Na parte do planeta onde ainda era dia, o céu escurecia, enquanto a massa se formava. À medida que se adensava, o firmamento tornava-se um degradê, perdendo o azulado até escurecer por completo. Um aglomerado gigantesco latejava visível em grande parte do globo, inverosímil, como se a disposição da superfície tivesse um formato simultaneamente côncavo e convexo, numa profundidade próxima e ao mesmo tempo infinita.
Deslumbramento, assombro, terror… Quantos sentimentos aquilo despertava? Talvez todos. Não havia raciocínio ou lógica. Na mente de cada um, apenas o primordial existia, o essencial pronto para reagir. Nenhuma era da existência de vida na Terra, porém, havia preparado o instinto para o que aconteceria.
Começou com uma leve tontura, um desconforto que foi progredindo, até ser como alfinetadas no cérebro. Pessoas cambaleavam, algumas golfavam a última refeição. O mundo inteiro serpenteava pelo chão em violentos espasmos, com olhos revirados para dentro das órbitas. Das bocas, uma espuma transbordava e escorria pelos cantos. Sentiam todas as sinapses ativadas, impulsos elétricos transmitindo incontáveis informações, um conhecimento incomensurável de incalculáveis vidas, sobrecarregando a capacidade da mente humana. Uma gosma rósea começou então a verter de todos os orifícios faciais, enquanto a massa cerebral derretia.
À distância, biliões de consciências recém-incorporadas observavam os seus corpos. Não era paz que sentiam, mas euforia por todas as possibilidades que nunca tinham imaginado e que podiam agora compreender. Eram uma só mente, junta com o todo, com as mais diferentes percepções da realidade.
Recém-alimentada, a divindade cósmica partia agora para o próximo destino.