Abria a janela todas as manhãs, para que o gato Tobias se espreguiçasse e apanhasse um pouco de sol. Depois, colocava a bacia de loiça no parapeito da janela. — E se me morres, pai? — pergunta Helena, mesmo que o pai já não tenha língua para responder. — E se me morres e fico sozinha outra vez? — continua, imprimindo cada vez mais força à lâmina de barbear.
As pingas ficavam maiores e pintavam a bacia de vermelho. Desde pequena que gostava de ajudar o pai a fazer a barba. Mas este, agora, quase nem pele tinha, quanto mais barba. Apenas feridas sobre feridas que a filha fazia questão de continuar a abrir.
— Por vinte mil euros me deste a todos aqueles homens. Levaram-me para Espanha, França, Holanda… Mas eu sempre soube que me ia reencontrar contigo, querido pai.
Tobias assistia à cena, mas continuava mais preocupado com o seu sono. A seguir, iria descer para a caixinha de areia, que era mudada todas as manhãs, e gentilmente fazer o cocó que Helena continuava a servir ao pai, apodrecendo-lhe as entranhas.