo prestar as minhas homenagens às tábuas de seus antepassados, e assegurar aos espíritos de sua família que não lhe farei mal algum. Você pode abrir o butsudan e acender uma lamparina?
—Sim — disse Kyuzaemon, muito amedrontado e trêmulo. — Vou abrir o butsudan e acender a lamparina. Por favor, também reze por mim, pois sou um homem desafortunado e infeliz. Mas, em troca, você me dirá quem é e que espécie de espírito é o seu.
— Você quer saber demais. Mas, ainda assim, eu lhe direi — respondeu o espírito. — Creio que você é um bom de bem. Meu nome era Oyasu. Sou filha de Yazaemon, que mora na aldeia vizinha. Meu pai, como talvez já tenha ouvido falar, é um fazendeiro, e acolheu, no seio de sua família, e como marido de sua filha, Isaburo. Isaburo é um bom homem, mas, após a morte de sua mulher, no ano passado, abandonou o seu sogro e retornou à sua antiga casa. Agora, procuro por ele sobretudo para recriminá-lo por sua má ação.
— Devo entender — disse Kyuzaemon — que a filha que foi casada com Isaburu é a mesma que morreu na neve no ano passado? Se sim, então você deve ser o espírito de Oyasu, mulher de Isaburo.
— Sim, você está certo — disse o espírito. — Eu era Oyasu, a esposa de Isaburo, que morreu, amanhã fará um ano, na grande tempestade de neve.
Kyuzaemon, com as mãos trêmulas, acendeu a lamparina no pequeno butsudan, murmurando, com um fervor sem precedentes: “Namu Amida Butsu”[2] . Feito isto, ele viu a figura do Yuki Onna (Espírito da Neve) avançar. Mas não se ouvia o som de passos enquanto o espectro deslizava em direção ao altar.
Kyuzaemon retirou-se para a cama, na qual adormeceu prontamente. Mas, em seguida, a voz da mulher, que se despedia, o despertou. Antes que ele tivesse tempo de se sentar, ela desapareceu sem deixar vestígios. O fogo ainda ardia no butsudan.
Havendo-se levantado ao romper do dia, Kyuzaemon foi à aldeia vizinha para ver Isaburo, a quem encontrou morando com o sogro, Yazaemon.
— Sim — disse Isaburo —, foi um erro de minha parte abandonar o pai de minha esposa quando ela faleceu. E não me surpreende que, nas noites frias, quando cai a neve, o espírito de minha mulher me visite continuamente, como uma repreensão. Nesta manhã, bem cedinho, eu a vi novamente e resolvi voltar à casa de meu sogro. Faz apenas duas horas que estou aqui.
Conjecturando, Kyuzaemon e Isaburo descobriram que o espírito de Oyasu, após deixar a casa do agricultor, fora diretamente visitar Isaburo e esteve com ele até que o marido prometesse voltar para a casa de seu pai, ajudá-lo e ampará-lo em sua velhice.
Esta é mais ou menos a história de Yuki Onna. Todos aqueles que sucumbem à neve e ao frio tornam-se Espírito da Neve, aparecendo justamente quando neva. Ressurgem da mesma forma que os espíritos dos que se afogam no mar e que só aparecem em mares tempestuosos.
Até hoje, no Norte, os sacerdotes fazem orações para apaziguar os espíritos dos que morreram na neve, evitando, assim, que retornem para assombrar as pessoas às quais estão ligados.